sábado, 26 de junho de 2010

De sonhos e de lutas - Uma análise pessoal


Primeira parte - Os personagens

O que há de bom no nosso caminhar nunca morre. Na histórica greve dos 47 dias e nos dias que a sucederam travei contatos com muita gente, alguns que conheci agora, outros de outros carnavais. Fui puxando o fio deste tecido social que interliga a nossa caminhada de viventes ambulantes, ainda que aparentemente sedentários, fixados em um endereço qualquer. É bom ter raízes que nos ligam à cultura de um povo, aos costumes, aos valores, mesmo quando não concordamos com tudo quanto nos tornamos parte, seja como construtores ou demolidores.

Cada personagem traz retalhos de tempos que se interligam no passado e no presente, carregando versões de muitas histórias e estórias. Retalhos de outros tempos foram sendo colhidos, tal como um plantador que colhe os frutos, nestes encontros que tivemos com tantos colegas de carreira.

Com João Martinho, um encontro periódico de muitas lutas sociais, sempre ao lado dos oprimidos. Martinho, um dos líderes do nosso movimento da educação, militou no MNU - Movimento Negro Unificado - e participou das "comemorações", ainda na era FHC, dos 500 anos da tal "descoberta" do Brasil, que não foi mais do que a ocupação européia para fins comerciais, num processo de construção e expansão do nascente capitalismo. Foi tratado como os negros e os índios de então, recebido à bala de borracha pela polícia das elites, que salpicou seu corpo com marcas de sangue. Continua na luta, da qual não se aposenta.

Encontrei também o Wladmir, hoje mestre de Direito e História, com quem militei na tenra juventude que buscava o socialismo. Com ele, conheci uma sobrinha-neta do líder sindical comunista Sinval Bambirra, com quem tive a honra de partilhar muitas lutas após o seu retorno de um exílio forçado pela ditadura civil-militar de 1964. Mesmo não concordando com o velho e otimista Bambirra em muitas questões - ele sabia que eu era sempre mais radical e mais à esquerda -, gostava de papear com ele, que me dava lições de otimismo. Ele depositava em mim total confiança em relação às tarefas de organização e políticas que na época partilhávamos. Bom saber que o Wladmir está na luta comum dos educadores de Minas. E a sobrinha-neta do Bambirra, também.

Outro que econcontrei por estas caminhadas foi o colega Gilberto, que conheci há quase duas décadas. Gilberto fora injustamente demitido da Copasa pelo então capacho do desgovernador Newton Cardoso, pelo crime de compor uma oposição sindical à então direção pelega do Sindágua na década de 80. Na época, como militante de uma CUT que não é esta atual, participei e apoei a nascente oposição sindical na Copasa, com Gilberto, Bete, Edilene, Lurdinha, Dário e tantos outros combativos colegas que perderam emprego e pedaços de sua sobrevivência. Mas, ganharam outras perspectivas. Gilberto tornou-se um educador, professor de História, e continua na luta. Um valente, um organizador. Um líder do nosso movimento. Me lembro quando os diretores da Copasa, zangados, quando foram derrotados numa assembléia que a oposição valentemente conquistou, pelo convencimento, a maioria dos trabalhadores. Em resposta, os capachos de Newtão convocaram os engenheiros-chefes que encheram os ônibus de trabalhadores de baixa renda para aprovarem no grito a proposta do chefes. Um massacre, seguido das demissões, com a truculência e a falta de respetio habitual aos senhores de engenho dos tempos modernos.

E assim foi essa jornada, um reencontro com muita gente bonita, corajosa, que construiu esta luta de forma apaixonada. O movimento que era por salário - e continua sendo por um salaŕio mais decente - acabou se transformando, incorporando, literalmente, essas muitas faces de uma gente que tem sonhos, que traz no corpo e na alma os mais belos ideais de uma sociedade que não se conforma com a injustiça, a desigualdade, a canalhice das elites dominantes.

O nosso movimento revelou também uma forte liderança, emergente, a da companheira Beatriz, coordenadora do Sind-UTE. Conheço pouco a Beatriz, a não ser que está ligada á corrente majoritária do Sind-UTE desde o começo. Para mim, que não estou envolvido diretamente nas lutas internas do sindicato - já estive em outra época, não mais - esta questão tem pouca importância. Gosto de analisar e perceber as coisas e as pessoas pela sua atuação no momento, sobretudo nos grandes e decisivos embates. E a Beatriz teve um papel muito importante, pela capacidade que tem de se comunicar, pela firmeza e coerência com que conduziu os trabalhos, pela confiança que inspira e pela forma direta e objetiva com que coloca as coisas. Além disso, ao contrário de outros/outras dirigentes do Sind-UTE de outras épocas, não se deixou envolver em questões pendentes das lutas internas, evitando a chamada "lavação de roupa" em praça pública e poupando assim a categoria daquilo que não era o nosso foco central. Bia é uma das estrelas principais do nosso movimento, desse movimento que é uma constelação de lideranças.

Outros companheiros que reencontrei neste movimento, com os quais também não tenho convivência, mas já os conhecia de outras jornadas de luta são os companheiros da oposição sindical, como a companheira Rosa, sempre combativa, inspirada para cantar e encantar, defendendo com destemor suas idéias e princípios. Uma valente. O companheiro Fábio do PCB é outro colega de muito valor e coragem. Os colegas da Conlutas, igualmente valorosos lutadores em prol da nossa luta. E, finalmente, os combativos companheiros da Liga Camponesa, outra importante corrente que atua no nosso movimento. Por mais que possamos divergir das leituras e dos encaminhamentos que eles propõem, não há como não respeitar o espírito de combate e a entrega apaixonada pela causa dos educadores e dos assalariados em geral.

Devo confessar: senti falta dos anarquistas. Travei contato há algum tempo com um grupo anarco-punk de BH e aprendi a respeitá-los e deles trago ainda hoje as melhores lembranças e propostas de luta de uma sociedade sem estado e sem mercado. Minha formação marxista era (é ainda) marcada por algumas análises coerentes, mas também por muitos dogmas, entre os quais o preconceito em relação às correntes anarquistas. Um equívoco que corrigi. E confesso: o nosso movimento seria melhor, mais rico, se os anarquistas estivessem presentes, com seu calor libertário e vontade de enfrentar os agentes do estado de forma despojada.

Na metade da nossa greve recebo um e-mail de um amigo e ex-companheiro de militância - num tempo em que eu militava organizadamente, já faz tempo isso! - o PP - Pedro Paulo, que mora hoje em São Paulo e leciona em universidade. Lembrei-me de uma cena pitoresca: há mais ou menos uns vinte e poucos anos, em plena Copa do Mundo. Sentados num boteco de BH, enquanto as mesas eram ocupadas por torcedores uniformizados que gritavam ou sofriam a cada lance de um dos jogos do time verde-amarelo, PP e eu terminávamos as teses para uma conferência de revolucinários (ou pretensamente revolucionários). As pessoas olhavam pra gente como seres de outro planeta. E a recíproca era mais ou menos a mesma.

Agora, quando os deputados votam o nosso destino em plena Copa do Mundo, lá estamos nós novamente, como seres alienígenas, a pensar e a brigar por coisas que parecem estranhas para o cotidiano tomado pelas vuvuzelas. Mas, devo fazer uma nova confissão: até nisso, na torcida aparentemente cega durante a Copa, o Brasil mudou, amadureceu, apesar dos Galvões Buenos da vida e das manipulações globais. Já não é tão estranho assim torcer pelo Brasil e ao mesmo tempo lutar por um salário mais justo.

E muitas outras lideranças novas e antigas se encontraram nesta luta apaixonada na qual nos envolvemos com emoção e com razão. Vou citar alguns nomes apenas de pessoas mais próximas da nossa atuação, sempre cometendo o pecado de não mencionar uma centena pelo menos de outros nomes: Igor Andrade (grande liderança de Venda Nova), Cristina (uma guerreira que despontou e irradiou energia para todos), Paulão (o homem que abalou a rádio Itatiaia), Alex (liderança expressiva no nosso movimento, sempre presente e cheio de iniciativa), Adriana, Carminha, Iara e Cristina (as quatro últimas, vice-diretoras presentes a todo instante da nossa luta, com bravura), Cláudia Luiza (diretora da subsede sem cuja eficiência já teríamos fechado a sede do sindicato), Carlos Alberto (outra liderança que despontou no movimento), Roque (liderança antiga no Morro Alto), Rose, Carol (combativas companheiras do Renato Azeredo), Roberto Mauro, Toninho, Elma, Paulina, Leisa, Ivanete, Cida, Janaina, Luiza Lopes, Ana Paula, Vicente (diretor de escola e grande liderança de São José da Lapa), Sílvia (outra liderança de São José com grande garra), Paulo (diretor de escola e sempre presente nas nossas lutas), Preta, Karina, Gleiferson, Antonio, Allem, Marcélia, Savoi, Gilmara, Silmara, Andreia, André, Flávia, sô Geraldo (bravo companheiro do Cesec Caieiras), Jaqueline, Andreia Faria, Anderson, Hilda, Kakau, Rogério, Jussanei, Naiade, Michelle, Eliane (valente colega) ... e tantos quantos se envolveram com todo empenho no nosso movimento. De Vespasiano, de São José, de Lagoa Santa, de Pedro Leopoldo, dos bairros de BH como Barreiro e Venda Nova, e de todas as cidades de Minas Gerais.

Foi com este material humano de alta qualidade e complexidade e sensibilidade que construimos o nosso belíssimo movimento. E é sobre este movimento, depois de ter apresentado um pouco, bem de passagem, alguns personagens que o ergueram, que passo a analisar.

Parte II - o movimento que abalou Minas Gerais

Foram muitos anos de confisco salarial, de um terrível arrocho imposto aos servidores, especialmente aos da Educação pública, pela política neoliberal do faraó e do seu vice, com o chamado choque de gestão. No início de 2010, os educadores aguardaram, com ansiedade, o anúncio de um reajuste que recuperasse em parte todos estes anos de penúria.

Havia algumas sinalizações no horizonte. O piso salarial de R$ 950,00 para professor de ensino médio já havia sido aprovado em 2008, após longos anos de luta no Congresso Nacional, embora esteja agora agarrado nas barras de um suspeitíssimo STF. O próprio governo mineiro havia anunciado em informe da SEE, no ano de 2008, que no início de 2010 o governo pagaria o piso cheio, não como teto, mas como vencimento básico sobre o qual incidiriam as gratificações.

Depois de muitos anos descrentes de tudo, desanimados, querendo largar a profissão, frustrados com inúmeras promessas não cumpridas, sem enxergar qualquer luz nas carreiras da Educação, os educadores recebem uma péssima notícia: o governo do faraó, que construiu castelos, rodovias e estradas que custaram bilhões, daria um reajuste de apenas 10% no vencimento básico dos servidores (à exceção da Polícia Militar que recebeu 15%). Foi a gota d´água para que a categoria se enchesse de vontade de lutar, de resistir, como último gesto de esperança de salvação da Educação pública em Minas.

O prenúncio das mobilizações começou na inauguração real que fizemos do Centro Administrativo, em 16 de março de 2010. Escrevi uma crônica sobre o tema (vejam o link). Naquele instante, debaixo de chuva e cercados por centenas de policiais, decidimos em assembléia marcar para o dia 08 de abril o indicativo de greve geral por tempo indeterminado. Até então, o faraó não havia anunciado os índices de reajuste - o que acabou se tornando o seu último e infeliz ato enquanto governador de Minas. Não teve ele a sensibilidade, nem no leito da morte de um mandato blindado pela conveniente e lucrativa subserviência da imprensa mineira, de um gesto final de grandeza.

Não gosto de comparar personagens, por várias razões, entre elas, porque as pessoas são difererentes, os contextos são outros, etc. Mas, não me furto aqui a uma comparação entre o faraó e Lênin, principal líder da Revolução Russa de 1917, por cujo personagem já tive grande admiração quando ainda engatinhava nos textos decorados e mal interpretados por cientistas sociais sobre o marxismo.

Dizia o historiador Isaac Deutscher num texto intitulado "Dilemas morais de Lênin", que este, no leito da morte, tivera a grandeza de pedir perdão ao povo russo por tudo quanto fizera e que poderia ter contribuído para que as pessoas atravessassem as dificuldades que viviam. Claro que isso não justificava os atos do personagem citado, especilamente aqueles relacionados com a construção de uma terrível máquina de estado que prenunciou o surgimento do stalinismo e do posterior terror que se abateu sobre os próprios comunistas e anarquistas que escreveram as mais lindas páginas de utopias e sonhos no início do século XX.

Claro que o persongem do faraó está a quilômetros-luz mesmo em relação a Lênin, mas poderia ter tido, no leito da morte do seu mandato, um gesto de grandeza, oferecendo aos servidores, especialmente aos da Educação, uma recuperação das perdas impostas nos últimos oito anos.

Minas havia crescido em arrecadação, graças em grande parte aos bons ventos da economia nacional e mundial e às políticas compensatórias do governo federal, propiciando o crescimento da receita líquida em mais de 100% no período citado. Em função desta boa fase econômica, o faraó pode construir castelos e pirâmides; pode comprar a mídia a um valor ainda não calculado, mas que provavelmente se aproxime de algo em torno de 1 bilhão de reais nos oito anos de governo, entre propaganda do executivo e das estatais sobre o controle deste.

Apesar disso, o faraó achou que poderia dar um minguado reajuste e acenar com uma futura reestruturação das carreiras da Educação, que estaria tudo bem. Passou o bastão para o atual governador e viajou para Europa em férias de 40 dias que não merecia. Julgou que voltaria e encontraria tudo como dantes, no quartel de Abrantes.

Enquanto isso, no chão da fábrica das escolas, o mundo girava...

... tal como a bela música de Geraldo Vandré e Theo de Barros, Disparada: "Mas o mundo foi rodando / Nas patas do meu cavalo / E nos sonhos Que fui sonhando / As visões se clareando / As visões se clareando / Até que um dia acordei...".

No dia 08 de abril de 2010, numa assembléia com mais de cinco mil educadores, a nossa categoria acordou para a luta, dando início a uma jornada encantadora de resistência, de enfrentamentos, de combates heróicos. Foram 47 dias que balançaram as estruturas de Minas Gerais. A Minas acostumada nos últimos anos ao silencioso chicote dos governantes de plantão se levanta, assume as ruas, ocupa as praças, desafia a justiça, quebra o silêncio de parte da mídia, e constroi um movimento que virou história, nas mais belas páginas das lutas libertárias do nosso estado.

Não houve um dia sequer da heróica greve de 47 dias que não se ouviu falar do nosso movimento, que conquistou a comunidade. Todos ficaram sabendo a realidade de total penúria dos salários dos servidores da Educação, enquanto o governo fazia enorme propaganda sobre uma realidade inexistente na Educação de Minas.

O governo contra-atacava com as armas de que dispunha - e são muitas - para minar o nosso movimento. Contando com a subserviência da mídia, tentou primeiro esconder a greve da comunidade. A grande mídia passou muitos dias sem ver passeatas gigantescas que ocuparam as ruas e praças centrais da Capital mineira. Numa vergonha para esta mídia e numa escandalosa negação à liberdade de expressão e de pensamento que esta mídia cinicamente apregoa.

Não podendo mais esconder, passou a criticar a greve, utilizando o velho e surrado argumento de que os alunos estariam prejudicados, ou de que as passeatas provocavam engarrafamentos. A mesma mídia que foi cúmplice de uma política de arrocho salarial de muitos anos contra os educadores e demais servidores, e que colocava em risco as carreiras da Educação pública, agora abria espaços para uma entidade fantasma dita representante de pais de alunos reclamar os "prejuízos para os alunos".

Na mesma direção, um maroto desembargador no momento mais conveniente aos interesses do governo mineiro, decretou a ilegalidade da nossa greve, tratando a Educação como se fosse um serviço essencial, o que não consta da Lei de Greve. Em lugar de aplicar as leis existentes, ele legislou em favor do governo, impondo multa diária ao sindicato da categoria, o Sind-UTE e posteriormente, acatando o pedido do governo para demitir os grevistas, caso julgasse necessário.

Nem a decretação da ilegalidade da greve, nem as ameaças de demissão, nem a covardia da mídia, nada disso intimidou os bravos guerreiros da Educação, que lotavam cada vez mais as assembléias estaduais. No momento mais alto da greve, era comum o comparecimento de cerca de 20 mil educadores, que após as assembléias dirigiam-se em passeatas gigantes, com quilômetros de seres humanos empunhando bandeiras, apitos, palavras de ordem, tambores - os tambores de Minas - encantando, enfim, as ruas de BH, onde era grande a acolhida da comunidade.

Em cada canto de Minas aconteciam as mais variadas iniciativas dos educadores e apoiadores do nosso movimento. Passeatas, ocupações de rodovias, telefonemas e e-mails para deputados, abaixo-assinados, reuniões nas escolas e nas praças públicas. Cada espaço cedido por algum radialista ou blogueiro ou apresentador de TV era ocupado por uma das centenas de lideranças que se revelaram durante o nosso movimento. Não é exagero dizer que este blog deu uma pequena contribuição, tanto para a informação atualizadíssima, quanto para a formação de opinião e intercâmbio entre educadores das mais diversas regiões de Minas. Da mesma forma, dezenas de blogs de professores formaram uma rede informal e horizontal de comunicação, quebrando o boicote da mídia burguesa e abastacendo de informações os colegas dos mais distantes rincões de Minas.

Mas, o nosso movimento, que conquistara o coração de parcela expressiva da comunidade, desnudando a política neoliberal do faraó ausente e do seu governador-afilhado também ausente, apesar de presente em solo mineiro, tinha que chegar a um fim. Eram muitas as pressões: dos familiares dos educadores, da mídia, da justiça, do governo que ameaçava demitir e perseguir os grevistas, do corte do ponto e dos salários minguados, e até de uma parcela da categoria que infelizmente não aderiu à greve, contribuindo para reduzir o alcance das possíveis conquistas que viriam.

Contudo, fosse qual fosse o desfecho daquele heróico movimento, Minas já não seria mais a mesma. E nós também não.

Parte III - A suspensão da greve e a negociação com o governo

Cerca de 10 ou 15 dias antes do dia 25 de maio, data da suspensão da greve, o governo mineiro, ao mesmo tempo em que lançava mão de todos os instrumentos de coerção mencionados, buscava, com outra mão, uma saída que representasse a menor perda política, para além do enorme desgaste já sofrido.

Foi assim que iniciou negociações com a direção sindical. Propôs a formação de uma comissão para estudar uma nova engenharia para as carreiras da Educação pública, que pudesse acontecer ao longo do ano. O sindicato recusou esta proposta, mas tentou negociar pontos específicos que culminassem com o fechamento de um acordo assinado, que garantisse a não demissão dos grevistas, o pagamento dos dias parados e alguma conquista salarial que se aproximasse do piso salarial do magistério de R$ 1.312,00, nossa principal reivindicação. O gopverno acenou para esta possibilidade, mas com uma condição: o fim da greve.

Quando esta proposta foi levada à penúltima assembléia, uma semana antes da suspensão da greve, o governo sequer tinha enviado o documento com as condições acordadas com o sindicato e só o fez na última hora, assim mesmo mudando alguns termos do acordo. A resposta da categoria, de forma unânime, foi clara: a greve continua! A mídia já havia decretado o fim da greve antes da assembléia, o governo anunciava um acordo com o sindicato, a SEE-MG convocara os diretores das escolas para preparar o retorno dos alunos, enfim, estava tudo armado para o fim da greve.

Numa crônica que escrevi na véspera, havia lembrado uma passagem de um antigo técnico da Seleção Brasileira, João Saldanha, quando, numa ocasião, ao ouvir um esquema tático que teriam traçado para a equipe brasileira vencer a equipe russa, ele respondeu mais ou menos o seguinte: "o esquema é muito bom; agora falta só vocês combinarem com os jogadores do time adversário".

De fato, faltou ao governo, à imprensa, à SEE-MG combinarem com os mais de 100 mil educadores em greve que eles deviam parar a greve. A assembléia resultou num sonoro e vibrante NÃO à enrolação do governo e pela continuidade da greve.

Na semana seguinte, apavorado, o governo iniciou nova rodada de negociações com o sindicato, ao mesmo tempo em que, com a outra mão intensificou seus instrumentos de pressão. Conseguiu na justiça mais uma vitória, que lhe dava carta branca para substituir os grevistas quando quisesse, numa demonstração de total submissão da justiça ao governante de plantão.

Além disso, o governo ameaçou demitir ou contratar pessoas para substituir os grevistas, mesmo que estes não fossem demitidos. Confirmou o corte de ponto. E a imprensa abriu nova carga colhendo reportagens com depoimentos de alguns pais de alunos contrários à greve.

Na última semana que antecedeu a greve o clima de pressão foi o mais intenso, especialmente porque as longas férias do Faraó chegaram ao fim e ele queria retornar ao estado mineiro com este "problema" resolvido. Eu cheguei a cantar esta pedra neste blog, anunciando que o faraó estaria de volta e que seus seguidores tudo fariam para que a greve chegasse ao fim. Falei sobre isso inclusive numa reunião do comando estadual de greve, em BH.

Não deu outra. As negociações com o sindicato se intensificaram e o governo cedeu até o limite daquilo que não comprometia seus planos estratégicos. Aceitou assinar um Termo de Compromisso que garantia, entre outras coisas: a) que não haveria demissão de nenhum grevista, b) não haveria corte de ponto e uma folha extra seria feita para pagar a diferença do salário cortado, c) a greve não implicaria em nenhum prejuízo para os trabalhadores, seja nas licenças, direitos de aposentadoria, avaliação de desempenho, etc, d) uma comissão paritária governo / sindicato seria formada para estudar novas tabelas salariais tendo em vista o piso pleiteado, para apresentação de uma proposta em 20 dias, proposta esta que seria levada ao Legislado em forma de projeto de lei.

Foi no clima de terror descrito, de um lado, e das concessões citadas, de outro, que realizou-se a assembléia do dia 25 de maio de 2010, quando completavam-se 47 dias de greve. Talvez tenha sido a assembléia mais numerosa de todas. O governo apostava no fim da greve e condicionara a assinatura do acordo com o sindicato mediante a suspensão da greve.

A direção sindical, ouvindo representações de várias partes de Minas, avaliava que era chegado o momento de suspender a greve e continuar as negociações por meio da comissão paritária. Uma parcela expressiva da categoria, entre os quais me incluo, achava que dava esticar a greve um pouco mais e arrancar conquistas na luta, sem transferir o palco das negociações para outra esfera.

A proposta vitoriosa por uma pequena diferença de votos foi a da direção sindical e do comando de greve, favorável à suspensão da paralisação. Escrevi sobre este acontecimento no calor da luta, na crônica intitulada "O faraó voltou e a greve acabou", com uma boa carga de paixão.

Hoje, não dá para avaliar se teria sido melhor continuar a greve, como queríamos. Talvez sim, talvez não, mas a preferência da turma de Vespasiano e São José da Lapa era pela continuidade da greve. Considero que a outra proposta, que foi vitoriosa, não representou uma derrota, já que arrancava na luta compromissos de negociação, preservando o emprego, conquistando o não corte de salário e abrindo a possibilidade de negociar um reajuste salarial. Claro que desta feita, sem a pressão das multidões em greve, o que tornava o nosso sindicato mais frágil, embora carregasse o peso de 47 dias de greve de 100 mil educadores, o que não era pouco.

Eu havia dito na fala que fiz durante a reunião do comando que mencionei acima que era preciso tomar muito cuidado para não quebrar a unidade conquistada pela categoria. Um especial cuidado para não afastar o núcleo duro da greve, que a manteve o tempo todo e estava disposto a levá-la até as últimas consequências. Mas, o fato é que uma parte da base já estava cansada ou temerosa das consequências de um prolongamento ainda maior da greve. A direção sindical interpretou este sentimento, mais a proposta do governo, como sendo o momento de propor a suspensão da greve.

Em que pese o sentimento inicial de revolta de uma parcela expressiva da categoria, que não queria o fim da greve, as feridas foram sendo cicatrizadas, dando lugar aos objetivos principais, como a manutenção da unidade e o acompanhamento das negociações nos 20 dias seguintes. Este período foi marcado por um silêncio ensurdecedor, que nos fez criticar a comissão de negociação do sindicato, que se manifestou através do nosso blog e logo em seguida o próprio governo pôs fim à angústia da espera, apresentando de forma unilateral as tabelas e a nova carreira que viraram projeto de lei.

Nas negociações com o sindicato, no que tange ao objetivo da comissão paritária de formular uma proposta comum para virar projeto de lei, o governo não cumpriu a sua parte. Enrolou o máximo que pode, foi apresentando unilateralmente propostas como a reestruturação das carreiras, os dados estatísticos, até chegar na questão salarial, quando inicialmente o governo apresentou para a comissão propostas ridículas de reajustes salariais, que foram prontamente recusadas pela comissão que representava o sind-UTE.

Finalmente, no penúltimo dia previsto para o término dos trabalhos da comissão, o governador do estado apresentou para a população as novas tabelas salariais, de forma unilateral, passando por cima da comissão paritária, no momento em que as bravas meninas do sindicato, lideradas por Beatriz, reuniam-se com os representantes do governo. Ao tomarem conhecimento do fato, elas se retiraram da reunião e perceberam que a luta deveria se transferir para a ALMG.

Tudo indica que o governo já tinha na gaveta os planos de reestruturação das carreiras da educação, só que com salários bem inferiores aos que foram apresentados e para um período que talvez se arrastasse durante todo o ano de 2011, caso conseguisse fazer o sucessor.

A dinâmica da nossa luta alterou estes planos diabólicos do governo, que foi forçado a apresentar alguma proposta salarial que se aproxime, ainda que na forma de propaganda, ao valor do piso de R$ 1.312,00 para uma jornada de 24 horas. O governo, no seu projeto, acabou com o nível médio para o cargo de professor e criou o subsídio inicial de R$ 1.320,00 para o professor com licenciatura plena, com jornada de 24 horas. Criou também a jornada de 30 horas (20 em sala de aula e 10 extraclasse) pelo subsídio único mensal de R$ 1.650,00. Mas, as novas tabelas seriam aplicadas em março de 2011 e todas as gratificações conquistadas ao longo do tempo pelos trabalhadores serão incorporadas ao subsidio.

Na prática, embora as tabelas propostas para o próximo governo representem aumento real de salário para todas as carreiras dos educadores, elas trazem enorme injustiça especialmente para com os servidores mais antigos, pois incorporam todas as gratificações ao subsidio e não oferecem nenhuma compensação.

Pelos critérios do projeto do governo, a maioria dos servidores, independentemente do tempo de serviço, será posicionada no Grau A (início de carreira) do respectivo nível que corresponda à escolaridade de cada um. Com isso, quem for nomeado no ano que vem e quem tiver 20 anos de casa vai ganhar o mesmo salário, o que constitui uma falta de respeito e uma quebra do príncípio constitucional de valorização do servidor público ao longo dos anos de serviços prestados.

Como se não bastasse isso, percebe-se que os aumentos salariais referentes às novas tabelas serão maiores para aqueles que têm menor tempo de estado. Ou seja, como definiu a colega Cristina, aplicou-se uma regra inversamente proporcional das grandezas: quanto mais tempo de estado, menor o reajuste!

Apesar dessas perdas que certamente terão que ser revistas em outras batalhas, incluindo a de segunda-feira próxima, mas não somente (há o campo jurídico e a pressão sobre o próximo governo eleito, após outubro de 2010), as mobilizações dos servidores da educação na ALMG, como continuação das mobilizações iniciadas durante a greve, geraram pequenas novas conquistas. Entre elas o reajuste anual dos subsídios, impedindo assim que haja congelamento salarial como ocorreu com os vencimentos básicos. Uma outra conquista foi a antecipação da apĺicação das novas tabelas para janeiro de 2011 e não mais para março daquele ano.

Pelo menos mais duas outras conquistas precisam ser alcançadas: o posicionamento dos trabalhadores de acordo com o tempo de serviço prestado (seja como designado, Lei 100 ou efetivo) e a manutenção dos atuais índices percentuais para promoção e progressão na carreira (22% e 3%, respectivamente). Outras reivindicações certamente devem constar da pauta de luta que travaremos num período muito breve.

Parte IV - Os novos horizontes e as estratégias dos educadores de Minas

(Aguentem um pouco! Quem ficou 47 dias de greve e 20 de suspensão de greve pode esperar mais uns dois ou três dias pela parte final, né? rsrs)




...........

Nota explicativa: a origem do termo Faraó.
Temos usado o título de "faraó" para designar a figura do ex-governador mineiro, neto de Tancredo, que reinou de forma absoluta nos últimos sete anos e meio. De forma resumida, podemos dizer, de acordo com a enciclopédia livre Wikipédia, que "Faraó era o título atribuído aos reis (com estatuto de deuses) no Antigo Egito". Mas, a nossa inspiração foi a mensagem da colega Sílvia Machado, de Mutum, que publicamos aqui no dia 06 de maio de 2010. No seu belo texto ela cita uma passagem bíblica, comparando o governador ao Faraó que mantinha os escravos hebreus sob regime de total exploração, mas que estes buscaram sua libertação. A partir de então, passamos a atribuir este título ao então governador.

7 comentários:

  1. Olá Euler,parabéns pela sua colocação. Estive presente em todas as assembléias, passeatas e votações no plenário da ALMG. E cada vez me apaixono mais por nossa luta. E sinto que finalmente a maioria do professorado está acordando para mudar a história política do nosso Estado.
    Obrigada, por nos motivar.

    ResponderExcluir
  2. Euler, você sabe se o Helio Costa fez alguma proposta interessante ou fala que só vai estudar o caso se for eleito.Quero votar nele mais tenho medo dele querer apenas os votos dos professores e depois fazer que nem os outros politicos que não estão nem aí para a educação.

    ResponderExcluir
  3. José Alfredo Junqueira26 de junho de 2010 às 19:09

    prezado Euler,ainda existem dúvidas,segundo sua análise,a correção anual do subsídio está garantida,mas outras análises dizem que a única emenda aprovada foi a que antecipa o subsídio para janeiro de 2011.Por favor,esclareça,se for possível.Abraços.

    ResponderExcluir
  4. Olá, Euler. Quero agradecer. Agradecer sua valiosa colaboração no sentido de nos incentivar e informar sobre a nossa luta.Realmente, você contribuiu muito.Sinto-me imensamente feliz por saber que ainda existem pessoas como você que sonham com um mundo melhor e trabalham para que ele se transforme em uma realidade. Um grande abraço.
    Heloisa Mutum MG

    ResponderExcluir
  5. BOA NOITE EULER, ESTIVE FORA HOJE E SO AGORA PUDE LER AS INFORMAÇOES PASSADAS POR VOCE. COMO ME ACOSTUMEI A LER E ENTENDER O SENTIMENTO QUE BROTA EM SEU PEITO E QUE E O MESMO QUE ACOMETE VARIOS DE NOS EDUCADORES MINEIROS DIANTE DO PAO E CIRCO OFERECIDO PELO FARAÓ E SEUS ADEPTOS.INFELIZMENTE O QUE SE OUVE DELES É "MINAS AVANÇA"E TEM AVANÇADO TANTO QUE PERIGA ADENTRAR E CHEGAR A BRASILIA. QUANDO O FARAO ASSUMIU O PODER FIQUEI TEMEROSA POIS LEMBREI-ME DO FARAÓ AVO QUE ATRAS DAQUELA CARA DE BONZINHO, ESCONDIA UM DITADOR, COBRADOR DE IMPOSTOS E AMIGO DA POLICIA.HOJE VEJO QUE SEU NETO CONSEGUE SER AINDA PIOR,POIS RETIRA DO POVO UMA CONQUISTA TAO SONHADA A DEMOCRACIA. QUANDO VEJO SUAS PROPAGANDAS SOBRE SAUDE E EDUCAÇAO FICO PENSANDO SE E DA MESMA MINAS GERAIS QUE ESTA FALANDO OU SE E DE OUTRA QUE NAO CONHECEMOS E QUE FICA LA NO JAPAO. OBRIGADO POR SUA FORÇA, SEU ESPIRITO DE LUTA E POR SUA ESPERANÇA NA MELHORIA DA EDUCAÇAO EM MINAS.
    UM ABRAÇO.

    ResponderExcluir
  6. TÉRMINO DA VOTAÇÃO DA ALMG: NÓS, EDUCADORES DE MG NÃO GANHAMOS NADA?
    NÃO GANHAMOS NADA?

    ÀS VEZES PENSO QUE NÃO, MAS NÃO É BEM ASSIM!
    AO LER O TEXTO DO EULER, CONSEGUI ME ANIMAR UM POUCO.

    NA VERDADE, NEM SEI AO CERTO, SE O MEU CASO DE CARREIRA TERIA ALGUM GANHO DIFERENTE DO QUE, POR ENQUANTO, SERÁ PARA 2011. NÃO TENHO TANTO TEMPO ASSIM DE ESTADO, TALVEZ UNS SEIS ANOS ( ME EMBARALHO COM A TAL DA CONTAGEM...E SOU DA LEI 100; SEM NADA, DIZEM!). NÃO SEI SE TENHO ALGUM DIREITO A BIÊNIO OU QUINQUÊNIO, PELO QUE JÁ ME INFORMEI NÃO TENHO ESSES GANHOS. MAS EU NÃO PENSEI EM MIM SOMENTE QUANDO ENTREI NA GREVE. ENTREI POR MIM, POR NÓS E PELOS MEUS IDEAIS.SEMPRE SOFRI AO VER INJUSTIÇAS E SOFRIMENTOS ALHEIOS E SEI QUE CADA UM DE NÓS DÁ O QUE TEM E LUTA COMO PODE!

    FICO TRISTE COM ALGUMAS QUESTÕES, MAS SEI QUE HÁ COISAS INQUESTIONÁVEIS DAS QUAIS TEMOS QUE NOS ORGULHAR E O EULER TRADUZ MUITO BEM ESSES SENTIMENTOS ( LEIAM A POSTAGEM SEGUINTE).
    ASSINO EMBAIXO DE TUDO QUE ELE NOS RELATOU E SENTIU E FICO PENSANDO EM COMO EU TAMBÉM GANHEI, ENTRE OUTRAS COISAS, REFORÇANDO AMIZADES E GANHANDO OUTRAS TANTAS, DE PESSOAS QUE SÃO ESPECIAIS POR SONHAR, TER IDEAIS E NÃO SE CALAR FRENTE ÀS INJUSTIÇAS.
    BEIJOS A TODOS!

    VANDA SANDIM
    Postado por polivanda@gmail.com às 14:55

    ResponderExcluir
  7. Olá, pessoal da luta - Vanda, Maria Angélica, Heloisa, José Alfredo, Anônimo e Vania!

    Passei por aqui para deixar um abraço fraterno e agradecer a todos pela visita, que nos honra.

    Precisamos manter a nossa união e disposição de luta não apenas para garantir o que conquistamos, mas também para arrancar o muito que ainda falta conquistar, seja quem for o novo governante. Só a nossa luta organizada fará a diferença.

    Um forte abraço,

    Euler

    ResponderExcluir