quinta-feira, 27 de junho de 2013

De volta às ruas de BH, ao lado dos manifestantes

 
(Fotos: Alair Nogueira)

De volta às ruas de BH, ao lado dos manifestantes

Quarta-feira, 26 de junho de 2013. Dia de jogo da Seleção Brasileira contra o Uruguai, no estádio reformado do Mineirão. Em outros tempos, a partida de futebol seria o assunto da semana, nas ruas, nos botecos, nas casas. O feriado municipal seria mais um momento de encontro das famílias e dos amigos para torcer pelo time da seleção do Brasil. Os tempos, contudo, mudaram. Para além daqueles que mantiveram o costume citado, outros tantos, que saíram para as ruas, aos milhares, para um outro jogo, que acontece do lado de fora dos estádios.

Quando cheguei na Praça Sete, acompanhado por um pequeno grupo de colegas educadores de Vespasiano, já era um pouco mais que meio dia. Por lá, circulavam centenas de pessoas, várias tribos, muitas bandeiras, principalmente a do Brasil, mas outras cores também. A presença da polícia era pequena e discreta. Os manifestantes, que iam se juntando, estavam tranquilos, prontos para uma longa caminhada, cada qual portando seus cartazes, apitos, bandeiras, palavras de ordem, quase todas relacionadas aos problemas brasileiros, que não foram resolvidos ao longo dos últimos séculos.

Entre os gritos e palavras mais citadas, a Educação e a Saúde - por mais investimentos nessas áreas, reclamavam os manifestantes jovens, crianças e adultos. Um consenso, a revelar um dissenso em relação aos governos e aos partidos e suas lideranças. No discurso, juram amor eterno pela Educação pública e pela saúde de qualidade; na prática, tratam com desdém e desprezo, como acontece com os governos de Minas e também do Brasil.

Por falar em Minas, lembrei-me de que andava pelas ruas da Capital deste país. Entre a Praça Sete e as proximidades do Mineirão, passando pela Antonio Carlos, foram cerca de dez quilômetros de protesto. Tive a impressão de que estava em outro país, a julgar pelos protestos dos manifestantes. Por quê? - perguntarão. Porque no país de Minas, de acordo com a propaganda do governo, TODOS os problemas da humanidade foram resolvidos. Minas é o lugar que supera todos os outros países em matéria de Educação, de saúde, de segurança, enfim, é o paraíso que nós, mineiros, e agora também os turistas, ainda não tivemos a oportunidade de conhecer.

Caminhava pelas ruas ao lado dos colegas e de outros tantos manifestantes. Parecia um carnaval diferente, uma outra alegoria, com a alegria presente, contagiante, envolta ao chamado da luta, aos protestos, aos reclamos de muitas demandas esquecidas. Ali, ouço um brado: "Não queremos copa, queremos saúde e educação"; acolá, um alerta: "Feliciano, se até o Papa renunciou, a sua vez agora chegou". Algo mais ou menos assim. E toma crítica à corrupção, aos desvios, à roubalheira, sem se especificar um partido ou governo, mas dando a impressão de que todos os políticos e governantes estavam na mira dos protestos.

Vez ou outra um grupo ou outro carregava as tintas pra cima de algum governante - Anastasia, Dilma, Aecio, Lacerda - mas, no geral, as críticas eram dirigidas a todos os governantes, exigindo mais investimentos em Educação, Saúde, transporte e segurança, entre outras.

A longa passeata, que ia assumindo um formato gigantesco e pacífico, tinha também momentos educativos. O contato entre os manifestantes era marcado por respeito mútuo, discussões entre as pessoas de diversos grupos, mostrando as diferenças que apareciam durante o caminhar. Por exemplo, houve um momento em que um jovem começou a pichar uma palavra de ordem debaixo de um viaduto. Imediatamente uma pessoa que estava próxima de nós começou a gritar: "Sem vandalismo, sem vandalismo!" Na sequência, um jovem, que também estava próximo e que não era o pichador, retrucou: "Sem moralismo, sem moralismo!". Nesse diálogo direto, sem agressão física, cada qual demarcando o seu espaço e buscando construir consensos.

Notava-se, também, além de cartazes e palavras de ordem, e apitos e bandeiras, a apresentação de enormes faixas. Numa delas, que atravessava a Antonio Carlos, defendia-se a aplicação total dos recursos do Petróleo na Educação.  Um grupo com tambores e com megafone puxava várias palavras de ordem. Quando passaram perto de nós, talvez porque tivessem reconhecido na camisa do comandante Martinho e da professora Cláudia Luiza uma alusão ao nosso ofício, puseram-se a gritar: "O professor, é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo".

E assim foi, durante uma longa caminhada de quase duas horas pela avenida Antonio Carlos, com algumas paradas para tomar água, até que chegamos ao campus da UFMG. Foi uma grande passeata sem a presença de polícia e marcada pelo encontro de muitos grupos, notadamente de jovens estudantes, mas não somente. Uma caminhada pacífica, diria, pelo menos até as proximidades daquele outro jogo, onde 22 pessoas disputavam os aplausos e as vaias dos milhares que estavam no interior do estádio. Do lado de fora do estádio, contudo, a chapa esquentava e o jogo era outro.

O nosso grupo se posicionou próximo da grande maioria dos manifestantes, no entorno do Viaduto José Alencar, de onde, infelizmente, acontecera novo acidente, com a queda de um rapaz. É preciso benzer aquele viaduto, palco de tantos acidentes nesses dias que abalaram o chão de BH e de Minas e do Brasil.

Do nosso pequeno grupo, apenas o comandante Martinho havia trazido máscara e uma garrafinha de vinagre, já prevendo os embates entre a polícia de choque do governo de Minas e os manifestantes. Martinho se aproximou da linha de frente, mas não sem antes ouvir as minhas expressas recomendações para não se aproximar muito da área de confronto. Joãozinho foi, viu e voltou com lágrimas nos olhos em função dos gases despejados em grande quantidade pela força de repressão do estado. Até mesmo nós, que ficamos um pouco na retaguarda, sentimos os efeitos. Durante mais de uma hora seguinte ouvimos os tiros e bombas de efeito imoral lançadas pela polícia. Disseram-me que da parte de alguns manifestantes também partiram bombas, pedras e outros objetos para revidar o ataque da polícia. Não posso dar o meu testemunho visual sobre esse fato, já que de onde me encontrava era possível apenas ouvir o estrondo causado pelas bombas da polícia, sentir os efeitos dos gases e ouvir os gritos de guerra da militância que assumia a linha de frente do combate.

Não vou dizer, como faz a mídia, que se tratava de uma guerra, ou de vândalos, ou coisa do gênero. Ali estavam presentes milhares de manifestantes, com diferentes bandeiras, com consensos em relação a várias demandas, mas com distintas visões de mundo, inclusive ideológicas. Para a maioria, talvez bastasse ocupar as ruas e mostrar para o mundo o descontentamento latente em relação a vários problemas do nosso dia a dia. Para outros, contudo, este descontentamento tinha que assumir outras formas, outros tons, chegando mesmo ao desafio físico, com a quebra das barreiras impostas pelo aparato estatal repressivo.

No post de ontem, o Frei Gilvander nos brindou com a lembrança da origem do termo "vândalo", que remonta os preconceitos do Império Romano em relação aos povos com culturas diferentes. Percebia-se claramente que a maioria dos manifestantes queriam manter uma postura de relativa paz, com protesto, mas sem cair no moralismo de recriminar uma parte da juventude que se colocou na linha de frente. No final, as razões do protesto não estavam voltadas essencialmente para o combate com a polícia, mas para que haja mudanças no país. Que mudanças? - perguntarão alguns. Mudanças em favor de mais investimento na Educação pública (sobretudo na valorização dos educadores), mais investimento na Saúde pública; um transporte coletivo melhor, mais barato ou com tarifa zero para todos; uma realidade política mais próxima da realidade do cidadão comum, e não a atual e exótica forma de representação política, que transforma os eleitores em meros figurantes de quinta categoria, sem qualquer poder real de intervenção nos processos decisórios.

A ocupação das ruas, a rigor, para mim, pelo menos, tem muito este sentido de retomada de uma consciência individual e coletiva das pessoas que querem se fazer presentes, enquanto pessoas pensantes, protagonistas do seu tempo. E este formato tem um significado maior do que o atendimento de algumas demandas. Claro que cada conquista que tem sido apontada - seja com a redução no preço das tarifas dos ônibus, seja com o arquivamento da PEC 37, ou com a aprovação dos royalties do pré-sal para a Educação e para a Saúde - reveste-se de grande importância. Mas, o movimento que ocupa as ruas, exatamente por não ter este controle de um único partido ou central sindical, com um programa fechado, não parece disposto a encerrar as atividades de protesto após meia dúzia de conquistas. Ele quer prosseguir, conquistar cada vez mais, e se tornar o contrapeso aos poderes constituídos, que se mostraram incapazes de ouvir as vozes daqueles aos quais, segundo a Carta Magna do país, todo poder emana.

Por isso, a nossa renovada saudação aos milhares e milhões de cidadãos de todas as idades, de todas as cores e tribos, que ocupam as ruas de Minas e do Brasil e do mundo também. Para que nesse encontro sejam construídos os consensos em torno dos interesses da maioria da população, especialmente dos mais pobres. E para que cada vez mais, os poderes constituídos se rendam à vontade dos de baixo, ao invés de servirem, como acontece atualmente, aos interesses da minoria privilegiada.

Viva o povo que luta, que ocupa as ruas, e que constrói, a cada momento, um outro Brasil.

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

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domingo, 23 de junho de 2013

Que rumos tomará o movimento de jovens que ocupa as ruas do Brasil?


Que rumos tomará o movimento de jovens que ocupa as ruas do Brasil?

Milhões de jovens ocupam as ruas e praças do Brasil. Antes, isso só acontecia nos carnavais ou para comemorar vitórias no futebol. Tal movimento, que começou protestando contra o aumento no preço das passagens de ônibus e metrô em São Paulo, ganhou outra face, com novas demandas, novas expectativas, mas também com riscos que precisam ser discutidos por todos. Primeiramente, contudo, é preciso saudar a força renovada de milhões de jovens, que descobrem as ruas como ponto definitivo de encontro e espaço para as verdadeiras mudanças. A presença de milhões de pessoas nas ruas rompe com a apatia das massas, que os governos e o sistema de poder vigente tentam manter, para preservar seus privilégios.

Mas, não tenhamos um comportamento ingênuo diante do que estamos assistindo. O Brasil já viveu outros momentos de grande efervescência política, de movimentos que arrastaram milhões para as ruas, mas que, no final, foram manipulados pelas elites, com a ajuda de sua mídia domesticada, para manter os mesmos grupos no poder, os mesmos privilégios de classe dos de cima. Vamos citar dois exemplos: o movimento das Diretas-Já em 1984; e o dos Caras-pintadas pelo impeachment do ex-presidente Collor em 1992. Do primeiro, aliás, participei ativamente, organizando, panfletando, mobilizando pessoas, tanto nas ruas de BH quanto no Rio de Janeiro - então governado por Brizola. Na época, assistimos entristecidos à forma como as elites dominantes, lançando mão da sua mídia - especialmente a Rede Globo, mas não somente -, conseguiram desviar os rumos daquele movimento para legitimar a eleição indireta de Tancredo Neves via Congresso Nacional. 


Ou seja: os objetivos populares, voltados para a conquista das eleições diretas para presidente - que naquele momento seguramente elegeriam figuras como Brizola ou Lula para promoverem reformas sociais e políticas -, foram conduzidos, de forma sorrateira, para o leito de uma transição conservadora, na qual estamos amarrados até os dias de hoje.

O povo foi vítima da traição de dezenas de personagens, que se apresentaram como defensores da democracia, incluindo os comentaristas bem pagos da mídia, quando na verdade não passavam de canalhas serviçais das elites. Por isso, é preciso ter muito cuidado com os rumos que alguns grupos tentam dar ao movimento que ocupa as ruas. O movimento dos jovens é legítimo, é organizado de forma horizontal e traz a expectativa de reais mudanças, desde que não se perca com as influências nocivas dos agentes da direita neoliberal.

Vejo, por exemplo, com desconfiança os sistemáticos ataques feitos pela mídia e nas redes sociais somente contra a presidenta Dilma e ao PT. Por trás disso está a mídia golpista, que apoiou e participou ativamente do golpe civil-militar de 1964, que derrubou o presidente João Goulart, cujo "pecado" foi tentar promover reformas sociais em favor da maioria pobre: reforma agrária, reforma na Educação, controlar a remessa de lucros das multinacionais, etc. Foi contra a maioria do povo pobre que a burguesia, com o apoio da cúpula da igreja, das forças armadas e de setores conservadores da classe média, executou o golpe de 1964.

Essas mesmas forças conservadoras, que dominam o aparato do estado no Brasil, e que nunca abandonaram de fato o poder no país, estão por trás das insistentes críticas ao governo Dilma. Reparem os focos que são dados, o principal deles, a corrupção, tentando associar tal foco exclusivamente ao governo Dilma, como se praticamente TODOS os governos e partidos que detêm o poder no Brasil não tivessem alguma ligação com o tema. 


A estrutura política no Brasil é reprodutora de práticas de desvios, caixa dois, corrupção, compra de votos, compra de deputados através de vários meios e favores, enfim, a política oficial e oficiosa brasileira - e não apenas o PT e o governo Dilma - está carregada de práticas que são comuns ao sistema capitalista. É preciso mudar isso, mas não podemos permitir que reduzam o foco apenas contra a presidenta Dilma. E os tucanos? E os Demos? E os demais? Quando estiveram - ou onde permanecem - no governo, eles fizeram os maiores estragos contra o povo pobre. Exemplo: FHC e as privatizações, entregando tudo para os de cima, de mão beijada; outro exemplo: o governo Aécio-Anastasia em Minas, que construiu uma cidade Administrativa gastando dois bilhões de reais, ao mesmo tempo em que aplicava (aplica) um forte choque de confiscos contra os educadores, destruindo sua carreira, burlando a lei do piso, congelando seus míseros salários até 2016.

Mas, a mídia tenta passar a ideia de que apenas o governo Dilma é culpado por tudo, e manipula as informações ao sabor dos interesses políticos e eleitorais do grupo que domina de fato o poder no Brasil - e que não é o PT e a presidenta Dilma. Vocês poderão perguntar: quem então domina o poder no Brasil? Os donos do PIB do Brasil, poderosos grupos nacionais e estrangeiros, que são os donos das terras, das grandes empresas, dos consórcios de ônibus, dos bancos, da própria mídia - a mesma que tudo manipula -, e até dos deputados, governadores, partidos, juízes, aos quais sustentam com financiamento privado, cobrando, em seguida, destes governantes, a contrapartida. Não vamos negar que o PT também entrou nesse jogo sujo, é parte dele, apesar de sua origem ligada aos movimentos sociais. Mas, nem de longe o PT e a presidenta Dilma são os maiores culpados pelo estado de coisas que atormenta o povo brasileiro: má distribuição de renda, a educação pública e a saúde de péssima qualidade, a falta de moradia, o transporte coletivo caro e de péssima qualidade, entre outros problemas.

Portanto, no momento em que milhões de jovens descobrem as ruas como forma de protesto, e não mais somente através da Internet, das redes sociais, é importante que se abra um grande diálogo sobre os problemas que atingem a maioria pobre da população brasileira. As manifestações nas ruas podem dar uma enorme contribuição para mudarmos de vez a realidade brasileira, marcada por tantas injustiças e desigualdades. Aliás, sem essa movimentação nas ruas, dificilmente conseguiremos fazer uma real mudança nas estruturas políticas, econômicas e sociais. Por meio somente das formas tradicionais de se fazer política no Brasil, já está claro que não avançaremos muito. Os limites desse jogo ficam evidenciados com os programas sociais dos governos Lula e Dilma: o Bolsa-Família, o Pro-Uni, o Minha Casa Minha Vida, entre outros, que são importantes, sem dúvida, mas ainda estão muito aquém das mudanças estruturais em favor dos de baixo. E quais são essas mudanças estruturais? Vou citar algumas:

1) a quebra do monopólio da mídia, democratizando os meios de comunicação. Enquanto estivermos submetidos a esse monopólio da palavra, da comunicação, estaremos sujeitos à manipulação e aos golpes que diariamente as elites aplicam contra os de baixo. Ninguém merece esses comentaristas bem pagos das rádios e TVs dominados por poucas famílias a serviço dos de cima. É preciso democratizar os meios de comunicação, colocar os microfones nas mãos dos milhões de jovens que ocupam as ruas, dos sem-terra, dos sem-teto, dos desempregados, dos servidores da Educação, da Saúde pública, enfim do povo pobre que tem o seu direito de opinião e manifestação privado pelo monopólio da mídia;

2) a reforma política, acabando com os privilégios dos parlamentares, e tornando os casas legislativas verdadeiros instrumentos controlados diretamente pela população que as elege. Hoje, os parlamentos são meras casas homologatórias da vontade de governantes, que por sua vez estão cercados por grupos de empreiteiros e grandes empresários que os financiam. Ou seja, todo o esquema oficial da política brasileira precisa ser mudada. Mais transparência, maior controle social;

3) reforma na Educação pública, com a real valorização dos educadores do ensino básico, incluindo a federalização da folha de pagamento, com plano de carreira comum para todos os educadores, piso salarial nacional decente, jornada de trabalho comum não superior a 30 horas semanais, incluído aí entre 30 e 50% de tempo extraclasse; além de pesado investimento na estrutura e equipamentos nas escolas, criando condições adequadas de trabalho;

4) maiores investimentos na Saúde pública, com a valorização dos servidores da saúde, o fortalecimento do SUS, com políticas preventivas e real universalização da assistência médico-hospitalar, além de pesado investimento na estrutura e aquisição de equipamentos para os postos de saúde e hospitais públicos;

5) reforma agrária e urbana, promovendo uma redivisão das terras, com política de assentamento, de produção agrícola autossustentável, e financiamento público para atender aos interesses da maioria da população e não aos do agronegócio;

6) nova política de mobilidade urbana, não mais centrada na produção de automóveis ou de beneficiamento de consórcios privados, mas no transporte coletivo - ônibus e metrô - eficiente e barato para todos;

7) política de moradia popular, que atenda realmente a enorme demanda pela casa própria, com o controle das planilhas de investimentos pela população. Atualmente, no Brasil paga-se o metro quadrado mais caro do mundo para adquirir uma simples casa ou apartamento: cerca de R$ 3 mil reais, o que constitui um verdadeiro roubo contra os trabalhadores de baixa renda;

8) nova política salarial para os servidores públicos, com diferença máxima de um para dez. Ou seja: a diferença entre o piso e o teto na carreira pública das três esferas (municipal, estadual e federal) não poderia ultrapassar essa relação de um para dez. Atualmente, essa relação (diferença) é gigantesca, se considerarmos os salários e verbas indenizatórias que são pagos às cúpulas dos três poderes constituídos. Milhares de servidores públicos recebem salário mínimo, apenas, enquanto os de cima recebem às vezes mais que R$ 40 mil mensais. Neste caso, ou se aumenta o valor do salário mínimo, ou se reduz o valor do teto salarial;

9) fazer valer o que está na constituição federal, com a garantia de sobrevivência digna para todas as famílias brasileiras, com acesso assegurado à saúde, educação, cultura, lazer, esporte, moradia, transporte e alimentação;
 
10) entre outras reformas, incluindo a judiciária, para submetê-la a algum tipo controle social, o que não acontece hoje.

Claro que tais reformas, entre outras, implicam em redistribuição de renda. Reparem que a mídia e certos segmentos da chamada classe média alta cobram sistematicamente a redução dos impostos; na verdade, temos que cobrar é o bom uso do dinheiro público, sob o controle da população, e não a redução dos impostos. Sem os recursos oriundos dos tributos não há como fazer política pública em favor dos de baixo. Vejam na questão da redução das tarifas de ônibus: ao invés de cortar nos lucros dos empresários, os governantes estão cortando nos impostos, o que terá consequências nas políticas públicas.

Enfim, que as manifestações de rua permaneçam e se fortaleçam, de forma pacífica, mas sem que se tornem presa das manipulações urdidas pelas forças conservadoras, que querem manter os privilégios da minoria rica, enquanto atacam os interesses dos de baixo. É preciso tomar cuidado também com os grupos neofascistas que sonham com regimes ditatoriais, e usam os movimentos de rua para tentar impor, pela força, suas ideologias. Um exemplo disso foi a queima das bandeiras de partidos de esquerda. Por mais que sejamos críticos aos partidos, não podemos impedir que seus militantes participem do movimento, pois tal prática acaba reproduzindo aquilo que criticamos, quando os governos colocam suas tropas de choque nas ruas para tentar impedir a livre manifestação popular.

Todo apoio ao movimento dos jovens que ocupam as praças e as ruas do Brasil! Mas, sem perder de vista os rumos desse movimento, combatendo os grupos fascistas, denunciando as manipulações das elites através da sua imprensa, e dialogando com estes valentes jovens, para que se construa em comum propostas voltadas para as reais necessidades dos de baixo.

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!


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 Frei Gilvander:

A luta é por direitos, não por migalhas!
           Gilvander Luís Moreira

Primavera brasileira? O século XXI está, de fato, iniciando no Brasil? Mal estar da civilização capitalista? Podridão do capitalismo?  Início de uma revolução rumo a uma sociedade socialista, com justiça social, justiça agrária, justiça ambiental e respeito aos direitos humanos de todos a partir dos 99% oprimidos? Alguns fascistas – extrema direita – vão insistir em forjar golpe ludibriando o grito das ruas? Muitas perguntas estão no ar. A história dirá.
Em Belo Horizonte, MG, dia 22 de junho de 2013, cerca de 200 mil pessoas protestaram das 10 às 22 horas. Marchamos da Praça Sete até próximo ao Mineirão. Ao longo da marcha, muitas reivindicações foram feitas através de cartazes e com gritos de luta que ecoam de peitos fortes, conscientes e comprometidos com mudanças profundas no modelo econômico e político brasileiro. Além de “Nós somos a Força Nacional”, um dos gritos, repetido insistentemente, foi pela redução das tarifas do transporte coletivo. O povo não engolirá a proposta indecente de reduzir apenas centavos. Um dos objetivos maior da luta é conquistar TARIFA ZERO e PASSE LIVRE, transporte público de qualidade e eficiente. Se os usuários dos transportes particulares não podem andar sem cinto de segurança, por que o povo trabalhador pode viajar em ônibus ou metrôs superlotados, pendurados uns nos outros e disputando espaços até para colocar os pés? A superação dessa injustiça passa pela municipalização/estatização do transporte coletivo. O povo descobriu que o direito constitucional de ir e vir implica ter acesso a meios de transporte público, gratuito e de qualidade. Não basta ter um direito formal e abstrato, é preciso ter acesso aos meios e instrumentos para efetivação do direito. Só em Belo Horizonte, são mais de 500 mil pessoas que andam a pé por não poder pagar as caríssimas tarifas de ônibus, que são um roubo diário, lento, mas constante. Além da redução de impostos, o povo exige redução dos lucros dos empresários do transporte coletivo, hoje, privatizado. O grito não parará de ecoar enquanto a classe política não levar o povo a sério.
Mas na Av. Abraão Caran com Av. Antônio Carlos, um fortíssimo aparato militar bloqueou a aproximação do Mineirão. Diante da insistência do povo para adentrar no território “invadido” pela FIFA - com a cumplicidade dos governos e de grandes empresas -, a Polícia Militar de Minas Gerais jogou, inúmeras vezes, uma chuva de bombas de gás lacrimogêneo e asfixiante no meio da multidão. A batalha durou mais de duas horas. Em 1 Km2, milhares de pessoas receberam nos olhos e nas narinas o gás asfixiante e ardente. Inclusive do helicóptero a PM jogou bombas de gás. Não é verdade que a PM apenas se defendeu. A polícia foi truculenta. Muitos experimentaram o jeito autoritário com que policiais tratam as pessoas, jeito que há muito tempo vem sendo denunciado pelo povo pobre das ocupações, aglomerados, vilas, favelas e ruas. A Polícia, ao jogar bombas no meio da multidão, incita a violência, mostra seu rosto violento. A indignação do povo ferve. O mínimo que o povo pode fazer é xingar a polícia e reagir como pode: atirando pedras em lojas que estão por perto. Quanto mais bombas a polícia joga mais o povo quebra o que puder quebrar. O povo quer ser ouvido nas suas reivindicações. Quem recebeu gás lacrimogêneo jamais esquecerá e jamais será o mesmo. Autênticas aulas de cidadania estão sendo dadas nas ruas. Feliz quem delas participar. Cidadania não é apenas participar da sociedade, mas construir uma sociedade justa e solidária.
É emocionante ver a solidariedade que se desencadeia entre o povo que está na luta, nas ruas. Quem tem vinagre partilha com os atingidos pelo gás lacrimogêneo. Bendito vinagre que traz de novo a respiração e alívio para os olhos! Outros oferecem água. Outros levantam os caídos. E, juntos, gritam: “Abaixo a repressão!” Olhares vibrantes! Esperança se revigorando! Adolescentes e jovens gritando também: “Mãe, mãe! – e vovós – vem pra luta, vem!”
Dia 23 de junho de 2013, debaixo do Viaduto Santa Teresa – palco do Duelo de MCs –, em Belo Horizonte, durante 5 horas, aconteceu mais uma Assembleia Popular Horizontal, do Poder Popular Participativo e Democrático. Cerca de 4 mil militantes participaram. No microfone, com dois minutos para cada um/a, mais de 200 jovens colocaram em comum propostas de reivindicações. Ao final, mais de 90 propostas, reunidas em 10 Grandes Temas: 1) FIFA e grandes eventos; 2) Transporte; 3) Saúde; 4) Educação; 5) Moradia, 6) Direitos humanos; 7) Polícia; 8) Reforma política; 9) Democratização dos meios de comunicação; 10) Meio ambiente.
Quem são os Vândalos e os violentos? É inaceitável a criminalização que a Mídia faz das lutas populares. Nos primeiros dias dos justos e necessários protestos na capital de São Paulo, do Movimento Passe Livre, a TV gLobo e a mídia em geral estavam chamando todos os manifestantes de vândalos e arruaceiros, atitude criminilizadora. Quando as manifestações se espalharam pelo país, a mídia começou a fazer uma distinção: “O movimento é pacífico, mas tem uns vândalos no meio que promovem quebradeira”. Provavelmente, os donos do poder midiático, principal “partido” no Brasil, querem conduzir as massas e reduzir as manifestações somente a “paz e amor”, o que não estremecerá o status quo podre do sistema capitalista, ora vigente no Brasil. É hora de resgatarmos a história e fazermos algumas reflexões.
Quem eram os Povos Vândalos? “Os Vândalos eram um povo germânico oriental que penetrou no Império Romano durante o século V e criou um estado no norte da África ocupando a cidade de Cartago, antiga cidade fenícia que fora ocupada pelos romanos desde o fim das Guerras Púnicas. A localização de Cartago às margens do Mediterrâneo era estratégica para os Vândalos. Ali centralizaram seu Estado, e logo após se estabelecerem, saquearam Roma no ano de 455.”2
“Ao longo da marcha para o oeste, os Vândalos atingiram a margem do Danúbio e alcançaram o rio Reno, onde entraram em combate com os francos. Aproximadamente vinte mil vândalos morreram no choque entre esses dois povos, sendo que os francos só foram derrotados quando os alanos entraram no combate para auxiliar os vândalos. Em ações ousadas, os Vândalos saquearam Roma durante duas semanas no ano de 455 e foram capazes de resistir ainda a uma frota enviada pelo Império Romano para combatê-los.”
Portanto, a história demonstra que os Vândalos eram um povo digno que lutou aguerridamente contra o imperialismo romano. Logo, não é justo se referir aos Vândalos apenas como arruaceiros. Eles lutavam por direitos.
Ontem, o império romano. Hoje, o império do capital, liderado pelos capitalistas. Assim como os Vândalos lutavam contra a opressão do Império Romano, hoje milhões de brasileiros, nas ruas, lutam não apenas por migalhas, mas por direitos. Vândalos, hoje, não são os que revelam a infinita indignação que toma conta do povo diante de tanta violência provocada por um Estado vassalo do capital e dos capitalistas. Assim, a revolta iniciou contra um aumento de 0,20 centavos na passagem de ônibus em São Paulo, mas há muito tempo, o povo está nas ruas neste país, com a pauta da moradia, da educação, da saúde, da reforma agrária etc. e irá muito longe. Não se encerrará sem mudanças substanciais no modelo econômico e político que desgoverna o Brasil.
Quem são os violentos hoje no Brasil?  São os políticos, salvo raras exceções, que não representam o povo, mas, via de regra, defendem interesses de grandes empresas e latifundiários.
Violentos são juízes do Poder Judiciário que não respeitam os princípios constitucionais de respeito à dignidade humana, republicanismo, função social da propriedade e criminalizam os movimentos sociais populares e absolutizam o direito a propriedade para apenas alguns.
Violentos são os administradores públicos e os juízes que abarrotam as prisões, verdadeiros campos de concentração, jogando lá somente os pobres, negros e jovens.
Violentos são os grandes empresários que lucram, roubam e saqueiam a classe trabalhadora pagando míseros salários e, com intensificação do trabalho e do produtivismo, arrebentam com a saúde dos trabalhadores, empurrando-os para a via crucis do SUS.
Violentas são as grandes mineradoras que, como em Conceição do Mato Dentro, MG, causam uma devastação socioambiental sem precedentes na história. Com coração de pedra, vão dizimando as nascentes de água e deixando crateras, um rastro de destruição.
Violentos são os grandes empresários do transporte público privatizado que lucram bilhões carregando o povo trabalhador como se esse fosse gado para ser transportado em condições indignas e por preço que esfola o povo diariamente.
Violentos são os banqueiros que cometem cotidianamente o pecado da usura e especulando com o dinheiro do povo engordam seu poder econômico à custa de muito sangue humano.
Violentos são os latifundiários que não cumprem a função social da propriedade e seqüestram a terra em poucas mãos gananciosas expulsando milhões de camponeses para as periferias das cidades.
Enfim, violentos são os dirigentes da classe dominante que há séculos vêm pisando, humilhando e violentando a classe trabalhadora brasileira. Eis um exemplo: na época da escravidão formal, um cortador de cana cortava de três a quatro toneladas de cana por dia. Hoje, um bóia-fria dos canaviais paulistas corta de doze a quatorze toneladas por dia. Por isso, de 2004 a 2006, mais de vinte trabalhadores morreram por exaustão no trabalho.
É contra esses violentos que o povo se rebelou e estará nas ruas até que seus direitos sejam conquistados e efetivados. A luta é por justiça social, por justiça agrária, por justiça ambiental e por direitos humanos. Feliz quem dela participar e também contribuir para que espertalhões de plantão não venham golpear o povo já tão oprimido, mas que está se levantando.
 “DA COPA, DA COPA, DA COPA EU ABRO MÃO. EU QUERO MORADIA, SAÚDE E EDUCAÇÃO!” Esse é um dos gritos que unifica os milhões de cidadãos e cidadãs que estão nas ruas protestando. Esse grito só será atendido com mudança da política econômica neoliberal.
Aos militantes dos movimentos sociais populares digo: Não tenhamos medo de continuar na luta, nas ruas, e de chamar toda a classe trabalhadora para as ruas. Coragem! Sejamos fermento no meio da massa! Luz no meio das trevas! Tempero na comida! E construamos uma sociedade justa e solidária, banquete para todos e não apenas para 1%. Enfim, por direitos lutamos e não apenas por migalhas!

Belo Horizonte, MG, Brasil, 24 de junho de 2013, dia do profeta João Batista, martirizado por ter organizado os pobres para lutar contra as desigualdades socioeconômicas, políticas e ...

Frei Gilvander Luís Moreira – www.gilvander.org.br – gilvanderlm@gmail.com


quinta-feira, 20 de junho de 2013

Onde está o sindicato dos educadores de Minas? Até quando vamos ouvir, silentes, o anúncio fantasioso do governo sem qualquer resposta do sindicato?


Onde está o sindicato dos educadores de Minas? Até quando vamos ouvir, silentes, o anúncio fantasioso do governo sem qualquer resposta do sindicato?


Diariamente estamos ouvindo, através das rádios, o anúncio pago do governo de Minas dizendo que valoriza os professores e que paga até mais do que o piso salarial nacional. Trata-se de uma propaganda enganosa, que não corresponde à realidade dos educadores de Minas, que tiveram sua carreira destruída, o piso salarial sonegado, burlado, e o salário congelado até 2016.

Mas, o pior de tudo é o silêncio pusilânime do Sind-UTE, que dispõe de recursos para contratar espaços na mídia burguesa, jornais e rádios, principalmente, e contrapor o discurso do governo com os fatos. Explicar para a população que em 2011 o governo estadual burlou a lei federal que criou o piso; que o piso é vencimento básico, sobre o qual deveriam incidir as gratificações conquistadas pela categoria, mas que o governo somou o vencimento básico a essas gratificações para alcançar o valor nominal do piso. E que esta prática foi considerada ilegal pelo STF. Além disso, o governo destruiu a carreira dos educadores, cogelou seus salários, e mantém uma política de terror nas escolas, para intimidar os educadores.

O sindicato dos educadores de Minas está se omitindo de tomar atitudes, tanto no aspecto político, através da denúncia paga nas rádios e jornais, ou em cartazes e outdoors, como também no âmbito jurídico, cuja incompetência demonstrada pelo sindicato nos últimos anos é já conhecida.

Estou convencido, dada à realidade dos educadores de Minas, que não estamos em condições de uma nova greve no estado. A categoria está doente, está descrente, está cética em relação a quase tudo. Então cabe ao sindicato da categoria, que é o órgão que representa formalmente a categoria, abrir um diálogo com a base e buscar uma alternativa imediata que consiga acordar a categoria para a luta pelos interesses comuns dos educadores.

Uma dessas atitudes seria a convocação de um grande ato público pelo pagamento do piso, pela recuperação da carreira destruída, pelo descongelamento dos salários, pelo pagamento retroativo do que foi confiscado nos últimos anos, pelo terço de tempo extraclasse de acordo com a escolha dos professores, e por melhores condições de trabalho, com mais investimento na Educação, entre outras demandas.

O sindicato teria que ter a humildade de reconhecer que não possui mais credibilidade e força para mobilizar a categoria e que, por isso mesmo, faria um chamado às lideranças de base para compor um grande conselho dos educadores, para que este conselho, dispondo dos recursos do sindicato, pudesse realizar um amplo e imediato trabalho de mobilização nas escolas. São três mil escolas estaduais em Minas, 250 mil educadores e 3 milhões de alunos. Imaginem se cada escola conseguisse mobilizar um ônibus com 30 pessoas, com educadores, alunos e pais de alunos para um grande ato público de protesto contra o governo de Minas. No Centro de BH, seriam reunidos de 90 mil a 100 mil pessoas para protestar contra o governo, exigindo que ele pague o piso, que retire a propaganda enganosa das rádios e que ele abra um canal sério de negociação com esse conselho de base, do qual os próprios dirigentes sindicais fariam parte. E essa mobilização poderia se repetir de tempos em tempos, até que o governo, acuado, atendesse as demandas dos educadores.

Mas para que isso aconteça, é preciso que a direção sindical tenha humildade, não queira se tornar dona eterna do movimento dos educadores, que praticamente acabou, definhou, e que renascerá apenas com uma mudança na forma de organização e de mobilização e de encaminhamentos das lutas. Sem donos, sem monopólio de grupo partidário, sem personalismos, mas respeitando os interesses comuns dos educadores.

Se não encaminhar essas propostas, ou algo próximo disso, eu vou me desfiliar do sindicato e vou sugerir a todos os colegas a fazerem o mesmo, pois não dá mais para tolerar o mais do mesmo: pequenos atos públicos e greves esvaziadas que não conseguem nem arranhar a política neoliberal do governo.

Aguardo, portanto, a resposta do sindicato e desde já convido os colegas da base a discutirem essas propostas e a tomarem os rumos da luta dos educadores em suas mãos, a exemplo do que fazem hoje os jovens que ocupam as ruas e praças do Brasil.

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

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terça-feira, 18 de junho de 2013

Quando os jovens assumem as ruas e enfretam o estado neoliberal






Quando os jovens assumem as ruas e enfretam o estado neoliberal

O dia de ontem, 17 de junho, começou tranquilo para mim. Trabalhei normalmente na parte da manhã, no outro cargo que tenho, fora o da Educação. Na parte da tarde, pretendia reforçar as manifestações dos educadores. Soube, pela Internet, que em BH aconteceriam dois movimentos de protesto: um na Igreja da Pampulha, dos educadores, e outro na Praça Sete, bem no centro de BH. Assim que terminei o almoço, após o meio-dia, liguei para o comandante Martinho, que já se preparava para se dirigir até a manifestação dos educadores.

- Daqui a dez minutos eu passo na sua casa, disse-me o comandante. Seguimos rumo a BH. Já no caminho comentei com o João que achava um equívoco não ter havido a unificação das manifestações. Estava mais ou menos a par da força que vinha ganhando o movimento dos jovens estudantes por todo o país, e por isso mesmo via com expectativa positiva a possibilidade dessa unidade dos movimentos.

Contudo, em função do nosso compromisso moral com os educadores, deixamos de seguir direto para a Praça Sete e fomos até a manifestação dos educadores. Lá reencontramos jovens velhos combatentes de outras greves. Muitos do nosso NDG e também muitos ligados à direção do sindicato. O aparato policial lá estava, exibindo a cara do governo de Minas, implantado com o reinado do faraó e seu afilhado. Dezenas de policiais da tropa de choque, cavalaria e raivosos cães treinados pela tropa da PM formavam uma barreira entre os manifestantes da Educação e o estádio do Mineirão. Os educadores portavam flores; eles, os canhões.

No interior daquele estádio reformado recentemente acontecia um jogo não tão festejado, e era bem provável que no local comparecera um número bem reduzido de torcedores. Mas, o governo de Minas estava determinado a passar para o mundo uma imagem de ordem, de controle da situação, que na prática ficou demonstrado não ser real.

As fileiras dos educadores se formaram. Calculei entre dois e três mil educadores ali reunidos. Palavras de ordem e a tentativa de avançar até o Mineirão. Com o bloqueio formado pela polícia, tal intento não foi alcançado. A manifestação dos educadores aconteceu, e por si só, já representava uma resposta ao governo de Minas, que tentou impedir, através de uma liminar na Justiça, que tal ocorresse. Mas até então, o governo conseguira isolar a manifestação dos educadores em determinado ponto da Pampulha. Se este fosse o quadro total da paisagem aqui descrita, teria voltado para casa frustrado. Mas, uma outra realidade estava se armando bem próximo dali.

Ante ao cerco policial aos educadores, e cientes de que o movimento dos estudantes avançava da Praça Sete rumo a avenida Antonio Carlos, vários colegas decidiram se movimentar ao encontro dos jovens manifestantes.

O comandante Martinho havia deixado seu veículo numa certa distância da manifestação. Fomos até lá e procuramos um atalho que nos aproximasse da Antonio Carlos. Já no caminho, quanto mais nos aproximávamos, íamos encontrando jovens manifestantes que se dispersavam para fugir dos efeitos do gás lacrimogenio despejado pela polícia em grande quantidade. Martinho deixou o carro numa ruazinha tranquila e fizemos o restante do trajeto a pé - o comandante, uma colega do NDG de outras greves e eu.

Conversamos com uma dezena, mais ou menos, de jovens manifestantes. Gente entre 15 e 25 anos, na maioria. Algumas coisas que anotei nessas conversas com os jovens: 1) eles se organizam basicamente através das redes sociais da Internet, num contato direto, sem intermediários; 2) eles não estão ligados, na sua grande maioira, a nenhum partido político e demonstram certa ojeriza pelas organizações partidárias - sinal de que os partidos e suas lideranças falharam na conquista desses jovens; 3) eles não estão com medo de enfrentar o aparato repressivo do estado, e parecem ter gostado de assumir as ruas como suas; e 4) eles não estão nessa luta somente pela redução no preço da passagem, embora este seja um ponto comum.

Quando adentramos a avenida Antonio Carlos sentimos o forte cheiro e efeitos das bombas de gás lançadas pela polícia. Tossimos muito, os olhos ardiam, mas nada disso conseguiu embaçar uma imagem que não via há um bom tempo. Milhares, mas milhares mesmo, de jovens ocupando a larga avenida Antonio Carlos. Olhava de um lado e depois para o outro e via um mar de gente, um mar de jovens com suas mochilas, máscaras de proteção, e uma disposição de continuar marchando em direção ao Mineirão. Calculei em mais de 60 mil pessoas. Essa gente já havia caminhado desde a Praça Sete até a Pampulha, rompendo a barreira da tropa de choque da PM, sendo recebida com balas de borracha, muito gás lacrimogênio e bombas de efeito imoral. E nada parecia abalar a disposição daquela moçada em continuar avançando.

Num certo ponto observei uma parte da tropa de choque concentrada num muro, quase que a implorar que não mexessem com eles, diante do mar de jovens que não parava de surgir, com grupos gritando as mais diferentes palavras de ordem: contra a ditadura, contra a violência, em favor de um mundo melhor, no qual essa nova geração quer se posicionar como protagonista.

Diferentemente das manifestações tradicionais da antiga esquerda, que era controlada por algumas lideranças que assumiam a palavra e davam o tom das manifestações, cabendo aos participantes o aplauso, as vaias, ou as palavras de ordem, a atual manifestação tinha outro tom. Lembra muito do meu encontro com jovens anarquistas há uma década mais ou menos. Aprendi com eles que a auto-organização era mais condizente com uma perspectiva emancipatória; que as lideranças tinham o seu papel, mas que cada um deve assumir o seu protagonismo, superando a forma burguesa de representação, que praticamente anula o representado enquanto ser pensante.

Os jovens da atual onda de manifestações que acontece no Brasil e aqui em BH também não estavam atrás de um chefe de partido ou sindicato. Não estavam atrás de um guia, mas eles próprios, coletivamente, assumiam o protagonismo diante da situação criada. O próprio choque com o aparato do estado representava uma forma de questionar as ordens de um governo e de um judiciário que quebraram a ordem constitucional, ao tentar impedir a livre e pacífica manifestação de cidadãos brasileiros em território nacional. A rigor, quem deveria ser reprimido e até preso pelo aparato estatal seriam o governador e o desembargador que apregoaram o impedimento da livre manifestação democrática de cidadãos.

Não se sabe ainda que rumo tomará esse movimento que toma conta do Brasil. Mas uma coisa é certa: este movimento é talvez uma das mais importantes oportunidades de mudança na estrutura política, econômica e social existente. É uma expressão da recusa dessa forma de representação política distanciada do povo, que é chamado a eleger aqueles que atuam como seus carrascos; é também uma forma de crítica à má distribuição de renda no país, ao monopólio da mídia, à baixa qualidade da Educação pública, da saúde, do transporte coletivo, entre outras demandas.

É preciso se aproximar desses jovens e discutir politicamente com eles suas propostas, inclusive para evitar que eles sejam conduzidos, como já aconteceu em outros momentos, para o abismo de alternativas à direita. Isso aconteceu no Movimento das Diretas-Já, em 1984, quando os milhões de brasileiros que foram às ruas exigir eleições diretas para presidente da República, acabaram enganados pelos políticos e por sua mídia global, e conduzidos a aceitarem a eleição indireta do avó do Faraó via Congresso Nacional.

É certo que a nova geração tem outra cabeça, está ligada na velocidade da Internet e não se predispõe a seguir as orientações da mídia serviçal dos de cima. E isso é bom. Mas um movimento desse porte não terá fôlego por muito tempo se não conseguir definir suas propostas, estabelecer as formas de alcançá-las e construir uma dinâmica capaz de manter acesa a chama do movimento que arrasta o país.

Diante do magnífico movimento que vi, tive uma dupla sensação: aquela, de alma lavada, ao sentir que as pessoas assumiam as ruas e atropelavam o aparato do estado a serviço de um governo déspota; e uma outra, de incerteza em relação aos rumos desse movimento. Neste caso, estaria lançado o desafio, não de tentar controlar o movimento, como certamente farão os partidos, os sindicatos e a mídia burguesa, mas de contribuir para que este movimento não se deixe controlar, e assuma compromissos com as reais necessidades da maioria do povo pobre do Brasil.

Que um outro Brasil esteja nascendo nas praças e ruas ocupadas. Um Brasil que finalmente respeite as pessoas, que acabe com os privilégios de alguns poucos; que valorize a Educação e os educadores, bem como a Saúde pública, a moradia popular, o transporte coletivo barato e eficiente, o lazer, o acesso à cultura, etc.

Viva a luta e a garra dos jovens que estão fazendo renascer o sonho de um outro mundo possível.

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

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domingo, 16 de junho de 2013

Parabéns aos estudantes do movimento por meia passagem, vocês merecem o céu, ao contrário dos educadores que não lutam, que merecem o inferno!



Parabéns aos estudantes do movimento por meia passagem, vocês merecem o céu, ao contrário dos educadores que não lutam, que merecem o inferno!

Observei de longe o movimento dos jovens estudantes e outros grupos nesses dias, indo para as ruas de São Paulo, Rio, BH, Brasília, Porto Alegre, para protestar contra o abusivo aumento no preço do transporte coletivo. Mas não somente por isso. Por muito mais coisas, outras demandas que os governos e sua mídia escondem, uma parcela expressiva da atual geração está acordando para as ruas, fazendo das praças a extensão do computaoor, que parecia – aparência, apenas – ser a única morada segura destes jovens. Ledo engano. As novas gerações estão usando o instrumental da informática, da Internet, para marcarem compromissos, não mais apenas de encontros para namoros ou festas, mas para assumirem o seu protagonismo na História da humanidade. Tudo o que está de pé, se desmancha no ar, ante o fervor crítico de milhares de jovens sonhadores, mesmo quando entre eles haja muitos delatores, infiltrados das polícias ou provocadores de ocasião. Estes, serão banidos pelo movimento, que durante vários dias ganhou as ruas de várias capitais, enfretou as tropas de choque de governos que servem aos de cima, apenas, como vem acontecendo no Brasil nos últimos 500 anos.

Mas, ao mesmo tempo que observo com entusiasmo esse movimento que foi ganhando as ruas do Brasil, sem chefes, sem lideranças isoladas, sem caciques sindicais ou partidários, vejo com muita tristeza a realidade dos educadores de Minas e do Brasil. Uma pena que três milhões de educadores no Brasil e cerca de 250 mil na ativa somente aqui em Minas, não tenham conseguido se organizar e por o bloco na rua, fazendo os governos se ajoelharem perante o movimento dos educadores. Nem mesmo uma lei nacional aprovada – a Lei do Piso – foi suficiente para tirar do marasmo, do sono eterno, a maioria dos educadores, acostumados aos chicotes de direções, inspetorias e secretarias de estado dos governos neoliberais.

Tomo como exemplo a escola onde trabalho. O único que talvez não tivesse motivo para participar das últimas paralisações sou eu, já que, como tenho anunciado aqui, em breve vou deixar a educação. Mas estou sendo o único a participar das paralisações, mesmo sabendo que elas pouco ou nada resultarão, já que temos uma direção sindical sem credibilidade perante a categoria, e já que a maioria dos nossos colegas estão adormecidos para a luta. Mas se eu não participasse, reforçaria os mesmos argumentos dos meus colegas: “ah, Euler, se todos participassem eu também participaria”; ou então: “com esse governo não adianta não, Euler”. Eu quase morro de indignação quando ouço esses argumentos, e na última semana eu disse para aqueles com os quais conversei – com todos, aliás, já que tenho uma relação fraternal de respeito e amizade por todos: vou ser sincero com vocês, os educadores que não lutam, que vivem inventando desculpas para não irem à luta, merecem ganhar menos que um salário mínimo. E trabalhar oitenta horas por semana.

A verdade é que os educadores de Minas e do Brasil, teleguiados por direções sindicais partidárias, que burocratizam e engessam a organização dos trabalhadores, estão praticamente mortos para a luta. E precisariam renascer das cinzas para construir um outro destino, menos marcado por este inferno astral que virou o ambiente da Educação básica em Minas e no Brasil: baixos salários, péssimas condições de trabalho, carreira destruída, sobrecarga de serviços, metas, pressões, mesquinharia de direções, por ordem de uma mais mesquinha ainda secretária da Educação e seu governo de pior qualidade impossível.

E o pior é que nesse caso a turma do Rômulo ou do Raimundo tem razão: PT e PSDB e os demais estão embolados no mesmo campo, com políticas neoliberais, que não valorizam os servidores da Educação básica. Podem até apresentar diferenças nas políticas sociais, como de fato acontece – ninguém merece que o PSDB volte ao poder federal, seria a nossa definitiva declaração de autoneocolonização -, mas fato é que todos estão juntos no massacre ao ensino público básico, que seria, pelo menos teoricamente, a porta de saída, ou de entrada, de milhões de pessoas, para um outro mundo possível.

Por isso olho para esses meninos e meninas que ocupam as ruas das capitais do Brasil com uma ponta de inveja, por aquilo que nós, educadores, não tivemos a coragem de fazer. De ocupar as ruas e praças não durante um dia, apenas, mas por dez, vinte dias, enfrentando as polícias e os governos, a mídia vendida e serviçal dos interesses dos de cima, a justiça e os ministérios públicos, e legislativos igualmente serviçais dos mesmos interesses dos de cima. E por que não dizer: enfrentando inclusive as direções sindicais burocratizadas e teleguiadas por interesses partidários, que indicam até onde podem e não podem avançar segundo as agendas eleitorais ou dos governos. Teríamos que construir a nossa própria agenda de mobilização e luta e só pararmos quando realmente tivéssemos alcançado nossos objetivos, que são comuns aos interesses da maioria da população, dos estudantes, mas que não sabemos sequer dialogar com os nossos alunos, pais de alunos e colegas. Nossos colegas não se informam, não têm acesso à Internet, e vivem na expectativa de que um milagre caia do céu.

Por isso, vão aqui os nossos parabéns aos estudantes que ocupam as ruas do Brasil. Neste momento vocês são os nossos mestres. E nós, até o momento em que reaprendermos a lutar, a sonhar, continuaremos meros observadores acomodados daquilo que se passa em nossa volta.

Um bom domingo de reflexão, um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

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sexta-feira, 14 de junho de 2013

Durante a Copa, para mostrar uma realidade que não existe, Minas suspende os direitos constitucionais dos cidadãos brasileiros. É outro país, já dizíamos.


Durante a Copa, para mostrar uma realidade que não existe, Minas suspende os direitos constitucionais dos cidadãos brasileiros. É outro país, já dizíamos.

Na propaganda paga, e mesmo naquela divulgada pelos bajuladores de uma mídia servil, Minas tem a melhor Educação pública do planeta. Não tem dengue, os números da segurança melhoram a cada dia, enfim, é um paraíso. Isso na propaganda, é claro. Então, como explicar para o mundo que os professores mineiros estão insatisfeitos, reclamam que não recebem sequer o mísero piso salarial nacional dos educadores, e que tiveram suas carreiras destruídas, sua jornada de trabalho ampliada, e seus salários congelados até 2016? Como explicar essa diferença entre a propaganda paga e a realidade nua e crua vivida pelos educadores de Minas?

Para evitar esse contraste entre a realidade e a propaganda, o governo de Minas decidiu acionar a Justiça, que, solícita, decretou a suspensão do direito constitucional à livre manifestação de protesto nos dias dos jogos da Copa ds Confederações. De acordo com a carta constitucional brasileira, é assegurado o direito de manifestar, de opinar, de protestar pacificamente em praça pública. É livre também o direito de greve, que em Minas há muito foi abolido para os servidores do estado.

Em Minas, ao governo é permitido descumprir uma lei federal, que instituiu o piso salarial nacional dos educadores enquanto vencimento básico nas carreiras destes profissionais; é permitido também ao governo congelar o salário (ou reduzi-lo, como aconteceu em 2011) dos educadores até 2016; é permitido, ainda, em nome de uma falsa transparência, destruir a carreira dos educadores, abolindo (confiscando) todos os direitos conquistados ao longo de décadas, como: quinquênios, biênios, inclusive para os antigos servidores. Para isso, a justiça é cega, assim como o ministério público e os parlamentares.

Minas é o exemplo de ditadura disfarçada de democracia, estado-país que não tem imprensa livre, e não assegura aos cidadãos o direito à livre manifestação; e que se sustenta através do binômio propaganda e repressão. O governo de Minas não negocia com os servidores em greve, cortando os seus salários quase em tempo real; mas também não negocia com os servidores quando não estão em greve. Ou seja: não há negociação com o servidor público. Para o governo de Minas, o serviço público é apenas um instrumento para políticas que realizam os desejos altamente lucrativos de grandes empreiteiros, de banqueiros e outros tipos, todos eles com o generoso perfil de forte potencial para o financiamento de campanhas eleitorais de grupos políticos que servem aos de cima, somente.

Portanto, a decisão do desembargador de proibir as manifestações de protesto dos professores e policiais civis durante a copa das confederações não nos surpreende. Minas é outro país e não está subordinada à carta Magna vigente no Brasil. Resta saber se os cidadãos brasileiros que residem nesse outro país-Minas vão concordar com essa decisão. Que as pessoas tenham o legítmo direito de assistirem aos jogos da copa, ou a quaisquer outros, até aí tudo bem, acho que ninguém é contra isso. Mas, impedir que os educadores aproveitem esse evento de massa, fortemente divulgado e propagandeado, para mostrar uma realidade que a mídia esconde durante todo o ano é a declaração cabal de que se vive, em Minas, durante muitos momentos, à margem dos direitos democráticos, republicanos, assegurados pela carta constitucional brasileira.

Acho que este ato, por si só, demonstra para o mundo que não há democracia no estado-país Minas Gerais. E que há algo de muito estranho pairando entre o chão de Minas e a propaganda paga que é exibida a cada segundo.

Sem manifestações de protesto, com poucos veículos transitando – já que foi decretado o ponto facultativo para os servidores a partir das 12h – o governo de Minas imagina poder mostrar aos turistas uma imagem maquiada, de um estado que não existe. Como já faz, aliás, com os mineiros, através do bombardeio midiático diário que é realizado por alguns comentaristas bem pagos de TVs, rádios e jornais.

Mas, talvez valha a pena, contrariando o desejo neofascista de certas autoridades, ir até a praça pública durante os dias dos jogos das copas, de forma individual ou coletiva, para mostrar aos gringos, inclusive aos gringos mineiros – aqueles que só conhecem a realidade fantasiosa da propaganda – que em Minas, outro ps, os educadores tiveram suas carreiras destruídas, estão adoecendo pela pressão e péssimas condições de trabalho; estão com os salários congelados e o piso salarial nacional burlado. E o pior: estão proibidos de protestar. Que sina triste reservaram aos educadores e a todos os cidadãos de Minas, não?

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!
 
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terça-feira, 4 de junho de 2013

Sem luta, sem mobilização, sem greve, os salários dos professores-de-Minas continuarão congelados até 2088, ou mais


Sem luta, sem mobilização, sem greve, os salários dos professores-de-Minas continuarão congelados até 2088, ou mais

Minas é o estado-país que não cumpre a lei federal e não paga a lei do piso, instituída em 2008. E não cumpre a lei em função da conivência generalizada dos outros poderes, conforme já tivemos a oportunidade de denunciar. Mas, existe um outro fator, que contribui para que o governo de Minas trate, ou melhor, destrate a categoria dos educadores da forma como faz. No fundo, nos últimos 10 anos os governantes mineiros criaram uma "cultura" - se é que podemos chamar assim - da destruição da carreira do magistério. Apostou na divisão, na opressão, na cobrança e no tratamento de choque contra os professores e demais educadores. E isso tem uma razão de ser, que vou explicar em seguida.

Do avô do faraó até a gestão do seu neto e afilhado, Minas passou por tantos desgovernos que simplesmente quebrou. Na verdade, já de longa data, Minas é um estado quebrado, mas que sobrevive pela generosidade das riquezas materiais/minerais/quase naturais arrancadas e doadas para grupos nacionais e estrangeiros, com pouco ou nenhum retorno para a maioria dos mineiros. Sobrevive também em função da generosidade dos trabalhadores dessa terra, incluindo os servidores, e mais ainda os educadores, que são verdadeiros heróis, embora não tenham o reconhecimento devido por partes dos desgovernos que passaram por Minas, incluindo o atual.

Até então, ou seja, da gestão do avô do faraó até o primeiro reinado do seu neto, os governos lidavam com a quebradeira do estado mineiro de forma desarticulada, ao sabor de promessas eleitorais, que eram jogadas para o governo seguinte, que por sua vez jogava para o próximo, e vez ou outra concediam alguma vantagem aos servidores, em função das renhidas lutas travadas.

Contudo, foi na longa gestão do neto do faraó e seu afilhado que se iniciou um modelo sistemático e permanente de destruição da carreira dos educadores. Mas, isso não aconteceu por acaso, simplesmente pelo fato, por exemplo, de que os governantes talvez tivessem algum trauma de infância em relação aos professores. Não. Não se trata de um capricho dessa natureza. Trata-se, isso sim, do cumprimento de um projeto político neoliberal de gestão, voltado para servir a determinados grupos - como: empreiteiros e banqueiros, com agrados às altas esferas dos poderes constituídos. Tratou-se de uma opção política: entre transformar o estado num instrumento capaz de prestar serviços de qualidade para a população de baixa renda - investindo mais e melhor em Educação e saúde, por exemplo; ou transformar o estado num instrumento a serviço das elites, financiando a voraz ganância dos grupos empresariais, obviamente o governo de Minas optou pela segunda. E o fez de forma sistemática, planejada, quase cientificamente, através do chamado choque de gestão, que nada mais é  do que um grande choque de confisco salarial dos servidores públicos, especialmente dos educadores.

E por que os educadores mereceram essa atenção especial por parte do governo? Por uma razão óbvia: é a categoria mais numerosa do estado, e por isso, a que "custa" mais aos cofres públicos; é a categoria que dá as maiores "despesas" (com aspas, pois para o governo neoliberal, investir em educação é visto como despesa), mesmo com o minguado salário pago pelo governo. Os educadores representam entre 60 e 70% de toda a mão de obra do estado mineiro - são (somos) 400 mil educadores, entre os da ativa e os aposentados. Na cabeça neoliberal dos governantes mineiros, proporcionar alguma política salarial decente para os educadores representaria a quase incapacidade de colocar em prática o seu projeto de "investir" nas obras faraônicas, nas cidades administrativas, nas linhas verdes e estádios de futebol da vida. Nas obras que ficam expostas, do concreto formado de areia e cimento e brita, que fazem os cidadãos menos avisados babarem de orgulho, enquanto permanecem cegos frente ao descaso do governo para com as obras que não aparecem concretamente de imediato, como a educação das pessoas, ou a saúde pública. Além disso, grandes obras faraônicas são o caminho aberto para grandes negociatas. Já o que é investido com os salários dos professores, não. Isso é distribuir renda para um número maior de pessoas, e essa gente não é muito chegada na ideia de distribuição de renda para as grandes maiorias exploradas.

Pressionado pela Lei do Piso aprovado em 2008, que, se colocada em prática retiraria alguns bilhões de reais dos recursos hoje usados para os projetos citados, o governo deu logo um jeito de instituir o subsídio, que nada mais é, como já expliquei inúmeras vezes aqui no blog, a forma mágica e grosseira de burlar a Lei do Piso.

Mas, as consequências nefastas desse projeto, cercado por um escandaloso e espalhafatoso e espetaculoso esquema midiático, resultaram na destruição das carreiras dos educadores de Minas. E mais do que isso: na destruição da perspectiva, por parte de boa parte da categoria, de continuar sonhando com uma realidade melhor para a profissão que escolheram. Os professores de Minas hoje estão convencidos de que não há horizonte para a carreira do magistério em Minas e no Brasil. E essa talvez tenha sido a pior consequência da obra implantada a partir da gestão de choque do faraó e seu afilhado. Roubar o sonho dos educadores é pior até do que roubar o piso salarial, que esse, com luta, se conquista.

E digo isso porque tenho percebido um estado de letargia por parte de boa parte da categoria dos educadores. Na minha escola, por exemplo, quando eu falo em greve, as pessoas mostram um total ceticismo, desânimo, descrença. Não se trata somente de temer ao corte de salário, coisa corriqueira por parte desse governo, mas de não acreditar mais no presente e no futuro da carreira do magistério.

Os educadores, em função da gestão de cortes, achatamentos, pressão psicológica, cobranças, descaso, confisco, cortes de quase todos os direitos, tudo somado, por anos a fio, somando-se ainda os baixos salários e as péssimas condições de trabalho, resultaram nisso, numa cultura da apatia, da descrença, do desânimo em relação a essa carreira tão importante, que é a do magistério.

Hoje mesmo, quando conversei com alguns colegas, que foram sondados pela direção da escola - a pedido da Secretaria da Educação, segundo disseram -, sobre a possível adesão à paralisação do dia 05, ouvi somente desânimo. Eu lhes disse claramente que participaria, mesmo não acreditando na forma de condução da greve pela direção sindical, e mesmo sabendo da retaliação por parte do governo. E disse para todos eles: sem luta, nosso salário ficará congelado até 2088.

Mas, a verdade é que as pessoas estão descrentes, estão insatisfeitas, e essa insatisfação não é transformada em revolta, mas em apatia. E com esse estado de espírito, alimentado durante anos pelas políticas de estado, não se conseguirá nada além de sofrimento, salário congelado, e muita decepção. É verdade que temos uma parcela da categoria que é muito desinformada, acomodada, despolitizada, no pior sentido. Sabe apenas falar besteirol e da vida alheia. Mas, isso é consequência de toda uma cultura que as elites dominantes se esforçam para reproduzi-la, evitando que os de baixo se organizem, assumam uma consciência de classe, e lutem por seus direitos. Contudo, a categoria também tem uma fração muito avançada, politicamente falando, que é capaz de erguer barricadas e enfrentar o inimigo com muita valentia, como já deu provas disso em inúmeras oportunidades. Mas, mesmo essa fração mais avançada da categoria está desmotivada; o nosso bravo NDG, boa parte dele, pelo menos, encontra-se desmotivada. E sem a presença atuante dessa aguerrida turma não há greve. Foi ela quem sustentou a greve de 112 dias em 2011. Marly, Ivete, Rômulo, Martinho, André Buzina, Diógenes, Gracieuza, Flávio, Petrus, Cláudia Luiza, só para citar alguns/algumas, e dezenas e mais dezenas de outros e outras bravos/as combatentes foram o fermento da luta que se alastrou num dado momento por toda Minas Gerais.

Sei que é necessário retomar o movimento de luta e resistência. Sei que o sindicato, ou o comando do sindicato, é insuficiente, e eles, contribuindo indiretamente com o governo, têm pouca humildade para convidar os diferentes da base da categoria para construir algo novo. E este algo novo pode ser a velha e boa greve, conquista histórica e direito constitucional dos trabalhadores, mas que precisa ser melhor organizada, e combinada com outras formas de mobilização, como a nossa combativa colega professora Marly Gribel - uma das poucas lideranças que pensam a nossa luta de uma forma mais ampla - tem sugerido em seu blog (menos no papel que generosamente ela atribui a mim, quando na verdade precisamos mais de uma liderança coletiva, somando os esforços das muitas lideranças dos educadores).

Em suma, podemos enumerar as coisas da seguinte forma: 1) Minas é um estado quebrado. Ponto; 2) apesar disso, ainda tem recursos para investir, mas não de forma geral, havendo necessidade de fazer escolhas; 3) os governantes de Minas, especialmente a partir da gestão do faraó e afilhado, escolheram investir mais fortemente para servir aos de cima - empreiteiros, banqueiros, e um pouquinho, só um pouquinho mais, na PM, para garantir a retaguarda na possível repressão aos professores em greve (a lógica do governo era exatamente essa: se vamos cortar salários dos professores, haverá luta, resistência; logo, é preciso pagar um pouco melhor aos policiais, para reprimir esses movimentos. Talvez o governo agora esteja arrependido, pois nem tanto movimento houve, e eles, no pensamento neoliberal, poderiam ter acumulado um pouco mais de dinheiro para os empreiteiros, se tivessem dado um reajuste menor de salário para os policiais. Não que estes não merecessem até mais, mas o que estou trazendo aqui é apenas um possível raciocínio de uma mente neoliberal); 4) ante a tudo isso, os professores deixaram de sonhar, e estão apáticos, em busca de outra carreira, ou de se aposentarem, ou de deixarem o tempo passar, até que a morte os (nos) separe da nossa carreira; 5) e por último, reafirmo o que disse para os meus colegas: se não lutarmos, o salário dos educadores ficará congelado... até 2088, ou mais!

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

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