sexta-feira, 30 de julho de 2010

Um legado que deve nos orgulhar


Tinha preparado um texto de reflexão sobre a escola que temos. Mas, achei melhor deixar para publicar outro dia. É que ao mesmo tempo em que eu me preocupo com o tipo de escola que temos e a que queremos - preocupação que é por demais reflexiva e às vezes acadêmica, embora seja de extrema importância -, sinto-me atraído pelos combates imediatos que temos que travar.

Espero que esta minguada semana de recesso tenha dado um lapso de tempo para o merecido descanso dos nossos/nossas guerreiros/guerreiras. E também para os colegas refletirem sobre os encaminhamentos que temos que dar ao movimento que construimos com a nossa maravilhosa revolta dos 47 dias.

Um movimento tal como o que construímos não pode ser esquecido nem negligenciado na nossa memória. É um feito histórico a ser lembrado e comemorado em todos os momentos da nossa vida de educadores e de seres humanos pensantes.

Por isso, quero aqui trazer novamente à lembrança dos colegas e demais visitantes deste blog, um pouco do que fizemos e das expectativas que geramos.

Entre 2002 e início de 2010, o faraó e seu afilhado (para os novatos do blog, esta é a alcunha atribuída ao governador e seu vice) criaram e impuseram um esquema de governo calcado em políticas neoliberais, cuja essência foi o achatamento salarial dos servidores públicos, especialmente os da Educação, para a construção de obras faraônicas. A execução dessa política foi realizada com o silêncio da mídia, comprado a peso de ouro e que trabalhou diuturnamente na formação e blindagem da imagem do faraó. Os demais poderes e instrumentos de poder - judiciário, legislativo, TCE, etc - foram um a um se submetendo às vontades do faraó e do seu grupo.

Essa unanimidade das elites durou todos estes anos inclusive em função da parceria não assumida entre o governo federal e o governo mineiro, cujos eventuais interesses eleitoreiros, apesar da aparente oposição, se harmonizavam, como ocorreu em 2006. Por isso, praticamente o governo do faraó não teve oposição durante este longo período, a ponto inclusive do ex-prefeito de BH entregar de bandeja a prefeitura da Capital mineira para um aliado do faraó.

Em 2010, após sete anos de arrocho salarial em cima dos educadores, que esboçaram algumas poucas tentativas frustradas de reação, a coisa começa a mudar. O faraó e seu afilhado, que chegaram a prometer em 2008 que pagariam o piso do magistério mais as gratificações existentes em 2010, descumprem o prometido e anunciam uma mixaria de reajuste de 10% sobre o vergonhoso vencimento básico praticado em Minas Gerais. Foi a gota que faltava.

Com uma direção renovada e combativa, o Sind-UTE convoca a assembléia da categoria que decide, no dia 08 de abril, pela greve geral por tempo indeterminado. A reivindicação principal: o piso salarial de R$ 1.312,00 para uma jornada de 24 horas. O faraó se afasta do governo para se candidatar ao senado e viaja para a Europa, onde ficou durante 40 dias mais ou menos, de um passeio faraônico. [E nós aqui, com salário-de-professor-de-Minas (assim mesmo, tudo junto) curtindo o nosso minguado recesso de uma semana].

Foram 47 dias de greve - do dia 08 de abril ao dia 25 de junho, data da última assembléia que decidiu pela suspensão da nossa paralisação. A este movimento, pela sua força, alcance e significado eu dei o nome de "A Revolta dos 47 dias". E o que ocorreu nestes dias?

Assembléias gigantescas - entre 10 e 20 mil educadores - realizadas semanalmente e que produziram passeatas maravilhosas pelo centro de Belo Horizonte, ocupando quilômetros de ruas e avenidas até a parte central da Capital mineira, que era ocupada e onde eram realizados os atos públicos. Ocupamos rodovias em vários pontos de Minas Gerais, inclusive parando o trânsito da Linha Verde, em frente à Cidade Administrativa - também conhecida como "Cidade do Faraó" ou "Balança, mas não cai" ou "A Brasilinha que não deu certo", à escolha de cada um.

Mas, o mais importante dessa maravilhosa revolta/greve, foi o quanto ela mexeu com as estruturas de Minas Gerais. Conseguiu vencer o cerco da mídia que inicialmente impôs total blindagem para não atingir os planos do faraó e seu afilhado. O nosso movimento enfrentou corajosamente os petardos vindos de um judiciário a serviço do faraó, que decretou a ilegalidade da greve - de forma ilegal! - impondo multas diárias ao sindicato e concedendo ao governo o direito de demissão dos grevistas. Nada disso intimidou os trabalhadores, que continuaram (continuamos) em greve, cada vez com maior adesão. As TVs e rádios e jornais (à exceção do jornal que se diz "o grande jornal dos mineiros", que se tornou pequeno após a nossa greve) acabaram tendo que falar da nossa paralisação. E através da Internet, quebramos o silêncio da mídia, através de uma rede de blogs e troca de e-mails. O nosso blog deu uma modesta contribuição, pois funcionou 24 horas por dia durante todos os dias da greve recebendo milhares de visitas.

O governo usou de todos os mecanismos de coerção e intimidação a seu alcance, mas mesmo assim não conseguiu dobrar a disposição de luta de valentes educadores, que se entregaram de forma apaixonada às mais diferentes iniciativas. Toda a sociedade mineira, pela primeira vez, teve contato com a realidade vergonhosa dos salários praticados em Minas, especialmente o dos educadores. Reuniões nas escolas, assembléias por toda parte, ocupação de ruas, passeatas, visita às emissoras de rádio, pressão sobre os deputados, corrente de e-mails, assembléias gigantescas em cidades como São João del-Rei - terra do faraó (mas principalmente do Vander, e da Vanda e dos avós de João Paulo, etc.). Enfim, foi o mais expressivo e bonito movimento construído por milhares de trabalhadores nos últimos 10 anos, pelo menos, em Minas.

O final da greve foi acompanhado de um acordo firmado pelo governo do afilhado do faraó, já desgastado ao extremo, que resultou em novas tabelas salariais que foram aprovadas na ALMG, para o início de 2011, com subsídio de R$ 1.320,00 para jornada de 24 joras, coisa até então impensável pelo governo. Claro que o governo não atenderia a todas as reinvindicações dos educadores e acabou por aprovar o tal reajuste, de um lado, mas confiscando, do outro, o tempo de trabalho dos mais antigos servidores, coisa que teremos que travar nova batalha para recuperar. E vamos recuperar, não tenho a menor dúvida a este respeito. Além disso, o governo pagou antecipadamente a reposição dos dias parados, além de assumir o compromisso da não demissão dos grevistas e da realização de concurso público, entre outros pontos acordados.

A situação de miserabilidade dos educadores mineiros foi, portanto, como a realidade demonstrou, resultado principalmente da política de achatamento salarial - o tal choque de gestão - do grupo do faraó e do seu afilhado; mas, por outro lado, a nossa anterior incapacidade de nos unirmos e partirmos para a luta, como fizemos em 2010, também contribuiu para esta realidade. Ficou este aprendizado, entre outros: sem organização, sem unidade e luta não há conquistas! O nosso movimento produziu e revelou também dezenas - talvez centenas - de lideranças dos educadores, espalhadas por toda Minas Gerais, que se mostraram capazes de aglutinar e mobilizar os colegas e a comunidade para os embates contra o governo e seus instrumentos de dominação.

Desse legado de luta devemos nos orgulhar e nos preparar para os novos combates.

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Leiam também:

- O CONTROLE DO PETRÓLEO NA ORIGEM DO CONFLITO ENTRE VENEZUELA E COLÔMBIA - por Wladmir Coelho


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- Correio Brigadista: Massacre Anunciado
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