terça-feira, 11 de maio de 2010

Trabalhadores da Educação mantêm a greve. E o governo chama para negociar


Depois de 33 dias de greve, lá vamos nós, trabalhadores da Educação de Minas para a assembléia estadual, marcada para o pátio da ALMG. De Vespasiano e São josé da Lapa, como de costume, sai um ônibus lotado. Meu nome já é o primeiro da lista e nem precisa mais confirmação de presença. A turma que vai no ônibus - e mais outra enorme que vai direto para assembléia porque mora em BH ou região - é de combate. É do meu time. Marca presença de carteirinha na mão, contracheque e uniforme verde-abacate - eu e João Martinho bem que torcemos para que o uniforme fosse vermelho ou preto, mas a sensibilidade feminina prevaleceu. Tudo bem. Democracia é assim: a maioria decide e de vez quando a gente obedece.kkk.

Chuva sem Neves

Chegamos na assembléia por volta de 14h. Como de costume, até em função de outras greves e outros movimentos dos quais participei nos últimos 30 anos - dava até pra reivindicar aposentadoria! -, fico sempre na expectativa de encontrar muita gente, mas sabendo que as vezes as pessoas não aparecem. Bato três vezes na madeira: a greve tá forte, o povo chega, é só ter paciência, disse para os colegas mais próximos. E assim foi: um a um, ou em vários grupos, foi chegadno gente daqui e dali, com faixas, cartazes, uniformes, bandeiras, apitando e cantando. Uma festa democrática. Nem o mau humor do tempo desanimou os educadores em greve. Mais tarde a chuva até caiu. Ao meu lado, ouve quem dissesse: só pode ser praga de Tancredo. Não concordo. Se aqui estivesse, Tancredo, que eu conheci pessoalmente e por alguns minutos num concorrido almoço, quando era um garoto de 17 para 18 anos - ele já candidato ao governo de Minas e de olho na presidência -, seguramente já teria puxado as orelhas do neto e teria dito: negocia com os educadores que a coisa tá ficando feia para o seu lado!

A chuva - como o governo - passa, passou e nós ficamos lá, a ouvir as falações dos oradores que se revezavam. A coordenadora do Sind-UTE Beatriz já havia dado os informes, inclusive sobre a nossa derrota na justiça no caso do recurso que impetramos contra a liminar de um infeliz desembargador, que decretou a ilegalidade da greve. Na semana passada, quando o tal desembargador tomou a equivocada decisão, a imprensada dócil e servil ao governo Aécio-Anastasia - ouçam ou imaginem o tilintar de milhões de moedas escorregando nos bolsos desses senhores - chegou a estampar nas capas de jornais que o desembargador mandou "suspender a greve" dos educadores. ora, me poupem. Se tivessem um pouco mais de cultura saberiam que quem inicia ou suspende uma greve são os próprios trabalhadores.

Colocada em votação a continuidade ou não da greve, com todas as pressões que os educadores têm sofrido, cerca de 15 mil educadores decidiram por unanimidade pela continuidade da greve. Ás favas com a sentença imoral e ilegal de uma justiça distante da vida real das pessoas que constroem o Brasil real. O que está em jogo nesta greve é a nossa vida, a nossa carreira e a própria educação pública. Essas realidades estão muito distantes de senhores que decidem a vida alheia como se estivessem determinando uma surra de chibata. Os tempos são outros, senhores, e vocês erraram de século.

Significados da greve

Eu comentava com alguns colegas ao meu lado que esta greve tem tido uma força simbólica muito importante. Se a questão central da greve é o salário, há outros fatores objetivos e subjetivos que ganharam vida, mesmo que as pessoas não se dêem conta disso. Ocorre, por exemplo, uma espécie de elevação da autoestima de muitos colegas que estavam desanimados com a carreira da Educação. Há uma elevação moral, um sentimento de que todos nós pertencemos a uma carreira que pode ter um presente e um futuro melhores; além disso, somos todos irmãos nessa luta, diferentemente da lógica neoliberal que Aécio e Anastasia tentaram implantar na gestão em Minas, ao tentar jogar trabalhador contra trabalhador, que teria cada qual resultados diferentes na disputa cega por prêmios e vantagens individuais. A greve derrotou essa lógica que nos dividia e nos tornava fracos e a mercê de pressões de toda ordem.

Estamos construindo uma unidade de classe, muito importante não apenas para este embate contra o atual governo, mas para as outras lutas que virão. Além disso, a greve tem a força de chamar a atenção da comunidade para o descaso do governo mineiro - e de resto, no Brasil - para com a Educação pública.

Podemos dizer sem medo de errar que a greve que ora assumimos coletivamente pode estar salvando a Educação pública em Minas de um total fiasco. Tudo nos leva a crer
que, seja pelo baixo investimento na educação e na desvalorização dos educadores, estava em curso uma tentativa de transformar a educação pública, na modalidade ensino básico, em uma rede sem grande importância, voltada para as famílias de baixa renda, que na concepção da nossa elite não merecem uma educação de qualidade.

O passo seguinte para esta política seria o abandono dos bons profissionais e sua substituição por pessoas sem o devido preparo, que se contentariam com qualquer remuneração. De uma certa forma, é esta a situação da maioria dos trabalhadores que não aderiram à greve. Salvo exceções poucas, somente quem não leva a sério a carreira da educação pública está em sala de aula neste momento.

A passeata de mais de um quilômetro

Decidida a manutenção da greve e de um conjunto de atividades em todo o estado de Minas até a próxima assembléia, que será realizada no dia 18, terça-feira, saímos todos em passeata até o Palácio da Liberdade. Novamente, um quilômetro de gente, com bandeiras do sindicato, apitos e palavras de ordem a caminhar pelas ruas de BH. Podemos dizer que, desde que iniciamos a greve no dia 08 de abril, nós praticamente reviramos e esquartejamos as ruas de BH, na parte central da cidade, a partir da ALMG. Nas diversas rotas que percorremos desde então, perfazendo dezenas de quilômetros, temos sido sempre bem recebidos pelos moradores, que nos aplaudem e nos enviam mensagens de solidariedade.

Isso demonstra em grande medida o quanto não é tão grande assim o alcance da mídia. As pessoas têm sensibilidade e capacidade de discernimento e por mais que tentem mentir sobre a dramática realidade dos educadores de Minas, basta apenas um pequeno contato conosco para que se desfaça qualquer mentira. Além disso, somos 220 mil trabalhadores, mais da metade dos quais em greve, ou seja, com tempo livre para conversar com as pessoas, com os vizinhos, com os parentes; enviar e-mails para as emissoras de rádio e TV e para os jornais, para os deputados; panfletar em praça pública, organizar atos de protesto, enfim. Temos um grande exército de trabalhadores nas ruas, fazendo campanha pela educação pública de qualidade e pela valorização dos educadores e mostrando o quanto o atual governo não investe na educação.

Outro dia mesmo, no auditório da escola polo de Vespasiano - EE Machado de Assis -, dirigindo-me para pais e alunos, eu dizia que a nossa greve tem sido uma verdadeira aula pública de cidadania. Temos questionado o papel da mídia e suas ligações perigosas com o governo; o papel da justiça, que toma medidas inconstitucionais em nome da constituição; o papel dos nossos parlamentares, que buscam voto nas eleições, mas se escondem ou votam contra os educadores; além das práticas autoritárias de um governo que tem dificuldade em negociar com os trabalhadores e com os movimentos sociais.

Apoio aos sem-teto e sem-terra

Aliás, por falar em movimento social -lembrei-me agora -, antes da passeata, falaram também no final da assembléia os deputados do bloco da oposição (PT, PCdoB e PMDB) e Frei Gilvander, que é ligadíssimo com os movimentos sociais e lá esteve para levar a solidariedade da comunidade eclesial de base e também para pedir a nossa solidariedade ao movimento dos sem-teto. A luta dos sem-terra e dos sem-teto é a mesma que a nossa e devemos pensar seriamente em formas práticas de solidariedade mútua, pois estamos juntos no mesmo barco, contra os mesmos interesses daqueles que não investem no social e privilegiam banqueiros, grandes empresários, burocratas do alto escalão dos poderes constituídos.

Quando chegamos na Praça da Liberdade fomos recebidos pelo batalhão de choque da PM. Primeiramente tentaram impedir que o nosso ato público ocupasse as duas vias em frente ao Palácio da Liberdade. Não conseguiram. Empurraram alguns professores, um helicóptero circulou ali o tempo todo, com holofote pra cima dos manifestantes, mas nada disso nos intimidou. Ganhamos as duas vias, paramos o trânsito e fizemos o nosso ato. O Palácio da Liberdade foi cercado pelo baltalhão, mas nem precisava, pois não era nosso interesse ocupá-lo. Até porque, como disseram numa peça cultural organizada pelo sindicato, ali estava apenas o fantasma do governador Anastasia, que anda sumido, ou de Aécio, que desapareceu do mapa. Por onde andam estes personagens?

A negociação e a espera, com as espadas afiadas

Finalmente, a coordenadora do Sind-UTE Beatriz Cerqueira anunciou que uma reunião de negociação havia sido marcada para amanhã, dia 12, às 9h, na Assembléia Legislativa, com a presença da secretária de Planejamento Renada Vilhena, do deputado governista Mauri Torres, líderes da oposição, e dirigentes sindicais. Talvez seja um primeiro passo de abertura de negociações e quebra da intolerância por parte do governo.

Vamos aguardar o desenrolar dessas negociações e enquanto isso, como dizia um ator no filme Ben Hur, "devemos manter as nossas espadas afiadas". Ou seja, enquanto aguardamos as conversações, a luta continua, firme e forte, pois é ela a garantia de qualquer conquista.

Links da grande mídia sobre o tema:
- TV Alterosa
- TV Globo

2 comentários:

  1. Euler,
    Cada vez admiro mais a sua coragem e boa vontade para noticiar os fatos como eles de fato acontecem. Estive em BH ontem na nossa manifestação. E adorei ler o seu resumo dos acontecimentos. Continue... Suas palavras são incentivo e perseverança para muitos, tenho certeza. Abraço. Heloisa - Mutum MG

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  2. Professor Euler, faço minhas as palavras da comentarista que me precedeu. Cordialmente, João Paulo, professor de História na EE Deputado Patrús de Sousa, Carandaí MG, SRE de Barbacena.

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