Finalmente consegui achar o texto que escrevi em abril de 1997, ocasião em que testemunhei a grande marcha dos sem-terra em Brasília. Numa época em que o país era governado por FHC, com políticas neoliberais, recessão e perseguição aos trabalhadores do campo e da cidade. Os petroleiros em greve haviam sido demitidos, a oposição estava bem enfraquecida e os sem-terra constituíam um dos poucos movimentos sociais a desafiar o governo em praça pública. O Brasil mudou, o mundo mudou, o MST mudou e eu também, pelo menos em parte, claro.
Na época, a mídia fazia terrorismo sobre a marcha e o governo acenava com a possibilidade de impedir a entrada dos sem-terra em Brasília. Mais um motivo para eu não perder aquele acontecimento. Mas, o movimento ganhou força de massa e FHC, sentindo o desgaste político, acabou recebendo uma comissão do MST para conversar, coisa que não é costume dos governantes demotucanos, haja vista o que acontece aqui em Minas ou em São Paulo ou em qualquer outro lugar governado pelos demos ou tucanos.
De lá para cá, o MST perdeu bastante força e a bandeira da reforma agrária, antes defendida por alguns líderes da oposição, deu lugar ao investimento prioritário no agronegócio. É assim. Uns mudam para melhor, outros para pior, dependendo da posição em que se olha. Então, vamos ao texto:
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"Marcha sobre Brasília
Dia 15 de abril à noite. Véspera da grande marcha dos sem-terra a caminho de Brasília. Pego no telefone e falo com antigos sindicalistas conhecidos meus. Pergunto: tem vaga num dos ônibus da CUT para mais um cidadão? Resposta do outro lado da linha: sairemos amanhã a noite.
Noite seguinte lá estava eu a bordo de um ônibus sem muito conforto e acompanhado por uns 40 trabalhadores de diversas categorias. Não havia um único conhecido meu, mas a disposição de todos era comum: ver de perto a marcha dos sem-terra, que havia começado há 60 dias vinda de todo o país. Diante deste propósito, problemas menores do tipo pessoas fumando durante a viagem foram suportados. Logo logo estaria respirando o ar quase puro de Brasília.
Antes da chegada, uma parada para vacina contra a febre amarela. A picada no braço não era nada diante do que vem passando o povo brasileiro e demais povos do mundo inteiro. Finalmente, o ônibus encosta a poucos quilômetros da casa onde o presidente FHC diz que governa o país. À primeira vista parece uma cidade fantasma. Dez prédios de um lado e 10 do outro - 20 ministérios com 10 andares de burocracia cada. Lá no fundo, o Palácio do Planalto, com o símbolo dos três poderes. A arquitetura de Niemeyer sobreviveu aos anos mas confesso a vocês que ela não me agrada. Meu gosto estilístico para cidades se afeiçoa mais com obras mais trabalhadas, construídas no calor da vida e da necessidade, algo que lembre a existência de pessoas. Pode ser uma rua de feirantes dos países árabes, ou a arquitetura européia ou uma cidadezinha tradicional de Minas. Brasília foi muito planejada para o meu gosto, com formas muito certinhas. Mas, deixemos de lado essas observações de um turista de interior e retomemos a nossa marcha.
Mal havia chegado e já me via ali cercado por centenas de pessoas com bandeiras, apito entre os dentes e palavras de ordem. Eram trabalhadores urbanos, todos, a epera dos sem-terra. Ali juntou o descontentamento geral: funcionários públicos ameaçados de demissão, professores enfurecidos com o salário, metalúrgicos em ritmo de campanha salarial, estudantes em busca de uma causa, aposentados descontentes com a pensão e curiosos de toda natureza.
Começamos a caminhar pelas avenidas da cidade. Aos poucos ia chegando mais gente e por volta do meio-dia já se falava em 30, 40 e até em 50 mil pessoas. Em cima de três caminhões de som, as lideranças do movimento iam dando as coordenadas e puxando as palavras de ordem. Embaixo, a multidão respondia à sua maneira. A certa altura o carro de som anuncia a aproximação dos sem-terra. O encontro entre o campo e a cidade foi algo emocionante. Os sem-terra iam passando e eram aplaudidos como heróis.
Ali estava o MST. Um movimento que brotou lá dos fundos dos grotões do Brasil, marcado pela fome, pela exclusão social, pela matança de posseiros pelos grileiros, pelo egoísmo de uma elite que só pensa em seu próprio umbigo. Ao longo dos anos eles se organizaram por todo o país e se fizeram admirar pela maioria da população. De uma certa forma os sem-terra representavam um pouco o resgate de uma cidadania que os diversos governos que se sucederam, desde o Golpe de 64 até o atual [FHC], haviam cassado. Gente simples, mal vestida, sem terra, sem teto, quase sem comida, mas com muita dignidade e disposição de lutar por um lugar ao sol.
A passeata continua e agora com gente da cidade e do campo reunida. Aproximo-me de um sem-terra e pergunto de onde ele vem. Ele me falou que vinha da cidade de Promissão, SP, e que pertencia a uma fazenda ocupada há nove anos por 600 famílias. A fazenda de 1.200 alqueires que antes era de um dono só e que nada produzia hoje virou uma cooperativa que abastece as 600 famílias, gera emprego e produz excedentes para venda. Todos têm alojamento e escola. Lógico que nem todos os acampamentos tiveram a mesma sorte.
Continuo a minha marcha. Deparo-me com uma cena curiosa: três professores universitários de São Paulo abordam um sem-terra. Entregam-lhe uma bandeira do sindicato dos professores e recebem em troca uma dos sem-terra. Dirigem-se ao sem-terra com um misto de respeito e admiração. O sem-terra fala de sua luta e um dos professores responde: "Olha, vocês são a nossa esperança". Pensei comigo: como as coisas mudam. Até bem pouco tempo um camponês abrutalhado seria tratado com desdém por um doutor. Hoje, organizados num movimento e dando provas de bravura, são tomados como exemplo.
A marcha continua. O policiamento em Brasília era discreto, embora presente. Em cima do carro de som anunciam o nome do próximo orador: o teólogo Leonardo Boff. Um dos principais mentores da Teologia da Libertação, aquela que aproximou a Igreja Católica dos oprimidos, Leonardo Boff fala da luta dos sem-terra, semelhante à busca do povo de Deus pela terra prometida. O teólogo viu naquela marcha um divisor de águas para a construção de um novo Brasil. No meio da multidão, vários frades acompanhavam a passeata, expressando o apoio da igreja ao movimento.
Lá pelas 4h da tarde começa, debaixo de forte chuva, o culto ecumênico e a partir daí também começam a chegar as lideranças políticas da oposição, obviamente pegando uma carona no movimento. Alguns merecidamente, pois sempre apoiaram o movimento. Outros oportunisticamente. Sobem ao palco: Lula, Brizola, João Amazonas, Cristóvão Buarque (governador do Distrito Federal), alguns deputados e senadores, artistas populares e intelectuais. Pessoalmente, estou em desacordo com todos estes senhores, todos eles combatendo o neoliberalismo de FHC com um neo-nacionalismo ultrapassado. Mas, não estava no palco para expor minhas idéias e, portanto, só pude reparti-las com pessoas que estavam próximas de mim na multidão, na famosa conversa ao pé-do-ouvido, bem ao estilo mineiro, uai.
O saldo final foi considerado positivo, pois mobilizou o Brasil e chamou a atenção do mundo inteiro para um problema que vem da "descoberta" / ocupação do país: a enorme concentração agrária precisa dar lugar a uma repartição mais justa da terra. Aliás, tal concentração não é privilégio do campo. Os grandes conglomerados nacionais e internacionais dominam a economia e as riquezas de todo o mundo, colocando na marginalidade milhões de almas. O mundo inteiro está a mercê de poucos magnatas, que sem a menor sensibilidade humana fecham fábricas, substituem homens por máquinas e jogam na lama uma massa de pessoas cuja sobrevivência passa a depender das esmolas. Quem sabe um dia os povos de todo o mundo não se unem num movimento de libertação social?
Chega a noite em Brasília e a arquitetura de Niemeyer aí sim parece uma beleza singular. Despeço-me da cidade que proporcionou uma aventura diferente, alterando por algumas horas a rotina manhosa do dia-a-dia. Enquanto o ônibus se dirigia para a saída de Brasília e passava diante dos acampamentos improvisados dos sem-terra, observava aqueles rostos simples, sofridos, mas ao mesmo tempo alegres, com um brilho de esperança, diferentes da expressão sem vida que a gente observa entre muitos marginalizados que vivem nas favelas.
Diante do palco, eles ainda dançavam e cantavam. Não que tivessem muita coisa para comemorar. Pelo contrário, haviam chorado a morte de seus companheiros em Eldorado dos Carajás ocorrida há um ano. O futuro está para eles tão incerto como para a maioria da população. Mas, pelo menos eles têm um sonho, uma causa. E isto em certos momentos vale tanto quanto o tão sonhado pedaço de terra."
Emocionante o seu relato. Lendo seu artigo, percebo o quanto a nossa categoria tem em comum com o MST: somos difamados pela mídia; culpados pelas atrocidades provocadas pelo sistema; lutamos por dignidade e por justiça e somos ignorados. A mídia a ambos sataniza passando para a população uma imagem estereotipada, mantendo a miséria,a desigualdade e a injustiça social.
ResponderExcluirObrigada, por mais uma vez dar voz e visibilidade aos sujeitos ocultos desse imenso Brasil.
Caro Euler,a demissão do jornalista e apresentador do jornal da cultura de S.P. e do programa roda viva não pode cair no esquecimento.Heródoto Barbeiro é um ícone da liberdade de expressão.Peço que use seu já difundido blog para protestar contra a censura.
ResponderExcluirSECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS
ResponderExcluirRELATÓRIO DE MENSAGENS RECEBIDAS PELO FALE CONOSCO
Encaminhamos a resposta para sua mensagem:
Prezado(a) Senhor(a),
Maria Angelica de Castro magalhaes
Se ainda houver dúvida, gentileza fazer novo contato.
Número do Protocolo: 2010014729
Mensagem:
BOA NOITE,
PELA NOVA TABELA O PROFESSOR SERA POSICIONADA DE ACORDO COM A ESPECIALIZAÇAO QUE CREIO EU SEJA POS GRADUAÇAO E CERTIFICAÇAO. EM QUE CONSISTE ESTA CERTIFICAÇAO E QUANDO ELA OCORRERÁ?
TENHO QUASE 25 ANOS DE SERVIÇO, MEU SALARIO SERA 1320 REAIS OU SERA ACRESCIDO DE ACORDO COM O TEMPO DE SERVIÇO?OBRIGADA.
MARIA ANGELICA
Resposta:
Senhora Maria Angélica,
Em atençao ao seu questionamento informamos que a senhora deve aguardar a publicação de Resolução que regulamentará a nova tabela salarial e posicionamento do plano de carreira.
Tão logo a SRE receba orientações da SEE, apos as devidas publicações todas as orientações serão repassadas às escolas que poderão orientá-la e respondê-la. No momento, solicitamos que aguarde as orientações que também nos serão repassadas.
Att
Àgda Lúcia Teixeira Barros
Divisão de Pessoal/ SRE Nova Era
Atenciosamente,
Subsecretaria de Informações e Tecnologias Educacionais .EULER ENVIEI ESTE EMAIL PARA A SEE NEM ELA PROPRIA TA SABENDO COMO PROCEDER COM A NOVA TABELA. E O REPOSICIONAMENTO? NADA?