Barulho de carro e pó que não é do branco eu já até me acostumei com eles. Do pó branco também, haja vista a poeira do giz que cheiramos e carregamos no corpo. Gente conversando e brigando quando passa na janela virou até sinfonia. Cada um num tom, com vozes variadas, às vezes desafinadas, mas vozes, que testemunham que a vida flui, apesar dos pesares.
Mas, o que mais tem me preocupado ultimamente é que o meu bunker de vez em quando treme. Algumas vezes eu até entendo o porquê. Outras vezes, não. Tantas vezes recapearam o asfalto mal feito da rua que passa na minha janela, que foram criadas ondulações na pista que deveria apresentar uma certa uniformidade para receber veículos leves e pesados. Estes, quando passam, faz a casa dançar, com ou sem música.
Já acho um absurdo a desproporção nos espaços urbanos, que reservam para veículos áreas bem superiores àquelas reservadas para os pedestres. Mas, a geografia física reflete a geografia social, o que explica os latifúndios rurais e urbanos com poucos hatitantes por quilômetro quadrado, enquanto as favelas e as comunidades populares encontram-se apinhadas de pessoas por centímetro.
Mas, quando o meu bunker treme, fico sem saber se é o carro pesado que acaba de passar ou algum princípio de terremoto. Talvez isso explique as rachaduras que começam a aparecer na Cidade do faraó. Outro dia mesmo surgiu a notícia de que houve um abalo na cidade de São José da Lapa, quase na época em que o faraó inaugurou as pirâmides que foram erguidas em poucos meses. Uma mensagem divina ou mera coincidência?
Contudo, há uma outra coincidência. O custo das pirâmides, segundo a mídia do faraó, girou em torno de R$ 1,2 bilhões. Se atualizarmos este valor encontraremos algo próximo de R$ 1,3 bilhões... que é exatamente o custo dos reajustes salariais que prometem pagar em 2011. Logo, tenho direito de deduzir com base nesta fundamentada lógica blogdoeulereana que foi com o suor do meu trabalho - do meu e de mais 250 mil educadores de Minas - que o faraó construiu as pirâmides às margens da Rodovia.
E agora, o piso das pirâmides trinca, dizem os jornais. Menos mal. Pior foi o nosso piso que desapareceu, enquanto o meu bunker treme com a passagem de veículos pesados. Será que a prefeitura vai me dar outro bunker se ele cair? Bato três vezes na madeira. O meu piso certamente o estado não dará. E as rachaduras das pirâmides, queira Deus não passem de, digamos, pequenas avarias colaterais, típicas de obras concluídas às pressas.
Mas, há uma outra semelhança entre o meu bunker e a sede das pirâmides do faraó. Cá como lá, ergueram-se construções em áreas antes alagadas. Meu bunker é modesto, feito de material de primeira, a julgar pelo tempo em que foi construído, isso há mais de trinta anos, segundo me disseram. O mesmo não posso dizer em relação às pirâmides, que não são nada modestas e o material, dizem alguns, não foi assim tão de primeira, apesar do custo ter sido.
Por isso, hoje à noite quando for dormir, vou acender uma vela, para que meu bunker trema, mas não caia; e para que as pirâmides parem de trincar; e para que o nosso piso salarial, que foi demolido pelos poderes prost... ops, constituídos (palavrinha complicada, né, gente? A outra é melhor, mais apropriada), renasça das cinzas, em terreno sólido, para não tremer, nem trincar e menos ainda evaporar com o tempo.