terça-feira, 13 de julho de 2010

Entre gansos e marrecos


Nestes dias de pouca atividade bate aquela falta de inspiração, quando, dizem, devemos buscar em nós mesmos, ou na nossa aldeia, as respostas para os problemas e conflitos. Não encontrei a crônica da marcha do MST que agora tenho certeza da data: 1997 - lembrei-me desta data quando conferi meu cartão de vacina e lá consta que em 2007 recebi uma dose contra a febre amarela, exatamente 10 anos depois da dose anterior, que recebi na entrada da Capital brasileira, como recepção aos visitantes pouco desejados pelo então (des)governo FHC.

Como ainda não encontrei a crônica, remexendo os arquivos, encontro outro texto, um tanto pitoresco, que escrevi em função de uma esdrúxula lei criada no ano de 1999, portanto há 11 anos, aqui em Vespasiano, que proibia a criação de gansos e marrecos na área central da cidade. Soube, mais tarde, que a tal lei foi feita em função do pedido de uma vereadora que estaria indignada com um vizinho criador de gansos. kuákuákuá. Só em Vespasiano mesmo que essas coisas acontecem. Um ex-prefeito certa feita proibiu manifestações e passeatas em frente a órgãos públicos. Claro que nós nunca obedecemos o tal decreto e fizemos inúmeros atos públicos em frente à prefeitura, Câmara Municipal e a quaisquer órgaos que fossem dignos de se azarar.

Mais recentemente, por aqui, os vereadores proibiram filmagens e fotos das reuniões dos ilustres edis, pois um cidadão estaria filmando e divulgando as bobagens ditas naquela Casa. Outro dia recebi também a denúncia do colega Rogério Pinto Santos - o Rogério do PT - de que a Prefeitura estaria exigindo do cidadão o cartão do SUS para atendimento médico, marcação de consultas e distribuição de remédios. O que não é legal, nos dois sentidos.

Enfim, Vespasiano é uma cidade como muitas outras deste interiorzão de Minas, apesar da proximidade com a Capital. Aliás, quando frequentava BH assiduamente dizia para meus colegas belo-horizontinos que achava aquela cidade maravilhosa, mas que BH parecia mais um interior crescido, um interiorzão, do que um grande centro urbano. Eles torciam a cara e o nariz para mim e devolviam dizendo que interior mesmo era Vespasiano. E claro que eu concordava com eles: Vespasiano para mim será eternamente aquele arraial que abrigou meus tataravós e outros tantos moradores que para cá vieram, em diferentes épocas. Mas, vamos ao texto que escrevi em 1999 e que foi publicado num jornal local:

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Entre Gansos e Marrecos

Vespasiano surpreende às vezes pelo quesito originalidade. Desde muito novo sempre tive em conta esta característica de uma cidade capaz de, de uma forma ou de outra, surpreender. A pequena cidade, que brotara de um menor ainda arraial, tornara-se um espaço de grandes emoções. As próprias características de uma comunidade que nascera da chegada de imigrantes, da linha férrea, da exploração da cal e da lavoura – e também pela proximidade com a capital mineira – tornaram este pedaço de terra um lugar promissor.

Quando olho as fotos antigas de Vespasiano, viajo no tempo e no espaço. A chegada de pessoas na estação ferroviária, as excursões das primeiras famílias para as muitas áreas verdes antes existentes; os trajes da época. No meu tempo de criança senti um pouco o gostinho daquele lugarejo que, como tudo na vida, deixou de existir. A convivência amistosa entre pessoas, cavalos, patos, gansos e cães nas ruas da cidade era algo comum. [Até jacaré havia, acrescente-se agora].

O melhor meio de transporte não eram os modernos carros nem as desagradáveis lotações; era a sola do sapato mesmo. Melhor ainda: a sola do pé, já que se andava muito descalço pelas ruas e pelas matas, facilitando o mergulho pelo Ribeirão da Mata, que era limpo e no qual podia-se nadar e pescar.


Mas dizia das surpresas de Vespasiano. Tínhamos muitas, antigamente. No futebol, a cidade tornou-se um celeiro: Bandejão, Buião, Éder, Marcílio Faraj, Luiz Gustavo (neto de Afonso Bandejão), além do meu tio Batista, que, segundo dizem, era cracão de bola mas não quis se tornar jogador profissional. E um quase sem número de outros bons atletas poderiam ser citados. No carnaval, a cidade surpreendia aos turistas e a nós também, pela criatividade. A sadia disputa entre os blocos do Funil e do Clube, as belíssimas fantasias que consumiam trabalho engenhoso de gente talentosa. Enfim, Vespasiano era boa, brilhava, pode-se afirmar, naquilo que o Brasil era mais conhecido: no carnaval e no futebol. Era boa também no quesito solidariedade – entre os daqui e com os que vinham de fora; as pessoas tinham mais tempo para se gostarem e gostarem mais umas das outras.

A modernidade dos tempos atuais, mundializada pela mesma lógica do chamado “progresso”, trouxe mudanças também para o antigo arraial. Algumas boas – a cidade cresceu, mais gente nova mudou-se para cá, aumentou e diversificou a oferta de bens, etc., etc. Ao lado disto, contudo, a cidade tornara-se conhecida, também, pela poluição, pela renhida disputa de poder, não mais pelo poder, mas principalmente pelos benefícios pessoais gerados por este; e, mais recentemente, vem sendo conhecida pela tentativa de proibir a criação, no perímetro urbano, de gansos e marrecos. Não entendi bem a iniciativa, apesar de reconhecer nela uma originalidade característica do nosso querido arraial.

Se o motivo [para tal proibição] é o mau cheiro dos pobres gansos e marrecos, deveriam, ao invés de propor a sua expulsão, que se lhes dessem banhos freqüentes, um a cada semana, por exemplo. Se o motivo é o barulho, torna-se injusto querer exigir a lei do silêncio de forma discriminatória apenas para os gansos e marrecos. Em todos os sentidos, não há cidade mais barulhenta do que a nossa atual Vespasiano. Músicas sertanejas, forrós e congêneres, atravessam madrugada afora e adentro; foguetórios, buzinaços, isto sem falar no apito do trem que tornou-se mais longo depois que a privatização da Rede Ferroviária expulsou os guardas que sinalizavam na travessia. Por que será que só os gansos devem pagar o pato? Bons tempos aqueles em que pessoas, cavalos, bois, micos, galinhas, gansos e marrecos conviviam harmoniosamente pelas ruas da cidade."

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Leiam também:

Sind-UTE/MG realiza ato conjunto do funcionalismo público estadual, em Belo Horizonte (hoje, dia 13, a partir das 14h).

A coluna do colega Wladmir Coelho: "Em Minas não vale o que está escrito".

Do blog Educação Encarcerada: "Transtorno mental afasta 10% dos docentes, diz estudo".

Um comentário:

  1. Quem, quem, quem, voltando e sem ter o que falar é só concordar... Falar que está fazendo é fácil, gostaria de ver os resultados e estes são cheios de dedos e desculpas. O melhor mesmo é aguardar o ano que vem...Existe um vazio muito grande em tudo. É fazer o que? Bjs

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