terça-feira, 14 de junho de 2016

O golpe está produzindo monstros; mas pode provocar também a emancipação do povo brasileiro. Nas ruas.




Editorial

Retomando as análises. Dia 13/06, um mês após o golpe que afastou ilegalmente a presidenta Dilma. Está claro para a maioria das pessoas, as mais lúcidas, as não contaminadas pela lavagem cerebral da mídia, que se tratou de um golpe. E de um golpe para cumprir objetivos bem determinados. Entre eles: retirar direitos dos trabalhadores, reduzir investimentos nas áreas sociais, entregar o pré-sal e a Petrobras para os gringos e transformar a eleição direta para presidente em mera peça decorativa de uma democracia sem conteúdo.

No fundo, era para as ruas do país estarem todas ocupadas por milhões de pessoas que serão prejudicadas pelas políticas do governo golpista. A maioria dos brasileiros - pelo menos 80% da população - será fortemente prejudicada.

No entanto, tal foi o entorpecimento mental coletivo produzido pela mídia durante anos e anos, que as pessoas aceitam o que está acontecendo como se fosse algo corriqueiro, normal na vida delas. Não todas, claro.

A mídia e os imbecilizados que a seguem cegamente conseguem vender a ideia de que está havendo um combate à corrupção. E que esta corrupção é a causa da crise atual. Não está. E não é. O combate à corrupção é extremamente superficial, não atinge as causas, atinge sobretudo objetivos políticos, como pretexto para derrubar o PT do governo e com isso abrir caminho para implantar políticas neoliberais em favor da minoria rica, interna e externa.

Numa realidade menos atrofiada, milhões de pessoas hoje estariam ocupando as sedes da Globo e demais emissoras de rádios e TVs, o congresso nacional, o STF e colocando essa gente pra correr. Isso numa situação ideal, não fosse a lobotomização coletiva imposta pela mídia. Infelizmente, inclusive com o apoio dos governos do PT, que inacreditavelmente financiavam a Globo e demais mídias golpistas.

O PT teve a inocência de dar tratamento republicano a quem só conhece a linguagem do golpe, do autoritarismo, do fascismo, da imprudência com as minorias, do falso moralismo em nome do combate moral à corrupção.

Hoje o que se vê é isso: todas as redações das rádios e TVs estão, com raras exceções, dominadas por bandos de golpistas, que passam os dias e as noites a detonar o PT, Lula, Dilma e a esquerda em geral. No fundo, eles não estão detonando as pessoas de Lula e Dilma e o PT, mas o que eles simbolizam. Eles não pedem para tirar o Lula do caminho e colocar um Guilherme Boulos, por exemplo. Nada disso. Eles mostraram o significado da derrubada do PT ao afastarem a presidenta Dilma. Querem implantar políticas neoliberais e continuar de forma ainda mais intensa as práticas de banditismo oficial.

Reparem como houve um esfriamento na operação lava-jato e sua parceria com a Globo, que, enquanto Dilma estava no governo, não deu um minuto de trégua. Dilma conseguia fechar um acordo no senado com lideranças de algum partido e imediatamente a lava-jato respondia cercando essa liderança com vazamentos seletivos.

Dilma cometeu o erro, neste segundo mandato, de tentar agradar o mercado, com a vã ilusão de que isso faria com que a direita raivosa, Globo à frente, se acomodasse. Quanta ilusão de classe! O que eles fizeram foi aproveitar o desgaste do PT perante a opinião pública e partiram ainda mais pra cima. Este é um dos problemas do PT no governo: quando teve chance e capital político para destruir a Globo e outros inimigos políticos, o PT preferiu conciliar com esses setores da direita. Estes, ao contrário, na primeira (e na segunda, e na terceira) oportunidade que tiveram, partiram pra cima do PT sem o mínimo de compaixão. Não existe isso na luta de classes. Tomara que o PT tenha aprendido essa lição na prática.

Nesse finalzinho de noite, pela Internet mesmo, assisti rapidamente e por alguns minutos apenas a duas transmissões: a da comissão do senado que analisa o golpe; e um pedaço do programa Roda Viva, que se tornou porta-voz da direita golpista de São Paulo. Ambos, um horror. A direita brasileira é cínica, e conseguiu seduzir quadros nas diferentes estruturas de poder: no TCU, na Polícia Federal, no MPF, na Justiça e, claro, nas redações de jornais e revistas.

Houve um tempo em que, talvez pelo desgaste da ditadura civil-militar implantada em 1964, era difícil encontrar quadros da direita assumidamente. Eles tinham vergonha de se mostrar. Eram associados imediatamente à tortura e às políticas de choque. Hoje não. A direita conseguiu iludir grande número de pessoas com o discurso de que os governos do PT praticamente inventaram a corrupção e formaram quadrilhas terríveis. Como se todos eles - PSDB, PMDB, DEM, entre outros, fossem santos e não tivessem envolvimentos em práticas ilegais muito superiores às do PT. Não que isso justifique nada, mas dá nojo ver a idiotice de alguns atacarem o PT e pouparem os outros partidos e seus dirigentes.

Alguns membros do PT podem ter cometido os mesmos pecados morais dos outros partidos, mas, nem de longe fizeram ou tiveram tempo até aqui para se aproximar das práticas lesivas aos interesses públicos executadas por grupos e famílias mafiosas de políticos que há décadas dominam coronelisticamente as regiões ou capitanias hereditárias do Brasil. Sempre impunes.

Mas, o maior pecado do PT, apesar da ladainha vazia da mídia, não foi a corrupção. Foi a contemplação com a estrutura de poder vigente, sem tentar mudá-la a partir de cima, onde os governos do PT tinham condições de influenciar. Por exemplo: nas escolhas dos ministros do STF, ou dos chefes do MPF, ou do comando da Polícia Federal. Numa outra frente, o PT se afastou bastante dos movimentos sociais, e alguns deles, diga-se, aceitaram essa relação aparentemente vantajosa para ambas as partes. Não foi. Pois, com isso os movimentos perdiam a autonomia, distanciaram-se do trabalho de base, e o governo do PT, ao mesmo tempo, perdia apoio de base militante, fundamental para qualquer projeto popular que queira contrariar os interesses dos de cima.

Claro que o PT acertou em muitas políticas sociais. Conseguiu retirar milhões de pessoas da miséria e da fome; implantou políticas inclusivas, de cotas, que propiciaram grande mobilidade social - um dos motivos do ódio ao PT por parte das elites. Mas, vejam o paradoxo. Boa parte dos beneficiários das políticas sociais do PT foi cooptada por aqueles que combateram essas políticas de forma feroz. O que demonstra o quanto o PT falhou na comunicação e no combate ideológico.

É injusto, contudo, atribuir todas as culpas ao PT. Toda a esquerda de certa forma falhou, seja ao não conseguir construir uma agenda comum, um programa comum, ficando cada qual mantendo sua seita, sectária e sem povo. E com isso contribuindo para que a direita, muito mais objetiva nos seus ataques, formasse as condições para o golpe.

Ah, o golpe. O golpe não foi contra o PT, nem contra Lula, nem contra Dilma. Foi contra o povo brasileiro, contra as nossas conquistas recentes e antigas. Em breve vão nos tirar o direito de aposentar, vão nos tirar a bolsa-família, vão nos tirar as leis trabalhistas, nos transformando em escravos a disputar miséria enquanto os de cima se locupletam e repartem entre si os espólios da guerra. Sim, meus amigos, estamos numa guerra. Perdemos algumas batalhas, mas, não a guerra. Ainda não.

Será necessário envolver milhões de pessoas nessas batalhas, se quisermos vencer a inimigos tão poderosos, detentores de todas as máquinas: judiciário, parlamento, força militar, e a mídia, a pior de todas as máquinas de guerra. É ela que entorpece e lobotomiza as mentes de milhares de pessoas. Destes, que ficam por aí a repetir as palavras de ordem de jornalistas de aluguel da grande mídia. Incapazes de uma análise crítica do contexto em que vivemos.

Talvez tenhamos que passar pelo inferno de governos fascistas e neoliberais - e o traíra Temer e sua quadrilha são apenas uma pequena amostragem do que vem pela frente - para que saibamos reconstruir novas utopias e sonhos. Talvez não. As novas gerações aprendem muito rápido e podem, como já sinalizam, tomar gosto pelas ruas, pelos protestos e ocupações, pelo sentido de solidariedade, de construção coletiva de sonhos. É nisso que eu aposto. Que esteja surgindo, como resposta a todas essas maquinações golpistas, uma nova força social e política, com muitas cores, muitas raças, com todas as diferenças e diversidade que caracterizam o nosso povo. E que produza uma energia tal que consiga varrer pra bem longe todo esse processo manipulatório e golpista em curso.