terça-feira, 6 de julho de 2010

Reflexões ideológicas em compasso de espera


No compasso de espera e na pausa entre as grandes mobilizações dos educadores de Minas, vou rabiscando aqui idéias que às vezes me atormentam. Conflitos que marcaram outras épocas, mas que deixaram de me perseguir na medida em que as visões foram se clareando, embora não saiba se acordei ainda, ou não.

A minha geração não viveu a plenitude da magia da década de 60 - éramos crianças demais para pensar em outra coisa que não fosse a peladinha de final de tarde e um bom banho nas cachoeiras, lagos e ribeirões ainda não poluídos como hoje. Mas, também não ficou imune, como aconteceu com as gerações seguintes, ao legado ideológico do mundo erguido após a primeira guerra mundial e a Revolução Russa de 1917, em cujo século terminara com a queda do Muro de Berlim em 1989 - e por isso mesmo fora chamado pelo historiador Hobsbawm como o "breve século XX".

As frenéticas disputas ideológicas daquele breve mas agitado século minha geração as viveu de forma mais ou menos intensa. Nos apaixonamos pela revolução cubana de 1959 - ou pelo menos, pelas versões que nos foram repassadas -, dos ousados barbudos liderados por Fidel e Che, que teriam assaltado os céus a partir da Sierra Maestra com um punhado de revolucionários. Claro que a lenda se mistura ao que ocorreu empanando parte do contexto de seculares conflitos sociais, que num dado momento resultaram naquela ruptura com a então forma dominante de poder.

A bipolarização convenientemente orquestrada entre as potências bélicas - EUA e URSS -, que dividia o mundo supostamente entre capitalismo e comunismo (a humanidade jamais transcendeu a esfera do capital, desde que este sistema fora implantado), reduzia a nossa visão a um maniqueísmo que embaçava a compreensão das muitas possibilidades e daquilo que de fato ocorria.

O legado de Outubro de 1917, quando os bolcheviques abalaram as estruturas do mundo capitalista, parecia forte demais para ser derrotado. Muitas gerações viveram e morreram ligadas ideologicamente a este legado. A ponto de erquerem seus principais líderes - Lênin, Trotsky e Stálin - à condição de uma espécie de santíssima trindade, com rituais e dogmas semelhantes às igrejas. Também eu vivi intensamente este porre ideológico - execeção feita para o stalinismo, sobre o qual minha geração herdara as mais implacáveis críticas. Embora, a posteriori, reconhecéssemos que os dois primeiros ícones da esquerda não estivessem assim tão distantes do outro.

O estado erguido na então URSS (fui o último visitante daquele país, já na era Gorbachev, num festival encantador, que durou entre 15 e 20 dias, isso em meados de 1985. Tenho a ligeira impressão de que o faraó esteve por lá nesta época, juntamente com o governador do Rio, num tempo em que já se vivia a abertura política no Brasil e que o então PCB, já sem a liderança de Carlos Prestes, convidara algumas novas lideranças de centro e da direita para fazer média), não passava, aquele estado, de uma forma concentrada de capitalismo de estado, embora praticasse políticas sociais que depois foram copiadas por outros países assumidamente capitalistas.

A silenciosa revolução na ciência e na técnica colocou abaixo a falsa concorrência entre supostos sistemas sociais diferentes. Não foi o comunismo o derrotado na disputa entre as duas potências - EUA e a então URSS -, mas a falsa representação ideológica de um sistema que não existia. A lógica de mercado, exposta na sua quase plenitude em escala global, demonstra que o sistema vitorioso está - e estava - na verdade agonizante.

As contradições básicas apontadas pelos teóricos anarquistas e comunistas, especialmenmte Karl Marx, não foram superadas. A reprodução do capital se dá através da exploração da mais-valia, da concentração de capitais, numa disputa cega entre os próprios grupos monopolistas, que opõe uma minoria que se apropria da maior parte das fontes de vida e das riquezas produzidas à grande maioria de trabalhadores-assalariados, que são aqueles que produzem as riquezas. Além disso, a técnica tornou sem utilidade um terço da mão-de-obra ativa existente no planeta.

Num futuro que já é presente teremos que pensar em assegurar remuneração e meios condignos de vida para uma parcela considerável de pessoas sem ocupação para o mercado. Daí a importância da luta combinada pela redução da jornada de trabalho e pela apropriação dos tempos fora do mercado, como tempos úteis para a humanidade, como o lazer, a arte e a política como expressão da auto-organização social, e não da politicagem de negociatas.

Já não se trata mais de construir um modelo pronto de sistema - socialismo, comunismo, anarquismo, ou qualquer outro "ismo" - mas, de transformar o cotidiano num mundo melhor, tendo como referência a crítica radical dos conflitos existentes no capitalismo. A luta pelo controle social dos instrumentos de estado, bem como pelos espaços físicos e por salários mais justos se coaduna numa mesma causa. Cada espaço conquistado pelos assalariados-explorados (incluindo os desempregados e aposentados) nessas duas esferas - na política e na economia - representa uma conquista sobre o inimigo de classe, o capital e seus agentes nos monopólios privados e na alta hierarquia das esferas públicas.

Numa luta que não espera pelo amanhã, mas constrói a cada dia, um mundo melhor para todos, até que o sistema reinante se desmorone de vez.

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