domingo, 11 de julho de 2010

Caminhadas de julho


No compasso de espera entre uma batalha e outra, até o ato do dia 13 de julho pelo pagamento da reposição, e entre um e outro tema de interesse dos educadores vou reproduzindo algumas crônicas que escrevi.

Na verdade estava atrás de um texto que redigi sobre a marcha dos sem-terra até Brasiília, da qual participei na parte final, não me lembro se foi a de 1997 ou a de 2.000. Mas, não o encontrei, ainda. Então vai este, que aconteceu no mês de julho de 2002, quando eu mantinha contato com uma turma muito doida e bacana ao mesmo tempo, formada por punks, anarquistas e indivíduos anticapitalistas.

Quase toda semana a gente se reunia numa praça pública em BH, travava discussão sobre temas variados, planejávamos organizar uma rádio livre, que infelizmente não deu. Depois perdemos os contatos, mas guardo destes camaradas as melhores lembranças e tenho a impressão de que a recíproca é verdadeira, apesar das diferentes origens - eu, um ex-militante comunista, bem mais idoso do que eles; eles, uma geração nova de anarquistas. Comunistas e anarquistas sempre tiveram rivalidades históricas, teóricas e práticas. Havia também um ex-militante trotskista, este já da minha geração, o que acabava gerando ricos debates, com uma troca de experiência muito bacana. A base dos nossos contatos era a confiança e o respeito mútuo. E lógico, o desejo comum de lutar contra o sistema. Descobrimos ter mais coisas em comum do que divergências, para além do dogmatismo ideológico que às vezes cega e entorpece a mente.

Bom, feito este preâmbulo, transcrevo a pequena crônica que redigi num destes encontros com os camaradas citados:

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"Caminhadas de julho

Férias de julho impõem sempre uma nova rotina. Como, no momento, não posso pensar em longas viagens, por mares nunca dantes navegados, fico por aqui mesmo, a caminhar sem rumo e sem destino.

Planejava visitar a capital dos mineiros. O que antes se fazia de trem – depois de uma sempre agradável e romântica espera na Estação Ferroviária –, hoje se faz nos vermelhões enlatados. Dragão de aço que bafeja fumaça escura e sai engolindo gente nas quebradas.


Saltei no penúltimo ponto de Belô. Caminhei sem parar até o conhecido edifício Maleta. Lá chegando, à minha espera estava uma tropa de choque. Sem farda nem fuzil. Um bando, talvez, reunindo punks e outros tantos indivíduos que não dão a mínima para os padrões estéticos vigentes – embora, alguns deles façam do próprio corpo uma estética um tanto quanto ousada. Uma turma jovem que se recusa a comer carne, mais por razões filosóficas e criticamente consciente do que propriamente por razões de saúde, ou por modismo. Estou enferrujado demais – ainda – para aderir a essa boa prática.

Mas, continuamos a caminhada.
Passamos pela Praça da Liberdade, onde muitas seitas e muitos grupos ali se encontram. De anarco-punks, passando por modalidades mais suaves de hard-core, sem falar nos habituais pregadores do evangelho. A conversa se desenrola, até que decidimos passar no Palácio das Artes.

Nova caminhada. Filme, Internet e pipoca grátis estavam previstos. Corre a notícia de um show na linha hard-core na Savassi. A turma que me acompanha - ou a qual eu acompanho –, não curte muito qualquer forma de veículo motorizado. Do Palácio das Artes vamos até a tal casa.

Já havíamos navegado nas ondas do cinema - curta metragem - e nas ondas virtuais da Internet. Postamos mensagens de crítica ao que se passa no mundo. Um debate sem fronteiras é travado. Gente de toda parte se comunica, se entende e se desentende. Faz parte. Mas ainda há fronteiras: as do capital e do seu cotidiano infernal, que nos submetem à permanente troca de mercadorias como fim em si mesmo. Nos tornam máquinas e matam um pouco - muito, aliás - nosso lado humano, nossas qualidades sensíveis, nossas diferenças.


Nada como uma nova caminhada para limpar a mente e conspirar contra essa realidade. O grupo se direciona para a casa onde rola o show. Dizem que há canjica e quentão. Julho é inverno. Curtimos de montão.

A caminhada de volta vai mostrando contrastes pela estrada. Carros importados e gente na calçada, famélicos, a pedir alguma prata. A luz da lua, fraca naquele dia, não conseguiu despir o véu da noite, a mostrar os contrastes ainda maiores.

Próximo ao bairro nobre, amontoados de gente em cortiços, sem rua, sem asfalto, sem nada. A geografia física reflete a vida real, da tremenda disparidade social. Todos são chamados a produzir socialmente - trabalhar, trabalhar, trabalhar -, produzindo tudo o que há à nossa volta. Poucos, contudo, serão os escolhidos pelo Deus-mercado.


Tarde da noite, depois da aventura de encontrar tanta gente boa, e de viver cada instante contido nesses momentos - ou cada momento contido naqueles instantes - caminho de volta ao ponto que antes seria uma Estação.

A longa fila aguarda o enlatado vermelho. A companhia dos que freqüentam o dragão de aço supera e faz esquecer qualquer desprezo pela ausência de conforto naqueles veículos. A gente que ali freqüenta, em geral, tem, cada uma, uma história tão rica pra contar que daria para escrever uma outra crônica em cada uma dessas viagens. Mas, deixemos para outro dia por que agora estou quase dormindo. E o frio me arrasta para dentro do cobertor. Irresistível. Até a próxima, então. Beijos.


Julho de 2002.
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Leiam também o Blog da Cris: Faltam professores de Ciências exatas e biológicas nas escolas do país.


Sind-UTE lança campanha pela sindicalização dos educadores mineiros. Clique aqui e veja o cartaz.

Leiam e copiem aqui o Informativo do Sind-UTE de Ipatinga, única cidade de Minas (talvez até do Brasil) cujos educadores em luta conquistaram o piso salarial do magistério, que virou lei em 2008 para inglês ver, nesta republiqueta de banqueiros e empreiteiros e latifundiários do agronegócio.


3 comentários:

  1. Uma dúvida: Descontam anualmente um dia no nosso salário ( creio que mês de março, para o sindicato)...tenho quase certeza que esse minguado dinheirinho não chega ao SIND-Ute. Saberia alguém me informar para onde vai o "desconto"?.
    Professores do interiorzão, só ficam sabendo das notícias através de blogs como o seu...quando tem sorte de conseguir um computador e se arriscam pagar (e muito) por conexões lentinhas via celular.
    Pelo menos aqui na minha escola, estamos analisando, mesmo que individualmente as atividades, leis e 10-mandos. Seu Blog se tornando referência...e foi descoberto quase que por pura sorte...uma vez que tenho sobrinhos que estudam no "Machado de Assis". Aí cuidei de espalhar seu endereço entre colegas.
    Sobre falta de professores, já postei no Blog da colega CRIS.
    Pena que parece que os colegas não estão se manifestando tanto!!!!Estariam contentes ou perderam de vez a esperança????
    Ótima tarde para vc.

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  2. João Paulo Ferreira de Assis12 de julho de 2010 às 21:27

    Falando da marcha dos sem-terra, foi em 1999, tenho certeza. Foi no dia 11 de agosto, dia previsto pelos ''videntes'' para o mundo acabar. As crianças de Ressaquinha, onde eu lecionava na época, ficaram tensas, com muito medo. Exatamente no último dia, o MST passou por Ressaquinha na sua marcha. Foi um presente de Deus para tranquilizar as crianças. Enquanto estas viam o MST passar, se esqueciam do ''fim do mundo''.

    Agora mudando o assunto. Sobre o desconto de um dia de trabalho nos nossos contracheques, é preciso que alguém credenciado nos informe para onde vai esse dinheiro. Até porque em Minas Gerais há a cruel tradição de se apossar do dinheiro alheio. Vide o que aconteceu com as rendas do Real Subsídio Literário, descontado dos açougueiros para pagar os mestres régios, que lecionaram 30 anos e não receberam um só ordenado!

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  3. Olá, Yvone e João Paulo!

    Obrigado pela visita. Yvone, sobre a contribuição sindical obrigatória, que constitui um absurdo e o próprio sind-UTE é contra esta cobrança, parece-me que ela é depositada em juízo, já que outras entidades, além do nosso sindicato, reivindicam a sua posse. Outro absurdo, já que estas entidades não nos representam.

    Caro João, obrigado por lembrar a data da marcha dos sem-terra. Mas, me parece que em 2007 houve uma marcha também e tenho a ligeira impressão que foi nesta que eu fui. Só me lembro disso porque em 2007 renovei a vacina contra a febre amarela, justamente 10 anos após a dose anterior, que aconteceu na entrada de Brasília.

    Por volta de 5h da madrugada o ônibus parou e fomos despertados para tomar a vacina que provocou em alguns febre e dor de cabeça durante o dia de sol e caminhada pelas ruas da Capital do país.

    E aquela história de fim do mundo - kkkkkk - realmente houve muito sensacionalismo sobre este tema na "virada" do século, a ponto de termos que explicar para nossos alunos, repetidamente, sobre os diferentes calendários. Mas, crença é crença, né? Ainda bem que o mundo ainda não acabou, kkkk.

    Um abraço,

    Euler

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