segunda-feira, 14 de junho de 2010

Destrinchando a proposta do governo: prós e contras


1) Quero inicar esta análise da proposta do governo tentando compreender alguns conceitos. O primeiro deles o do tal "subsídio", que, de acordo com o artigo 39 da Constituição Federal, diz o seguinte:

"Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas".

Em seguida:

"§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.".

E logo depois:

"§ 8º A remuneração dos servidores públicos organizados em carreira poderá ser fixada nos termos do § 4º".

2) Em outros termos: o governo propõe mudar a atual política remuneratória, regida por vencimento básico acrescido de gratificações (pó-de-giz, biênio, quinquênio, etc.) por uma outra política remuneratória, totalmente enxuta das gratificações.

3) Qual o argumento do governo para formular tal proposta: o de que a atual política remuneratória cria diferenças salariais muito grandes numa mesma carreira, invializando, segundo o governo, reajustes salariais substanciais nos vencimentos básicos.

4) Para compensar esta mudança de política remuneratória, como eu já havia analisado num post anterior, antes mesmo de conhecer as tabelas salariais, o governo procura oferecer um salário inicial um pouco mais atraente, para compensar a troca de carreira, pelo menos para uma parcela muito expressiva dos educadores.

5) Os professores mais antigos, por exemplo, como o próprio governo reconhece, terão perdas. Já os professores com até 10 ou 12 anos de carreira, se considerarmos apenas o valor nominal do salário bruto - os atuais R$ 935,00 contra R$ 1.320,00 da proposta do governo para uma jornada de 24 horas - teriam um reajuste de 41,17% no valor bruto do salário a partir de março de 2011.

6) A política de subsídio foi criada, pelo visto, para altos cargos do Estado e depois extendida para os demais servidores, pelo visto com a finalidade de "limpar" a folha de pagamento das gratificações conquistadas ao longo do tempo.

7) Esta política só faz sentido se: a) o valor inicial for realmente atraente para o conjunto da categoria; b) houver um mecanismo claro de reajuste anual dos vencimentos com o intuito de preservar o poder de compra do salário; c) houver a possibilidade de desenvolvimento na carreira.

8) No que tange ao primeiro item citado (um valor inicial atraente) a proposta do governo, embora seja superior ao teto atual de R$ 935,00, é ainda bastante tímida já que não contaremos com outras formas de remuneração, como biênios, quinquênios, pó-de-giz, vale-transporte, etc.

9) A grande questão que poderá ser argumentada é que estas gratificações aplicadas sobre um piso ridículo como o dos educadores, já não faziam assim tanta diferença. Tanto que um profissional no início de carreira já ganhava o mesmo salário de quem tivesse 10 ou 12 anos de casa, com vários biênios e dois quinquênios, pelo menos.

10) A proposta do governo deixa uma porta aberta para uma remuneração um pouco maior, com a mudança de jornada de trabalho para 30 horas semanais, sendo 20 horas em sala de aula, 05 horas na escola para trabalhos extraclasse e mais 05 horas para atividades fora da escola (preparação de aulas, correção de provas, estudos, etc.). Para esta jornada a proposta do governo prevê um subsídio inicial de R$ 1.650,00

11) Para quem tem especialização, a proposta do governo prevê o valor inicial de acordo com a jornada de 24h ou 30h, e mais 10% de reajuste. Neste caso, respectivamente R$ 1.452,00 e R$ 1.815,00 de vencimento inicial.

Reparem que nesse ponto houve, como alertou-nos a nota do Sind-UTE, um retrocesso em relação ao atual plano de carreira, que prevê um percentual de 22% para cada mudança de nível.

12) Há ainda a tal da certificação, que não se sabe ainda como será, e que representa mais 10% sobre o valor do vencimento de um profissional com especialização, e que pressupõe que o professor já possua tal título para requerer a tal certificação.

13) Um outro dado é este: "O posicionamento nas novas carreiras não poderá resultar em prejuízo financeiro ao servidor. Fica garantido um aumento mínimo de 5% no processo de mudança para a nova carreira".

Claro que isso é um jogo de palavras. Num primeiro momento o servidor mais antigo, com muitos quinquenios e biênios etc não perde. Mas, se o salário que ele recebe for maior do que o da nova carreira esta diferença é coberta por uma VTPI - vantagem temporária pessoal - que vai desaparecendo na medida que houver reajustes. O que significa que, enquanto esta VTPI existir no contracheque de alguém, esta pessoa não terá aumento salarial até que esta (des)vantagem deixe de existir.

14) Um outro dado que confirma a suspeita do professor Wladmir Coelho, em análise feita anteriormente: "Todos os servidores deverão ser posicionados nas novas carreiras e terão 3(três) meses para optar pelo retorno à carreira antiga, preservando as suas gratificações e vantagens." Ou seja, todos estarão possicionados na nova carreira, compulsoriamente, e para retornarem à antiga carreira terão que manifestar este desejo no prazo de três meses. Neste caso, as gratificações serão mantidas, mas seguramente, se não houver reajustes expressivos nos vencimentos básicos, a tendência é que ocorram perdas em relação à nova carreira. Mas, anualmente o servidor que optar pela carreira antiga poderá mudar para a nova carreira, sem direito a um futuro arrependimento.

15) Em relação ao posicionamento do servidor na nova carreira, diz o documento do governo:

"O posicionamento nas novas carreiras considerará a contagem de tempo até o mês anterior, para a aquisição dos direitos e vantagens previstos nos dispositivo constitucionais ou em lei."

E em seguida:

"O servidor será reposicionado, por meio de decreto, na estrutura da nova carreira observando:

- a escolaridade exigida para nível de posicionamento;
- o tempo de efetivo exercício na Secretaria de Estado de Educação;
- a remuneração efetivamente percebida pelo servidor."

16) Quanto ao primeiro item - escolaridade - não resta dúvida que vale o título acadêmico, e pronto. Quanto ao tempo de efetivo exercício, é preciso que se esclareça: a) se conta o tempo de estágio probatório; b) se conta o tempo de designação (contrato) combinado com o tempo de servidor efetivo; c) se conta o tempo de licenças para fins previstos em lei, etc. Quanto ao último ítem " remuneração efetivamente recebida pelo servidor", não ficou claro, por exemplo, se alguém que receba atualmente salário compatível com o nível de mestrado e que possua título de licenciatura plena seria reposicionado no nível 1 ou 4. Ou seja, se será ou não considerada a aplicação combinada dos itens acima para o "enquadramento" do servidor.

17) uma outra questão que precisa de esclarecimento é em relação às mudanças na carreira - promoção, progressão e certificação - que precisariam ganhar um novo conteúdo, de forma a assegurar a todos os servidores o desenvolvimento nas carreiras, inclusive de forma automática, caso o governo não cumpra sua parte: seja na oferta de tempo ou financiamento para as pessoas realizarem cursos de especialização ou mestrado, ou no exame de certificação.

Esta primeira tentativa de abordar e interpretar o texto proposto pelo governo claro que não exclui muitas outras possibilidades que não tratamos aqui. É apenas uma primeira leitura ainda bastante superficial. E também não incluiu a análise das diversas tabelas salariais.

Mas, não podemos nos furtar de analisar a proposta feita pelo governo e de formular a nossa proposta. Inclusive como forma de apresentar uma contraproposta para a apreciação na Assembléia Legislativa, uma vez que o governo já declarou que encaminhará o seu projeto para o Legislativo, com ou sem o aval dos trabalhadores. O que não era de se estranhar, vindo de um governo que não tem como prática negociar com os trabalhadores.

Finalmente, quero deixar uma posição de quem, de alguma forma percebe que, para além da timidez da proposta em relação ao que nós pleiteamos, o projeto do governo não deixa de ser uma conquista da luta dos trabalhadores da Educação. Sem a nossa histórica greve, o governo hoje não teria apresentado nada. Teríamos ficado com os 10% de Aécio-Anastasia e só. Se hoje toda a comunidade sabe da realidade salarial dos educadores e se solidariza conosco e até faz com que o governo apresente uma proposta salarial é porque houve luta.

E como dissemos em outra oportunidade: nossa luta não termina aqui. Ela continuará com este e com o próximo governante. Mas, não podemos deixar de enfatizar que a nossa luta colocou a educação pública na pauta da discussão de toda a sociedade, inclusive do governo. E esta luta continua. Até a nossa vitória.

Leiam também o Informativo Nº 13 do Blog do COREU

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