sábado, 26 de outubro de 2013

Meritocracia para a Educação é papo furado

   Meritocracia para a Educação é papo furado. Conversa fiada de "especialistas" ou palpiteiros que nunca pisaram no chão de uma escola pública (ensino básico)

Tem sido muito comum e repetitiva a fala de "especialistas" em educação, ou mesmo jornalistas-comentaristas-palpiteiros de plantão, sobre a meritocracia como solução para os problemas da Educação. Em geral, essas pessoas nada falam sobre os baixos salários dos professores, ou sobre as péssimas condições de trabalho e baixos investimentos na Educação pública, na modalidade ensino básico. Ou quando falam em salários, dizem, cinicamente: "tudo bem que os salários são baixos, mas os professores precisam se qualificar melhor...". A própria "qualificação" dos professores e demais educadores deveria fazer parte de uma política séria de formação continuada dos profissionais da Educação. Política que não existe em Minas Gerais, ou em outras regiões do Brasil.

Contudo, o discurso recorrente dessa elite que se julga pensante, e que se atreve a falar da Educação básica sem conhecê-la de perto, é sempre o mesmo: a meritocracia seria a salvação para resolver o problema da qualidade da Educação. Papo furado. No fundo este discurso procura afastar a possibilidade de uma real política inclusiva e de qualidade para todos, que não existe no Brasil, a não ser na teoria, e substituí-la por uma política mercadológica, de competição entre os profissionais da Educação, visando dar algumas melhorias - tipo bônus ou prêmio - para alguns poucos, e manter a maioria com os baixos salários, em prejuízo do ensino como um todo.

Educação não é mercadoria, escola não é uma empresa privada (ou estatal), que precise apresentar resultados segundo as lógicas de mercado. O melhor resultado de uma escola e da Educação em geral é quando são capazes de formar pessoas, mais humanas, mais críticas, proporcionar uma formação universal, contribuindo para que estas pessoas ampliem sua visão de mundo, respeitando a diversidade de pensamento e de opinião.

Na meritocracia, escola boa é aquela que consegue bons resultados quantitativos em avaliações questionáveis, como acontece com aquelas que são feitas anualmente nas escolas públicas. Além das práticas tipo decoreba, ou treinamentos tipo vestibular, entre outras práticas - algumas até desonestas -, revela-se uma compreensão apenas formal dos conteúdos, numa visão quase empresarial, que enxerga apenas os frios resultados estatísticos: tantos alunos foram aprovados, outros tantos conseguiram nota X, o que representaria um suposto avanço em relação ao ano anterior. Ora, esta lógica desconhece os indivíduos na sua complexidade e diversidade, além dos diferentes contextos que dificultam o enquadramento em padrões de medições burocratizadas.

Uma das idiotices mais comuns, nesta linha meritocrática, é quando afirmam que é preciso remunerar melhor aos "melhores" profissionais. Tal afirmação é muito comum entre os neoliberais, que querem privatizar até as estrelas, se puderem, mas que desconhecem completamente a realidade de uma escola pública que se pretende inclusiva. Num ambiente educacional não dá para separar: este professor é bom, aquele é ruim; este merece receber um bônus extra, aquele outro não. Só pensa assim quem nada conhece acerca da realidade da Educação pública.

Na rede pública de ensino de Minas Gerais, por exemplo, só para ficarmos numa realidade mais próxima, temos cerca de 160 mil professores na ativa, espalhados por mais de 3 mil escolas, muitas delas situadas em áreas de risco, outras em regiões mais tranquilas, mas quase todas sem equipamentos adequados de trabalho - laboratórios, bibliotecas, espaços de lazer e esporte, etc. Em função dos baixos salários e da carreira destruída, boa parte das escolas não conta com o quadro completo de professores - faltam especialmente professores de Matemática, Química, Física e Biologia, mas não somente. Para completar o quadro de pessoal, admite-se a contratação precária de qualquer um, isso mesmo, qualquer um, mesmo que não seja graduado em coisa alguma. Já que a lógica dos governantes do Brasil é colocar uma pessoa tomando conta de alunos durante um período do dia, tanto faz se quem o faça seja um professor habilitado ou alguém que esteja apenas fazendo um bico.

É neste cenário desolador, de baixos salários, carreira destruída, não pagamento sequer do piso salarial profissional, coisas comuns ao estado de Minas e aos demais, que os tais "especialistas", alguns até formados em Harvard, aparecem com este papo furado de que é preciso implantar um sistema de meritocracia para que haja uma melhora na qualidade do ensino público. Digo e repito: conversa para boi dormir.

A "fórmula", se é que podemos chamar assim, para uma verdadeira solução para o problema da falta de ensino de qualidade na Educação pública básica é bem outra. E ela passa por alguns elementos que têm sido pauta das lutas dos trabalhadores de ensino público já há algumas décadas, como: a) carreira decente, que valorize os profissionais da Educação; b) política remuneratória justa e compatível com a complexidade do trabalho do magistério; c) política de formação continuada para todos (e não para alguns poucos sorteados, como acontece sempre nas redes públicas); d) democratização dos espaços escolares, tanto da gestão quanto da parte pedagógica, para que todos - professores, demais educadores, estudantes, pais de alunos - possam discutir, formular e implementar uma política pedagógica considerando as realidades nas quais estão inseridos estes sujeitos sociais. A meu ver, isto passaria necessariamente pela federalização do ensino básico, coisa que os governantes de todas as esferas - federal, estaduais e municipais -, por conveniências mil, não desejam que aconteça.

Mas, quem disse que os "especialistas" a serviço dos governos ou de empresas querem solução para os problemas da Educação básica? Quem disse que as elites dominantes querem que os filhos das famílias pobres se tornem protagonistas conscientes, não alienados das realidades que os tornam escravos desta mesma elite privilegiada? Esta elite não quer que a grande maioria pobre da população tenha pensamento crítico. Por isso, os governos que representam estas elites não querem que a Educação pública se torne uma carreira atraente. Eles não querem profissionais apaixonados pelo que fazem, que recebam salários dignos e que trabalhem em condições adequadas. Uma realidade assim faria com que os profissionais desejassem permanecer na Educação; todos pensariam em melhorar, e em se formar melhor, e em contribuir mais e mais com formação dos estudantes. Naturalmente veríamos muitos bons profissionais ingressando na carreira do magistério.

Mas, é mais fácil para os governos destruírem a Educação pública, atraindo pessoas que tratam o magistério como um bico, cumprindo apenas formalmente o papel de professor, para depois arrotarem este discurso chinfrim de que falta implantar um sistema de meritocracia que valorize melhor aos "bons". Uma lógica torpe e cínica, pois se se admite que uma maioria não está entre os "bons", como se justificar para os alunos (e seus pais) destes profissionais que estariam rotulados como "não bons"? Seria até interessante ver algum governo implantar esta meritocracia no ensino público, passando a remunerar de forma diferenciada profissionais com as mesmas atribuições e deveres - não por critérios transparentes e legítimos, como os títulos acadêmicos ou o tempo de serviço, mas pelo simples fato de que os alunos de tais professores tivessem conseguido melhores notas num dado momento. Seguramente os pais seriam incentivados a ingressar na Justiça contra estes governantes, a exigir que seus filhos fossem matriculados nas turmas que tivessem como professores apenas os "bons". Já imaginaram que situação?

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!


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sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Por que os educadores de Minas desistiram de lutar?


Por que os educadores de Minas desistiram de lutar?

Tenho um pensamento diferente de alguns bravos colegas que aqui no blog têm afirmado que os educadores são covardes e que não partem para a luta por seus direitos. Pode até ser que uma parte da categoria - de qualquer categoria, aliás - seja de fato acomodada, alienada ou coisa que o valha. Mas, vejo a apatia da categoria dos educadores de Minas por um outro ângulo. Na verdade, o que ocorre hoje em Minas é o resultado de uma política deliberada, por parte da gestão Aécio-Anastasia, de destruição da carreira dos educadores, e consequentemente, de destruição da perspectiva de uma Educação pública de qualidade.

Os educadores de Minas, que foram capazes de realizar grandes paralisações nos últimos 30 anos, pelo menos, simplesmente deixaram de acreditar num futuro melhor para as carreiras do magistério. A maioria dos educadores, não importa se efetivos, efetivados ou designados, não trata mais a Educação como uma carreira que se deva levar a sério. Muitos estão adoecidos, outros conseguiram outras fontes de renda ou empregos, ou estão prestes a se aposentar. Afinal, são 12 anos de gestão de ataques ininterruptos aos direitos dos educadores de Minas. É dose cavalar, até mesmo para uma categoria acostumada a sofrer e a ser mal remunerada, tratada como se fizesse parte de uma obra de caridade e não de uma profissão considerada por alguns como das mais nobres.

No Brasil, o professor (e demais educadores) é tratado como artigo fútil por uma elite mais fútil ainda, que não se compromete com o presente e com o futuro de gerações de brasileiros, especialmente os mais pobres. Trata-se de uma elite mesquinha, acostumada a tratar os mais pobres como escravos, e que enxerga na Educação um artigo de luxo para as camadas populares.

A categoria de educadores, acostumada a sofrer, a lutar e a conquistar, mesmo que pequenas migalhas, de repente, num dado momento aprendeu que poderia sonhar com uma carreira decente. Acreditou nisso piamente quando aprovaram a Lei do Piso em 2008, com algumas regras bem definidas no seu texto constitucional, embora com um ridículo valor nominal no salário inicial.

Contudo, nem este mínimo que seria o piso enquanto vencimento básico foi cumprido pelos governos, a exemplo do governo de Minas, que tratou de burlar descaradamente a norma federal, abolindo de uma só tacada o vencimento básico e todas as gratificações e vantagens (quinquênios, biênios, pó de giz) adquiridas pelos educadores ao longo de muitos anos de luta. A Minas Gerais do neto de Tancredo, que hoje aparece na TV dizendo cinicamente que investiu na qualidade da Educação, simplesmente destruiu a carreira dos educadores. Implantou um subsídio como valor total (teto) de dois salários mínimos congelados até 2016. Rebaixou, apenas para os educadores, os percentuais de promoção e progressão na antiga carreira; aboliu, para a maioria,  o direito a férias-prêmio, depois de ter reduzido, apenas para os educadores, de três para dois meses o tempo que supostamente estes poderiam usufruir  o suposto direito - com quase 10 anos de carreira e já tendo direito a férias-prêmio publicado no Diário Oficial, fui informado pela secretaria da escola que só depois de 2020 eu teria uma remota possibilidade de usufruir tal direito, situação aliás comum à maioria dos educadores mineiros.

Minas usou todo o seu aparato estatal - governo, legislativo, judiciário, ministério público, e incluindo a imprensa, que é parte integrante da dominação de classe da mesma elite que detém o poder do estado em Minas e no Brasil -  para destruir a carreira dos educadores, e com isso, sucatear a própria Educação pública no ensino básico. Os educadores de Minas estão fora da Lei do Piso nacional, não têm carreira, estão divididos por políticas deliberadas do governo; e tiveram praticamente todos os seus direitos cassados por uma política de estado criminosa - sim, meus caros, quando se destrói deliberadamente uma carreira como a dos educadores comete-se crime contra milhares de pessoas que dependem do ensino público de qualidade para saírem da situação de miséria em que se encontram.

O governo de Minas - e de certa forma, o governo federal também, por omissão - é responsável direto pelo aumento da violência não só nas escolas, mas na sociedade como um todo; quando se destrói uma carreira como a dos educadores, aposta-se na destruição da possibilidade de se proporcionar a milhares de pessoas uma formação crítica, humanista e universal. Mas, para o governo de Minas e seus aliados, é mais importante investir em cadeias, na repressão, do que na educação dos seres humanos. É um governo que pensa em favor da elite dominante, a qual serve.

Talvez por terem percebido, diante de tantas perdas, de tantos ataques a seus direitos, de tanta insensibilidade por parte dos governantes, e de tanto sofrimento, que não mais vale a pena lutar pela valorização das carreiras do magistério é que os educadores se encontram apáticos. Não querem mais lutar. É um gesto que pode ser comparado com o suicídio coletivo de tribos indígenas quando atacadas pela cultura branca, ocidental, etnocêntrica. Os educadores mineiros não têm mais sonhos em relação à carreira deliberadamente destruída nos últimos 12 anos. Em Minas não existe mais sequer o direito de greve - outro direito constitucional que a gestão Aécio-Anastasia transformou em crime, sujeito à prévia punição.

A Educação em Minas e a realidade dos educadores só aparecem como boas na propaganda paga pelo governo. Nesta propaganda, Minas vive o paraíso, mais ou menos como no filme Matrix, uma projeção social de perfeita harmonia, ante um mundo real destruído.

Quando vejo as heroicas lutas dos professores do Rio de Janeiro, que recebem a solidariedade de milhares de pessoas, percebo que pelo menos lá eles ainda conseguem sonhar com um novo horizonte. Aqui, ao contrário, o sonho acabou para os educadores. Não há mais horizonte - logo num lugar com tão belos horizontes. O governo de Minas deixou um legado de destruição praticamente definitiva da carreira dos educadores, e dificilmente será possível mudar este quadro. Para a Educação pública básica, pelo menos, Minas não existe mais.

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória, que não se resume ao cenário da Educação-de-Minas!

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