O impasse vivido com educadores mineiros em greve revela o fiasco dos poderes constituídos e do sistema que os mantém

O impasse vivido com educadores mineiros em greve revela o fiasco dos poderes constituídos e do sistema que os mantém

Outro dia tive a infelicidade de assistir à parte final de uma entrevista concedida ao jornalista Roberto Dávila pelo projeto de ditador que governa Minas Gerais. Quando o jornalista indagou sobre a visão de justiça social que ele teria, o entrevistado disse que a melhor forma de garantir a distribuição de renda seria através da prestação de serviços públicos de qualidade. Não acredito que ele próprio acredite em uma só palavra do que acabara proferindo.

Como pode alguém sugerir que justiça social seja praticada com serviços públicos de qualidade, quando em Minas, estado onde ele governa, os educadores e demais servidores são tratados com total descaso e humilhação, tal como estamos assistindo nestes últimos 8 anos e meio de gestão Aécio/Anastasia?

Vivemos uma crise sistêmica em fase terminal, quando os poderes constituídos estão corrompidos, e a representação eleitoral tornou-se o mecanismo da negação daquilo a que se propõe. Alguém que seja eleito governador ou presidente da República; deputado ou senador, torna-se, na prática, mero instrumento das elites dominantes que massacram a maioria da população que elege estes indivíduos. Na disputa pelo orçamento público, das receitas arrancadas dos impostos que todos nós pagamos, uma minoria privilegiada usa de todos os mecanismos legais, ilegais e imorais para não abrirem mão das fatias de privilégios e recursos a que abocanham.

Vejam o mau exemplo de Minas Gerais, que se tornou vergonha nacional e internacional em relação ao tratamento dispensado aos educadores em greve pelo cumprimento de uma lei federal, que teve sua aprovação, promulgação e constitucionalidade asseguradas pelos três poderes da União - e mesmo assim é descumprida, sem que nada aconteça ao governante de plantão.

A Educação pública de qualidade, sinônimo de educadores valorizados, estimulados, preparados, dizem, é a porta de saída da maioria pobre da população da exclusão a que está submetida. É o espaço fundamental para a formação crítica das pessoas, para a compreensão dos direitos de cidadania garantidos pela Carta Magna; e é também o local para a formação profissional, capaz de assegurar mobilidade social a todos. Esta é a compreensão básica da Educação pública, e por consequência, investir na Educação e na valorização dos educadores que a produzem, deveria ser - deveria ser, mas não o é - a principal razão de ser dos poderes constituídos.

O que estamos assistindo em Minas Gerais e no Brasil é a negação disso. O déspota que ora ocupa o poder em Minas Gerais, apadrinhado por outro não menos ditador e serviçal das elites, pratica as mais diferentes ilegalidades e crimes lesa-humanidade. Vou enumerá-los, alguns, pelo menos, para não dizerem que não fundamentei a acusação a que faço neste post:

1) descumpre uma lei federal, a lei 11.738/2008, que institui o piso salarial nacional dois educadores, que determina a implantação, no mínimo, do valor proporcional do piso, enquanto vencimento básico, respeitando-se a carreira existente no estado, e aplicando também o terço de tempo extraclasse para atividades fora da sala de aula. Nada disso foi cumprido em Minas Gerais, onde os professores recebem de piso salarial para o profissional com ensino médio a ridícula soma de R$ 369,00 - abaixo, portanto, até mesmo do que o salário mínimo vigente no país; e o governo encaminhou para a Assembleia Legislativa projeto de lei que acaba com a carreira dos educadores;

2) descumpre a Lei de Greve, quando, em plena legalidade da greve, o governo determinou o corte dos salários, e a substituição dos trabalhadores em greve, por pessoas não habilitadas para lecionar, agredindo frontalmente a lei federal e as leis educadionais;

3) descumpre a Carta Magna do país, quando determinou a redução salarial daqueles que optaram pelo sistema de Vencimento Básico, não aceitando o subsídio, sinônimo de confisco salarial, imposto pelo governo;

4) pratica crimes lesa-humanidade, tais como: tortura psicológica, chantagem, assédio moral, crueldade e privação de direitos à sobrevivência e à própria Educação, que deveria ser garantida aos alunos, que é um dever do estado e um direito do cidadão.

O governo usou e abusou dos mais diferentes mecanismos de coação, chantagem e tortura psicológica contra os educadores. Colocou os diretores das escolas para telefonarem para os grevistas, dizendo-lhes que eles seriam demitidos caso não voltassem e que seriam substituídos por contratados. O governo praticou crueldade contra os educadores, ao cortar salários e com isso a sua única fonte de sobrevivência. Chegou ao absurdo de impedir que estes profissionais retornassem para assumir as aulas oferecidas aos substitutos, salvo se assinassem um termo vergonhoso, ilegal e imoral, que agride a lei de greve vigente.

Além disso, o governo financiou uma extensa e intensa campanha publicitária difamatória contra os educadores em greve, tentando jogar os pais de alunos contra estes educadores, generalizando na falsa acusação de que os educadores não cumpriram em 2010 o calendário de reposição de aulas; mentindo em relação ao não cumprimento da Lei do Piso pelo governo, quando afirma que paga até mais do que o piso através do subsídio, e ao mesmo tempo diz, num paradoxo, que o cumprimento da lei (que maldosamente o governo diz se tratar de "proposta" do sindicato), se realizada, teria um custo adicional de mais de R$ 2 bilhões.

E finalmente, ainda no âmbito dos crimes lesa-humanidade, o governo colocou batalhões de choque para reprimir as manifestações pacíficas realizadas pelos educadores em greve, tanto em frente à Cidade Administrativa, quanto na antiga Praça da Liberdade, hoje conhecida como Praça da Repressão. Bombas de gás lacrimogênio, gás de pimenta, balas de borracha e agressão física foram praticados contra indefesos e pacíficos manifestantes.

A greve dos educadores, que já dura 109 dias, acabou evidenciando o caráter e o conteúdo dos poderes constituídos em Minas e no Brasil. Diante da intransigência do governo em cumprir uma lei federal, prejudicando milhares de educadores e milhões de alunos e pais de alunos, o que fizeram os chefes dos poderes constituídos? Juntaram-se ao governante para massacrar ainda mais os educadores e os alunos. Hoje, nós temos educadores há três meses sem salário, ameaçados de demissão, sem recursos para sobrevivência, sem qualquer estímulo para continuarem na carreira e muito abalados emocionalmente. Temos colegas acorrentados, em vigília na ALMG e até em greve de fome.

Ao mesmo tempo, nós temos milhares de estudantes e seus pais prejudicados não apenas pela perda do ano letivo, que para se completar, terá que atravessar os primeiros meses de 2012. Estão prejudicados também porque estão assistindo publicamente ao desgaste a que os professores e demais educadores estão sendo submetidos pelo governo. Que educação pública de qualidade se pode esperar, quando o governante trata com tal descaso e humilhação aos educadores, responsáveis pela produção de uma suposta educação de qualidade?

Portanto, Minas se tornou emblemática ao revelar o fracasso do sistema político, social e educacional. Tanto em relação às autoridades constituídas no alto escalão mineiro, quanto em relação àquelas que ocupam tais cargos na esfera federal. Afinal, por aqui passaram a presidenta da República, seu ministro da Educação, seus assessores - muitos dos quais mineiros - e não se ouviu, da parte deles, um único gesto público de apoio ao nosso movimento e de cobrança do governante, para que este cumpra a lei federal. Simplesmente receber a direção sindical para uma reunião informal não resolve nada. Haveria que se realizar uma declaração pública de desconforto pelo que se passa em Minas, de defesa da legalidade agredida no estado. Mas, não. Todos os agentes da esfera federal, dos três poderes, continuam omissos, inertes, de forma pusilânime e cúmplice com o déspota regional e sua trupe.

Ora, diante de toda essa dramática realidade, só nos resta mesmo continuar a nossa luta, envolvendo mais pessoas da comunidade e construindo um movimento pela base, para que repensemos o tipo de sociedade a que estamos submetidos. Sociedade na qual os poderes constituídos se voltam contra os cidadãos; quando e onde os valores estão invertidos, uma vez que, aquele que luta pela legalidade é punido, e o que pratica a ilegalidade e o crime é protegido pelas autoridades.

Ora, a nossa sociedade está doente. Nem vou abordar aqui, como consequência deste quadro trágico, as realidades das injustiças sociais e da má distribuição e repartição da renda, quando milhões que produzem as riquezas são privados delas, enquanto a minoria que nada faz se apropria de quase tudo. Isso acaba se tornando uma consequência deste sistema, que exige a nossa reflexão cotidiana.

Por isso, não podemos abrir mão do direito ao piso e à carreira, que neste cenário, materializam-se numa forma de resistência e de possibilidade até de continuarmos vivos, lutando e construindo o sonho de um mundo melhor para todos.

Que nos próximos dias saibamos celebrar, ante às injustiças e práticas condenáveis dos governantes e seus agentes, a nossa disposição de continuar resistindo e combatendo. Construindo assim, a unidade dos de baixo contra os nossos algozes. Que saibamos nos ajudar, fortalecendo a nossa luta e construindo mecanismos de proteção, de ajuda mútua e de solidariedade entre os de baixo.


Viva os bravos e bravas educadores em greve em Minas Gerais!
Viva a nossa heroica greve!
Viva a unidade dos de baixo, que se constrói e se fortalece a cada dia!

Um forte abraço a todos, força na luta e até a nossa vitória!

***

Transcrevo e incorporo ao texto acima uma carta que recebi da combativa estudante da UFMG FERNANDA RODRIGUES em apoio à nossa luta. Agradecemos a manifestação e o engajamento da futura colega, que antes de ingressar na nossa carreira, já demonstra sensibilidade e grandeza. Já a incluo desde já como integrante do nosso NDG.

"Bom dia professor, tudo bom?

Em primeiro lugar meus parabéns pela luta e pela divulgação tão bem feita dessa luta.

Sou aluna da UFMG e conversamos um pouco no final do debate de quinta-feira (que aliás foi muito bom!).

Venho acompanhando a luta e me envolvi demais, pelo bem da verdade e da justiça. Passei uma noite na vigília e me surpreendi mais uma vez com a garra e a alegria de vida da categoria.

Enfim, tudo isso é pra mim muito emocionante e valoroso e eu escrevi algumas palavras de apoio ao movimento e eu queria pedir pra que, quando você pudesse, desse uma lida e me ajudasse a pensar se essas palavras podem ser de alguma valia em algum momento.

Abraços,

Fernanda.

Queridos guerreiros,

Eu não sei se essas palavras ajudarão vocês em alguma coisa. Já é tanta mentira, tanta injustiça, enfim, tanto mal que eu já desconheço a quantidade de bem necessário para neutralizar um pouco essa história.

Mas, me desculpem o egoísmo, preciso me ajudar. Eu preciso, eu necessito falar, escrever e gritar contra tudo o que tem acontecido. Eu necessito tirar de mim toda a força que possuo e entregar para vocês (não que vocês pareçam precisar) para que vocês continuem administrando essa nossa chance de nos levantarmos contra os gigantes e mostrar que independentemente do tamanho da repressão imposta, sempre haverá espaço para a luta pela verdade e o bem.

Preciso agradecer, imensamente, por tudo o que fizeram e fazem por mim. Obrigada por me ensinarem a ler, a escrever e por me ensinarem a importância que isso deveria ter em minha vida. Obrigada por me colocarem na universidade que hoje estudo. Obrigada por perguntar o que havia de errado comigo quando eu não estava bem e por me ensinarem, assim a importância de se preocupar com o outro. Obrigada pela lição de cidadania e por defender com tanta garra a melhoria do meu país em sua maior capacidade de mudança: a educação. Mas, mais que tudo isso, muitíssimo obrigada pela lição de vida. Por me mostrarem o que é a verdadeira fé, a força, a alegria e o otimismo diante das dificuldades.

Quando o governo desvalorizou tanto a educação, acabou criando aquilo que ele chamaria de “monstros”: profissionais que não consegue mais controlar, nem entender a incapacidade de desistir diante de tantas retaliações e ameaças. O governo não entende porque nunca teve que enfrentar a precariedade da infraestrutura das salas de aulas, a ingratidão de alguns pais e o desinteresse de alguns alunos, nem a falta de dignidade retratada no contra-cheque. O governo nunca teve que fazer das adversidades o seu trabalho e nunca teve que extrair dessas cada vitória e motivação para seguir em frente. Isso o governo – e que perda para ele por isso – não entende e, logo, não entende que não iremos desistir!

Finalizo, enfim, me emocionando e agradecendo mais uma vez por não pararem de me ensinar nunca. Até aproximadamente 100 dias atrás, nem me passava pela cabeça dar aulas. Hoje já me vinculei à licenciatura e aguardo ansiosamente o dia em que terei a honra de dizer que sou uma de vocês!

Muita força companheiros,

O grito de força de vocês é o meu grito e o grito de todo cidadão brasileiro!

Um forte abraço e até a vitória!

Fernanda Rodrigues – Estudante de ciências sociais UFMG".