sábado, 4 de novembro de 2017

O Brasil de 2017, visto do futuro



O Brasil de 2017, visto do futuro

O Brasil de 2017 era um país sob ocupação. Não foi a primeira vez, aliás. Num futuro ainda mais distante do que eu vivo agora – 10 anos depois -, os historiadores escreverão com mais detalhe sobre o Brasil, mencionando com certo destaque o ano de 2016. O ano do golpe, que derrubou uma presidenta honesta em nome do combate à corrupção para colocar no governo federal uma quadrilha inteira. De canalhas a ladrões profissionais. Como o Brasil teria chegado a essa situação? E que relação teve esse golpe com a ocupação estrangeira do país? É o que tentaremos aqui, do futuro, decifrar nas linhas seguintes.

O Brasil não é para amadores. Nunca foi. E os profissionais da política, da justiça, da comunicação daqueles tempos não eram exatamente aqueles tipos de pessoas nas quais se poderia confiar qualquer coisa. Entre 2003 e 2014 o Brasil experimentou um momento raro de combinação positiva de crescimento econômico, com aumentos reais dos salários, políticas de proteção social aos mais pobres e posicionamento autônomo nos assuntos externos. Foram 12 anos de um país diferente daquele que tinha sido até então, nos séculos anteriores, apesar dos pesares. Sim, porque os problemas estruturais, como a concentração de poderes nas mãos dos mais ricos, o monopólio das comunicações nas mãos de meia dúzia de famílias golpistas; a concentração fundiária, a concentração das riquezas em poucas mãos, enfim, não mudara quase nada. Mas, apesar disso, as políticas públicas em favor dos de baixo apontavam para pequenas e importantes mudanças. Provocaram maior mobilidade social, dinamizaram a economia, houve real combate à fome e à miséria e ficou a sensação de que, em algum momento, a correlação de forças poderia mudar em favor da maioria pobre. Será?

2016, contudo, e alguns anos antes, mostraram que infelizmente não seria dessa vez. Ou que pelo menos, não seria tão fácil assim. Não sem muita luta, suor e algum sangue, talvez. A crise internacional, a queda no preço do petróleo, e o desespero das elites locais, temerosas em não sobreviverem com seus vastos privilégios à crise, acabaram sedimentando a união dos de cima para uma ação definitiva contra o povo brasileiro. O golpe de 2016 nasce nesse clima. Como viabilizá-lo?

As elites dominantes, vira-latas por natureza e DNA, já haviam tentado de tudo. Perderam quatro eleições consecutivas e perceberam que, pela via eleitoral, democrática, seria impossível impor um programa neoliberal e entreguista. Os governos do PT, apesar das concessões à direita, não chegaram ao ponto de entregar as riquezas nacionais, de rasgar as leis trabalhistas e de atuar como cachorrinhos do império como depois fizeram os golpistas.  Como então derrubar o governo da presidenta Dilma? 

Ao contrário de 1964, marcado pela polarização ideológica da Guerra Fria, não havia mais clima para uma intervenção militar, mesmo sabendo que a cúpula das Forças Armadas continuava com a cabeça de 1964 – de direita, servis aos ricos e pronta para servir aos interesses do império norte-americano e seus aliados ricos da Europa. Claro que havia exceção. Contudo, as exceções, seja no meio militar, ou no judiciário, ou no ministério público, entre outros, eram cada vez mais exceção mesmo. A regra era seguir a corrente que varreu o Brasil daqueles tempos, uma onda fascista, falso moralista, preconceituosa, entreguista e carregada de ódio e egoísmo. Sombrios tempos.

Foi pensando nos meios mais seguros de viabilizar o golpe de Estado que a CIA, em conluio com sua eterna aliada, uma Rede Golpista de Manipulação - de TVs, rádios, jornais e revistas -, montou a chamada operação Lava-Jato. Escrevo aqui, claro, como um observador do futuro, pois se estivesse aí, nos idos de 2017, seria preso. Ou no mínimo, teria meus telefones grampeados e faria parte de alguma lista de suspeito de terrorismo internacional. Felizmente, estou num relativo conforto de 10 anos depois, quando as revelações começam a aparecer. Sei que muitos não vão acreditar, mas foi assim mesmo que tudo aconteceu. A pergunta que não quer calar agora é: como pode uma população inteira, ou quase, ter sido iludida com a novela midiática-golpista montada entre 2014 e 2016?

É claro que o PT, na liderança de um governo de coalização que realizava avanços sociais e políticos, cometeu vários erros que facilitaram a ação dos inimigos do povo. Não se trata aqui do combate moralista à corrupção, coisa que nenhum governo fez. Pior do que isso foi não ter construído uma mídia alternativa midiática para quebrar a espinha da Rede Golpista de Manipulação – aí não só a emissora principal, mas todas elas, claramente envolvidas no golpe de 2016. Todas, unidas em torno de interesses comuns, ávidas por maiores lucros e para destruir as poucas conquistas arrancadas ao longo de décadas pela população pobre em renhidas lutas. Formaram uma nada santa aliança típica de mafiosos prontos para um assalto aos cofres, no caso, ao poder, que culminaria com a derrubada de uma presidenta eleita pelo povo e que não havia cometido nenhuma ilegalidade que justificasse sua derrubada.

Se a presidenta Dilma cometeu erros, estes foram erros políticos, de avaliação equivocada  do momento vivido. Fechada no Planalto e cercada por assessores amadores, não viu o golpe passar pela janela. Promoveu logo nos primeiros dias do seu segundo mandato uma tentativa de aproximação com o mercado. Ah, o mercado, este ser invisível que representa poucas dezenas de bilionários brasileiros que vivem das suntuosas bolsas-privilégios arrancadas a tapa dos poderes constituídos e marginais. Dilma poderia ter feito mais políticas sociais e convocado a população para enfrentar os golpistas nas ruas; poderia ter convocado o Exército para prender toda a equipe da lava-jato que claramente agia contra interesses estratégicos do país. Mas, não. Aceitou jogar o jogo de cartas marcadas inocentemente, como se, ao final, pudesse ser inocentada por um congresso nacional formado por bandidos, com as devidas e honrosas exceções. A mídia, com a ajuda da equipe da CIA de Curitiba soube manobrar e chantagear os bandidos do Congresso que foram convencidos que, se colaborassem, a “sangria seria estancada”.

Claro que não se deve atribuir à honrada presidenta Dilma toda a culpa pelo golpe. Seria uma cretinice chegar a essa conclusão. O golpe estava montado desde fora, do império. Um dos golpistas, o então chefe do Ministério Público ironicamente indicado por Dilma, teria dado a seguinte declaração-confissão: “a Lava Jato é maior do que todos nós”. Ou seja, essa operação era maior (mais poderosa) do que as instituições brasileiras. A mídia e seus agentes travestidos de comentaristas-vigaristas trabalhavam a toda, 24 horas por dia, detonando o governo da presidenta Dilma, numa parceria covarde e canalha com a turma de Curitiba, que jogou papel estratégico na desestabilização do governo dela e na destruição da Petrobras e de setores estratégicos para a economia brasileira.

Após o golpe, em nome do combate à corrupção, assume o governo federal uma quadrilha… federal, com o silêncio pusilânime e cúmplice do STF, do MPF, da Lava-jato, que simplesmente deixou de operar e só manteve a perseguição ao ex-presidente Lula, como parte da missão a ser cumprida. A mídia, no Brasil de 2017, tratava o governo golpista e usurpador como algo natural, como um governo legítimo, apesar da total impopularidade e das medidas totalmente contrárias aos interesses da maioria do povo brasileiro. A mídia lucrou muito com o golpe, apesar de ter enchido os bolsos também durante os ingênuos anos do republicanismo infantil do PT. Somente a maior Rede Golpista recebera nada menos que R$ 6 bilhões em publicidade durante os 10 primeiros anos dos governos do PT. Em retribuição, colocara Lula e Dilma como alvos principais de sua novela diária das 20h30.

O golpe de 2016 é montado fora do Brasil e recebe total apoio das elites dominantes locais. A classe média, aquela que assume status daquilo que não é, com seu eterno complexo de vira-lata, alimentada pelo ódio aos pobres durante os governos do PT, abraçou o golpe em nome do combate à corrupção. Milhares desfilaram pela avenida Paulista, com total cobertura midiática, como se o Brasil estivesse sendo salvo de terrível mal. Impressionante como certos segmentos da sociedade brasileira são usados pelas elites dominantes, os donos do PIB, aqueles que realmente detêm os poderes e a grana. Protestaram contra o governo Dilma, uma presidenta honesta, em nome da corrupção, e agora que assumiu o governo uma quadrilha inteira, não se via mais a cara dessa turma verde-amarela pela Paulista. As panelas ficaram mudas e a descarada roubalheira, com requintes de gravações, malas de dinheiro, apartamentos-cofres abarrotados de grana das propinas, nada disso sensibilizou esses segmentos que se diziam tão ardorosos defensores do combate à corrupção. O moralismo é assim, serve sempre de pano de fundo para tramoias muito piores.

No final das contas, que não fecham, aliás, observando aqui do futuro, é possível perceber que a tal operação lava-jato não passou de uma farsa, uma enganação, que usou o surrado pretexto moralista de combate à corrupção – já usado antes contra Getúlio e contra Jango –  para atingir objetivos políticos em favor de poderosos grupos, que pela via democrática tinham sido derrotados. Um desses objetivos, tirar o PT do governo federal e impedir que Lula voltasse à presidência da República. Outro objetivo: destruir a poderosa Petrobras, a empresa que mais pagou impostos no Brasil e que puxava a economia contratando serviços locais; e que desenvolvera tecnologia de ponta para explorar o petróleo do pré-sal recém descoberto. Outro objetivo dos golpistas: entregar o pré-sal com reservas de muitos trilhões de dólares para os gringos e com isso impedir que as riquezas dessas reservas irrigassem a Educação pública e a saúde, como se previa na legislação antes do golpe. Outro objetivo: destruir os setores estratégicos da economia: a indústria da construção civil, da navegação, nuclear, e até do agronegócio. Finalmente, para completar a obra do mal, anular todas as conquistas trabalhistas, previdenciárias, sociais e políticas da população mais pobre.

Mas, ao invés de debater e noticiar tudo isso: a troca de um governo legítimo por uma quadrilha usurpadora, a destruição dos setores estratégicos para a economia do país, a entrega do pré-sal e das hidrelétricas, da Amazônia, o corte de conquistas trabalhistas, entre outras; ao invés de revelar e denunciar essa catástrofe que representou prejuízos de alguns trilhões de dólares – contra alguns poucos bilhões do aludido combate à corrupção -, a mídia brasileira preferiu focar as acusações contra o ex-presidente Lula. Acusado de chefe da quadrilha, que teria roubado bilhões de reais, Lula se contentaria com um triplex em Guarujá, um sítio em Atibaia e um outro apartamento ao lado do que ele morava há mais de uma década. Acusações desproporcionais ao papel de “chefe de quadrilha” que rouba bilhões, totalmente sem provas, calcadas em poucas delações de pessoas que ficaram presas durante meses e que, para escaparem da prisão perpétua de Curitiba, acabavam por dizer o que os algozes queriam ouvir: Lula? Culpado, culpado, culpado. Os caciques do PSDB, lógico, todos eles santos, intocáveis, inimputáveis. Provavelmente a senha da CIA era bem clara: não toquem nos nossos garotos da política!

O juiz de Curitiba e alguns da equipe do MPF e da PF passaram algum tempo nos EUA. Foram treinados lá. Receberam prêmios, inclusive da sucursal do império no Brasil, a Rede Golpista de Manipulação. Receberam também informações privilegiadas. E sabiam que, com essas ligações externas e a proteção da Rede Golpista de Manipulação, teriam praticamente carta branca para fazerem o que bem entendessem. E fizeram. Prenderam pessoas ainda não condenadas em várias partes do Brasil, como se se tratasse de uma força nacional num território sob ocupação. E era, de fato. Grampearam telefones de advogados de acusados – coisa que até então era prática proibida. Vazaram informações de forma seletiva. Mas, o ponto alto dessa descarada licença-para-tudo foi a gravação ilegal da conversa telefônica da presidenta da república em exercício com o ex-presidente Lula, com o vazamento dessa conversa minutos depois do ocorrido para a Rede Golpista de Manipulação, que montou um capítulo especial para a Novela do Golpe, jogando a população inteira contra Lula e Dilma, e impedindo a posse do presidente Lula num ministério, fato conseguido com o auxílio do ministro do PSDB no STF. O golpe em curso não poderia sofrer interrupções. Ele ocorria em várias frentes: no TSE, com o citado ministro do PSDB; no Congresso Nacional com a turma de bandidos liderada pelo então presidente da Câmara, um tal de Eduardo Cunha; na mídia golpista, atacando o governo 24 horas por dia; as operações midiáticas e sensacionalistas dos agentes da CIA de Curitiba seguiam o cronograma estabelecido. E para completar, a turma de analfabetos políticos que desfilavam pela Paulista sob o patrocínio da FIESP.

No meio de tudo isso, uma população atordoada, como se tivesse recebido – e de fato recebeu – uma carga enorme de bombas, mísseis que lavaram o cérebro de muita gente, que até agora, muitos anos depois, se encontra sem saber o que aconteceu. Para os EUA e demais países ricos (os seus grupos econômicos, no caso) o golpe no Brasil foi dos mais baratos já experimentados. Não precisaram forjar pretextos como no Iraque ou na Líbia para jogar mísseis reais e para invadir com tropas de mercenários e se apropriar das riquezas daqueles países. Até mesmo o financiamento de grupos de mobilização de rua – como os grupos neofascistas – por aqui foi dos mais baratos. Nossa classe média, como eu disse antes, ou parte dela, pelo menos, está sempre pronta para colaborar com os de cima, para ferrar os de baixo, aos quais tratam como eternos escravos. Eles odiavam não poder pagar mais ajudas de custo típicas da escravidão e terem que cumprir a legislação trabalhista, inclusive para as trabalhadoras domésticas.

Na cabeça das elites brasileiras, que arrastam ideologicamente parcelas expressivas da classe média e até do povão, o povo pobre brasileiro é malandro, gosta de viver de bolsas-famílias, não gosta de trabalhar, etc. Estes mesmos setores nada dizem sobre os ricos brasileiros que jamais trabalharam na vida e recebem todo tipo de privilégios do Estado. Incluindo as políticas que favorecem os bancos, os sonegadores de impostos, entre outras. Falam em corrupção mas acham normal não pagar os direitos trabalhistas, sonegar impostos e levar vantagens indevidas em tudo que puderem. Hipócritas! No fundo, vocês mereceram esse governo que se instalou com o golpe. Pena que a vítima principal não tenha sido vocês, mas a maioria do povo brasileiro.

O Brasil a partir de 2016 é visto aqui do futuro como um país sob ocupação. Com um governo fantoche e um congresso nacional que não representam o povo brasileiro e prestam contas apenas aos interesses estrangeiros e dos ricos locais. Uma justiça que acumulou privilégios e se julga acima da Lei, lei que não é para todos no Brasil, mas para proteger os amigos e punir os inimigos.
Como um crítico do futuro que escreve sobre o que aconteceu no Brasil nos sombrios anos entre 2014 e 2017, vou enviar este texto numa garrafa do tempo. Só não vou revelar agora o que acontecerá depois da tempestade. Por que isso poderia interferir no desfecho, a depender dos atores em cena. Se a população continuar muda, assistindo a tudo sem nada fazer, haverá a consolidação do golpe e o Brasil voltará à condição de colônia. Com a volta da escravidão formal e tudo mais. Por outro lado, se a maioria da população reagir, se a senzala resolver de fato descer o morro, se os trabalhadores deixarem de se iludir com as novelas midiáticas sensacionalistas da Rede Golpista de Manipulação e associadas, um outro Brasil renascerá das cinzas. Mais humano, mais fraterno, mais justo, mais apoderado pelos de baixo. Um desfecho que terei o prazer em contar e cantar em prosas e versos. 

Por enquanto, contudo, revelo apenas isso: em 2017, não havia democracia no Brasil, o povo brasileiro não tinha qualquer poder de influenciar as decisões políticas e as instituições estatais eram meras repartições burocráticas dos interesses privados dos grandes grupos estrangeiros e seus associados locais. Um país sob ocupação, enfim.