domingo, 30 de dezembro de 2012

Sinais dos tempos, segundo Frei Gilvander

Sinais dos tempos, segundo Frei Gilvander

Publicamos a seguir a crônica de um dos grandes amigos dos educadores de Minas, Frei Gilvander. Muito apropriada para o momento, a crônica aborda problemas que atingem a muitos, e que nos fazem refletir, ainda mais agora, quando um Novo Ano se inicia. Esperamos sempre que as coisas melhorem para todos. Que a solidariedade seja mais forte do que os egoísmos, posto que todos precisamos uns dos outros. A humanidade precisa realmente repensar sobre a reprodução da vida baseada apenas em valores de disputa mercadológica e de poder como um destino inevitável e absoluto. Tudo pode ser mudado, transformado para melhor, se a nossa "alma não for pequena" (F. Pessoa) e não se apequenar perante os desafios.

Os sinais indicados por Gilvander estão presentes por toda parte. No Arraial onde nasci e moro até hoje, Vespá, por exemplo, além  dos problemas sociais comuns a todo Brasil e ao mundo, é grande também o problema da poluição, ou das poluições. Alguns dizem que os problemas respiratórios e as mortes por câncer aumentaram nos últimos tempos. Não tenho nenhum dado estatístico sobre isso, e se haveria ou não uma relação direta com a poluição na cidade, despejada por uma das fábricas, que supostamente estaria queimando e lançando no ar objetos nocivos aos seres humanos. Há um tempo atrás, uma outra fábrica, de produtos de limpeza, também teria despejado seu perfume ácido nos céus da cidade. É este o progresso? Até quando o chamado "desenvolvimento" se fará em detrimento da saúde humana? Qual a relação direta entre a baixa qualidade de vida e as muitas formas de poluição provocadas por essas e outras empresas (e pessoas, e carros, etc.), incluindo, em outros casos, o envenenamento dos alimentos com agrotóxicos que vão parar nas nossas mesas?

O cidadão comum fica assim desamparado, sem poder contar com os poderes que supostamente existem para defender aos interesses coletivos, e não somente os de alguns poucos. É certo que houve avanços em vários aspectos, já me referindo aqui ao Brasil. Pequenos avanços nas políticas compensatórias, como o Bolsa Família, são importantes. Outras políticas públicas na área da Saúde - assistência universal, por exemplo -, da Educação e da assistência social, por diversos governos, também são fundamentais. Mas ainda há muito o que melhorar. É incompreensível, por exemplo, que se destinem maiores volumes de recursos para pagar juros de bancos, ao invés de investirem mais e melhor nas áreas sociais, especialmente na Educação pública básica.

Considero também inaceitável o monopólio exercido pela mídia, que seleciona o que deve ser pautado, e como deve ser publicado determinado tema. Não estamos falando de um blog pessoal, mas de concessões públicas, como rádios e TVs. São poucas as famílias e as vozes que decidem sobre a vida de milhões de pessoas, sem consultá-las. A mídia destrói e eleva biografias ao sabor de interesses de grupos que financiam suas empresas. Chantageiam, denunciam sem provas - com raras exceções -, e não abrem espaços para opiniões divergentes. É hora do governo federal e do Congresso Nacional respeitarem a Constituição Federal e assegurarem a todos os brasileiros o direito de opinião e de expressão, além do direito de de receber ou produzir informações que não tenham que passar pela censura de meia dúzia de famílias que detêm o monopólio privado deste poderoso poder - assim mesmo, poderoso poder, já que a grande mídia é mais poderosa do que os poderes constituídos. E ninguém elegeu nenhum dos comentaristas bem pagos para que eles possam diariamente opinar negativamente contra os movimentos sociais, os dirigentes políticos que defendem (ou quando defendem, independentemente de partidos e ideologias) os interesses populares, etc.

Fiquem agora com a crônica do Frei Gilvander. E que 2013 represente o renascer - já que o mundo velho teria acabado no dia 21 de dezembro de 2012 - dos nossos sonhos, da luta por um mundo melhor, mais humano e mais justo para todos.

Um forte abraço a todos e força na luta, até a nossa vitória!
                             ***

Oito sinais dos tempos e dos lugares
       Por Gilvander Luís Moreira*

 1 - No dia do Natal de 2012, em Porto Alegre, RS, a temperatura chegou a 43º C. Dia seguinte, no Rio de Janeiro, RJ, 43º C. Em Arinos, noroeste de Minas Gerais, o sol está estorricando. Se deixar milho pipoca no sol, dentro de poucos minutos, a pipoca estará pronta. Se deixar ovos sob o sol, serão assados. “Os peixes estão sendo assados nos poucos rios que ainda existem”, diz em tom irônico um pescador. Os camponeses estão dizendo: “A situação está feia. Quase final de ano e quase nada de chuva. As águas estão acabando. Depois que acabaram com o cerrado e agora com a plantação de eucalipto, esse vampiro das águas, os córregos estão quase todos secos. Aqui na região havia lagoas por todos os lados. Agora está tudo seco.” O povo está ficando mais debaixo das poucas árvores que ainda existem. Ficar dentro de casa é o mesmo que estar em uma sauna. Há pessoas que estão dormindo dentro de automóveis com motor funcionando e ar condicionado. Quem pode, compra ventilador. Quem é mais jovem corre para os poucos rios da região e passa o dia dentro d’água. Outro dia, por exemplo, almoçamos dentro do Rio Claro – afluente do Rio Urucuia, que é um dos 36 afluentes do rio São Francisco -, com as panelas de alimento colocadas em cima das pedras. Só a Sidersa – Siderúrgica Santo Antônio -, Companhia de um dono de Siderúrgica de Itaúna, MG, que tinha o ex-governador Newton Cardoso como sócio, já plantou mais de 30 mil hectares de eucalipto, inclusive ao lado das nascentes do Rio Claro, citado acima.

2 - Os pescadores da beira do Rio São Francisco já estão prevendo que vão passar meses de escassez  porque as chuvas foram pouquíssimas até o final de 2012 e, por isso, a barragem de Três Marias e as outras seis grandes barragens do Velho Chico estão com pouca água. Vai faltar água para gerar energia, mas antes os ribeirinhos sofrerão pela falta de peixe, pois “sem as cheias não acontecem desovas; e sem desova não se cria novos peixes”, diz Sr. Norberto, pescador há 70 anos no Velho Chico, na região de Três Marias. “Sr. Norberto, a Votorantim continua jogando metais pesados no Rio São Francisco aqui em Três Marias, poluindo o Rio?”, perguntei. “Com nossa luta, o Ministério Público exigiu que a Votorantim fizesse uma nova barragem para recepção de rejeitos minerários. O preocupante agora aqui é que estão planejando para construir nove barragens/hidrelétricas no Rio Abaeté. Isso não pode acontecer, pois se as águas forem represadas, não haverá mais piracema e os peixes serão dizimados, inclusive, aqui no Rio São Francisco.”

3 - 334 pessoas em situação de rua assassinadas - crucificadas - no Brasil em 2012! Em 10 anos serão acima de 3.340, caso as forças vivas da sociedade não lutem para transfigurar essa realidade dramática. Maior algoz: o Estado, através de policiais e guardas municipais. A presidenta Dilma assistiu ao vídeo sobre a violência contra a população de rua - http://www.youtube.com/watch?v=2zNq3yENcH0. Não poderá alegar que não tem conhecimento dessa violência que clama aos céus: a violência contra as pessoas em situação de rua. Por que não mudar a política econômica e investir prioritariamente em reformas agrária e urbana, em educação e saúde públicas, em Minha Casa Minha Vida através de entidades e em Direitos Humanos? Será que teremos que arregimentar milhares de voluntários para vigiar as pessoas que estão em situação de rua enquanto elas tentam dormir sob as marquises, nas praças ou debaixo dos viadutos, para não serem despertados com jatos d'água ou com gás de pimenta?

4 - A Presidenta Dilma aumentou o salário mínimo para R$678,00, um aumento de R$56,00 (9%), a partir de janeiro de 2013, mas e a inflação de 2012? Vinte milhões de aposentados e 1,4 milhões de trabalhadores receberão esse mínimo, um montante de 12 bilhões de reais durante o ano de 2013. O DIEESE informa que o salário mínimo constitucional deveria ser de R$2.514,00, quatro vezes maior do que os 678,00. Logo, a Constituição Federal continua sendo rasgada. Por que não aumentar o salário mínimo para pelo menos R$1.500,00? Aí seria distribuição de renda, uma vez que a reforma agrária está encalhada e que se repassa para banqueiros mais de 200 bilhões de reais por ano como amortização da dívida pública que é como rabo de égua: quanto mais corta mais cresce.

5 - No Noroeste de Minas está sendo veiculada propaganda em horário nobre de TV tentando justificar o injustificável: o uso abusivo de agrotóxicos na produção de alimentos. Dia 12/12/2012, aconteceu Audiência Pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais – ALMG -, na Comissão de Direitos Humanos, sobre o uso indiscriminado de agrotóxicos no município de Unaí e região noroeste de Minas na produção de feijão, número alarmante de pessoas com câncer e a criminalização de quem denuncia essa grande injustiça. O novo prefeito de Unaí, Delvito Alves (PTB), em discurso na Audiência Pública, prometeu abrir a caixa preta dos agrotóxicos em Unaí e abrir discussão séria sobre algo tão grave que está causando milhares de casos de câncer. Oxalá isso aconteça! Devemos continuar a luta pela produção de alimentos saudáveis e de qualidade.

6 - Nos Estados Unidos, após a matança de 27 pessoas feita por um jovem em uma escola, aumentou absurdamente a quantidade de pessoas comprando mochilas a prova de bala para estudantes. Mochilas que podem ser usadas como escudo a prova de bala. Preço: de 300 a 500 dólares. Parece até que os empresários das mochilas a prova de bala mandaram fazer a matança para depois lucrarem muito. Esse é o círculo negativo do segurancismo: quanto mais repressão mais violência e mais lucro. Isso é idolatria do mercado.

7 - Na zona rural de Arinos, MG, visitamos a casa de dona Lia, 82 anos, esposa do senhor Edmundo. Mulher camponesa, de uma fé inquebrantável, trabalhadora, solidária e amiga de todos. Radiando alegria, dona Lia nos acolheu com muito afeto. “Espera aí que vou fazer um café para nós.” “Não precisa, dona Lia, pois já tomamos café na casa de outra família amiga”, alegamos. Após muita conversa e revelar alegria pela visita que estava recebendo, dona Lia entrou para a cozinha e de lá saiu com dois litros de polvilho e uma cuia cheia de farinha de mandioca. “Isso é um agrado para vocês. Ninguém me visita sem sair daqui com alguma lembrança”, disse dona Lia, pedindo desculpa por não ter algo melhor para partilhar. Detalhe: dona Lia plantou a mandioca, capinou, colheu, fez o polvilho e a farinha. Saímos marcados pela hospitalidade e solidariedade de dona Lia. Encontramos ali, em dona Lia, a viúva de Sarepta, a estrangeira empobrecida que partilhou com o profeta Elias o pouco que tinha para o seu sustento. Narrativa belíssima que está na Bíblia no 1º livro dos Reis, capítulo 17.

8 - O povo do nordeste brasileiro vem passando pelo pior período de estiagem de todos os tempos. É sofrimento sem fim para mais de 3,2 milhões de pessoas do sertão. Em alguns lugares já não existe água para mais nada. Em muitos municípios, há muito tempo, já foi decretado estado de calamidade e há muitos que tiram proveitos da situação. Pessoas que se dizem donas de reservatórios de água exploram os que estão com sede. A venda de água se tornou um comércio com muito abuso e exploração. Centenas de caminhões pipas transportam água vendida. Ontem, noite de lua cheia, escutei um camponês nordestino que dizia ao telefone: “Sentado em um tamborete, no terreiro de casa, fiquei esperando a lua nascer aqui no sertão da Bahia. Queria saber se ela viria coberta de nuvens porque isto é sinal de chuva”. Os governos que tem a obrigação de resolver este problema não fazem nada, melhor dizendo, fazem obras que fortalecem a indústria da seca, como a Transposição das águas do rio São Francisco. Assim, muitos ficam olhando para o céu e esperando os sinais. Conclamamos as pessoas de boa vontade que tenham olhar solidário e comprometido com a luta pela democratização da terra e da água no Nordeste. São 36 bilhões de metros cúbicos de água estocada em 70 mil açudes do nordeste, água que está privatizada nas mãos de coronéis e empresas.

   Eis oito sinais dos tempos e dos lugares. Feliz quem percebe, lê e interpreta os sinais dos tempos e dos lugares que todos os dias se manifestam diante de nós.

   Arinos, MG, Brasil, 30 de dezembro de 2012.


* Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br – www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis - Facebook: Gilvander Moreira.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012


Educadores de Minas conquistam o terço de tempo extraclasse

Foi aprovado, hoje, 18, na ALMG, o projeto de lei estadual 3.461/12, que implanta o terço de tempo extraclasse na carreira dos professores de Minas Gerais. Trata-se de uma importante conquista para a categoria, que já estava prevista na Lei Federal 11.738/2008, a Lei do Piso. O Governo de Minas, através da Secretaria da Educação, deu a sua versão para o projeto, dizendo que ele, governo, concedeu tal direito. Por sua vez, o sindicato anuncia, em seu site oficial, que fora ele quem conquistara o terço de tempo extraclasse. Podemos admitir que o sindicato, como representante dos educadores, conseguiu, através de negociações diretas com o governo e com os deputados, ampliar o projeto original do governo, que já havíamos analisado parcialmente aqui no blog. De fato, houve conquistas em vários pontos. Embora ainda esteja longe do ideal.

O que representa o terço de tempo extraclasse? Representa mais tempo para o professor se dedicar ao estudo, ao planejamento, às atividades de preparação e correção de avaliações, à pesquisa, à formação continuada e aos trabalhos coletivos. O ideal seria que pelo menos 50% da jornada fosse dedicada às atividades extraclasse. A atividade do magistério é cada vez mais uma atividade desgastante, dada à realidade sociocultural vigente, e que exige um maior tempo para o repouso, para o preparo do profissional e também para a pesquisa acadêmica. Além, é claro, de melhor remuneração.

Quando se fala em qualidade do ensino, três coisas, pelo menos, estão diretamente relacionadas ao tema: o salário do profissional da Educação (aí não somente dos professores, mas de todos os trabalhadores da Educação), o maior tempo possível para as atividades extraclasse e a melhoria das condições de trabalho. Esta última implicando na redução de número de alunos por turma, nas condições materiais e técnicas para o trabalho docente e no acompanhamento psicopedagógico dos alunos, etc.

Mas, enquanto não se alcança o patamar desejado, cada pequena conquista deve ser comemorada pela categoria - sofrida categoria - dos educadores. A conquista do terço de tempo extraclasse tem importantes desdobramentos. Primeiramente, porque o tempo de contato do professor com o aluno reduz de 18h para 16h. Isso é bom para os alunos e para os professores. Os alunos não serão prejudicados na sua carga horária anual. E os professores terão mais tempo para se preparar e realizar as atividades que necessariamente acontecem fora da sala de aula.

Além disso, tal mudança representará, para muitos, um adicional salarial. Por exemplo: quem mantiver as atuais 18 aulas, terá direito a receber por extensão de jornada o proporcional à diferença paga pelo cargo completo de 16 aulas em sala (16 em sala de aula e 8 em atividades extraclasse). Neste caso, se o professor recebe R$ 1.400,00 pelo cargo completo pelas atuais 18 aulas em sala, terá direito a receber R$ 1.575,00 pelas mesmas 18 aulas. Caso resolva ficar com as 16 aulas (sempre lembrando que a jornada completa é de 24 horas, aí incluído o tempo extraclasse) continuará recebendo os R$ 1.400,00. O tempo extraclasse será cumprido, em parte, na escola, e em parte - 4 horas - em casa.

Além do pequeno valor extra pela extensão de jornada (ou pelas aulas obrigatórias por exigência curricular), deve-se considerar o aumento do quantitativo do número de cargos de professores. Teoricamente, considerando que há 160 mil professores em efetivo exercício na rede estadual de Minas, o terço de tempo extraclasse representará algo próximo de 20 mil novos cargos. Claro que isso não acontecerá dessa forma, automaticamente, pois boa parte deste tempo será utilizado pelos atuais professores com as extensões de jornada. Mas, consideremos que pelo menos um terço deste montante resulte em novos cargos. Isso representa um pouco mais que 6 mil novos cargos, ou a metade das vagas colocadas no último concurso público. Se considerarmos o grande número de professores que se aposentaram recentemente - ou estão próximos de tal conquista - podemos dizer que há um número muito expressivo de novas vagas para abrigar concursados, efetivos, efetivados e designados.

Os educadores devem compreender esta conquista como um bom momento para refletir sobre a importância de se construir a unidade da categoria. Fazer um esforço para evitar esse baixo teor das brigas intestinas, contra os próprios colegas da categoria. Ninguém ganha com isso. Aliás, o governo e os de cima ganham com essa divisão, pois podem impor realidades que representem perdas para a categoria, para todos, indistintamente.

Há muitas conquistas ainda pela frente. Entre elas, a carreira dos educadores, que foi espezinhada quando o governo alterou as regras do plano de carreira, reduzindo índices de promoção e progressão (somente para os profissionais da Educação); ou quando o governo deixou de pagar o piso salarial nacional, impondo o subsídio e retirando todas as gratificações existentes. Nenhum desses e de outros direitos será reconquistado (ou conquistado, caso do piso) se a categoria estiver desunida. Claro que outras questões, como a Lei 100, são importantes, mas estes problemas não podem e não devem ser abordados da forma reducionista como temos percebido nas linhas dos comentários de muitos colegas. Devemos sempre olhar com prioridade para os interesses coletivos e não apenas os nossos interesses individuais, ainda que sejam legítimos. Na questão da Lei 100, por exemplo. Em que pese o mau uso político eleitoral por parte do governo, é importante que que lutemos coletivamente pelo direito dos colegas efetivados ao emprego e à aposentadoria. Não como favor, como alguns comentários tentaram insinuar. Mas por merecimento, como direito dos efetivados, que dedicaram 10, 20 ou 30 anos de trabalho à Educação. Nenhum profissional da Educação, seja ele efetivo, efetivado ou designado, merece ser tratado com desrespeito e desprezo.

Somos parte de uma mesma categoria e devemos lutar para que as coisas que nos dividem sejam superadas com o diálogo construtivo e benéfico para todos. Construir propostas e alternativas que sejam boas para todos fará com que haja solidariedade de classe. Apostar na divisão, sob quaisquer argumentos, inclusive o da legalidade afastada do contexto histórico que produziu as situações em debate, não contribui para a unidade da categoria e para as necessárias conquistas.

Portanto, a categoria tem motivos para comemorar a conquista do terço de tempo extraclasse, que não é o ideal, mas representa uma pequena, porém importante conquista da categoria, e para a categoria dos educadores de Minas. Além disso, é preciso fazer um esforço muito grande para construir a unidade dos trabalhadores da Educação, em cada escola, e em todo o estado, para as novas conquistas.

Um forte abraço a todos, um Feliz Natal, um Ano Novo com esperança, paz, amor, e disposição para novas batalhas! Força na luta, até a nossa vitória!


                                            ***

Frei Gilvander:

Natal de Jesus a partir de Dandara
Gilvander Luís Moreira

          Com olhos fechados – por estar imerso em uma profunda experiência de amor, ou por estar envolvido em uma grande dor, ou extasiado, ou ... -, nos vemos, pois olhamos para o nosso interior, para nosso eu mais profundo. Com olhos abertos, não nos vemos; ausentes de nós mesmos, vemos o mundo, a partir de onde estão os nossos pés.

Jesus, como criança pobre, nasceu há dois mil anos atrás em uma manjedoura, sem-casa e sem-terra. Hoje, o Menino de Belém quer nascer de novo, no nosso coração, nas comunidades, nos movimentos sociais populares, nas forças vivas da sociedade. Inútil ir aos shoppings. Lá está papai Noel, que é Herodes, rei opressor. Nos shoppings não está Jesus. Lá estão mercadorias, imagens adoradas pelos vassalos do deus capital, essa máquina voraz que se deleita em moer vidas. 


Vamos fazer como os magos do evangelho de Mateus (Mt 2,1-12): seguir a Estrela, indo para fora do Centro, e lá nos morros, nas periferias, nas ocupações urbanas e rurais, debaixo dos viadutos. Aí encontraremos o Deus que se fez humano a partir dos empobrecidos! O Deus que, como mistério de infinito amor, se apaixonou pela humanidade e por toda biodiversidade e, por amor, acampou entre nós. Chegou de mansinho, como criança frágil, a partir dos porões da humanidade.


No Natal celebramos a luz e a força divina irrompendo na humanidade, em Jesus de Nazaré. Jesus se alegrava ao perceber o Reino de Deus irradiando em todos e em tudo. Jesus se mostrou ecumênico, aberto ao outro que dignifica a convivência social. Libertou-se de preconceitos. Não discriminava ninguém. Conviveu com todos, despertou a beleza e a grandeza existente em nós. Jesus anunciava, pelo seu modo de ser e de agir, basicamente o seguinte: Veja a beleza, a força, a grandeza, a dignidade, o divino existente em você, na comunidade, nos pequenos, nos simples e no universo. Não queira buscar fora o que fervilha em você e em volta de nós. É nas relações humanas, políticas e ecológicas que energia e luz libertadoras se manifestam.

Natal é Deus conosco, nós com Deus e nós com nós. Todas essas três dimensões vivenciadas em uma grande sinfonia. Natal é perceber o divino no humano, é ver a sacralidade em todos e em tudo, observando prioritariamente a partir do elo mais fraco ou enfraquecido. É superar todo e qualquer tipo de dualismo, de reducionismos, de simplificações.

Na Dandara, ocupação que se tornou comunidade, em Belo Horizonte, MG, mil e poucas famílias estão, há 3,8 meses, como a estrela que guiou os magos, brilhando e apontando o caminho para construirmos uma cidade e uma sociedade que caibam todos os seres vivos em igual dignidade. Na Dandara, pelo segundo ano consecutivo, a comunidade canta o NATAL NA DANDARA – composição de Maria do Rosário de Oliveira Carneiro, melodia de Lapinha na Mata - que diz assim:

Um dia numa lapinha / Um grande caso se deu / Um garotinho bacana / De uma mulher nasceu. / Aqui bem longe, bem longe, / Na nossa querida Dandara / Tem lugar pra você, Jesus / Na nossa humilde casa (bis) / A gente vivia sofrendo / Escravos do aluguel / Mas, eis que surgiu a Dandara / Tornou-se um pedaço do céu (bis) / A nossa casa é simples / Mas tem flores no quintal / E tem lugar pra você, Jesus / Na noite do seu Natal (bis) / Aqui na nossa Dandara / Aprendemos que tem que lutar / Construir em mutirão / Com fé, com garra e união (bis) / As nossas crianças e idosos / Agora tem felicidade / Dandara está construindo / Uma nova sociedade (bis) / A nossa casa é cheinha / De pessoas pra sustentar / Mas ainda tem pra você, Jesus / Uma vaguinha em nosso lar (bis) / Nasce na nossa Dandara / Você vai correr e brincar / Passear com nossas crianças / Nós vamos também te cuidar (bis) / Dandara é uma grande lapinha / Um lugar por Deus indicado / Fazemos reforma urbana / E Deus está ao nosso lado (bis) / A nossa Dandara é feliz / Na luta por moradia / Nasce com a gente, Jesus / Traz um Natal de alegria (bis).

No último domingo, 16 de dezembro de 2012, uma celebração prévia de natal, encerrando a novena do natal em família, demonstrou o quanto em Dandara se vive o verdadeiro espírito do natal. Com a inspiração das leituras bíblicas,  o povo presente na celebração expressou como experimenta o natal: através da solidariedade entre as famílias e a rede de apoio, das construções em mutirões, da produção de alimentos através das hortas comunitárias e hortas nos quintais, da emancipação das pessoas, da organização popular, da luta por direitos e não somente pelo direito a moradia.

Ao final da celebração, um gesto na contramão do espírito do mercado que impulsiona as pessoas a comprar presentes e consumir ao máximo nesta época de natal: um apoiador de Dandara trouxe várias mudas de plantas: pequi (uma raridade), ipê amarelo, siriguela, fruta do conde e presenteou a comunidade. Moradores se ofereceram, com muita alegria, para plantar e cuidar das mudas em nome de toda comunidade.

Gestos e experiências como estas revelam o profundo sentido do natal. Como Dandara, milhares de outras comunidades de resistência são verdadeiras lapinhas vivas que sinalizam, como a estrela que guiou os magos, onde está o menino, o messias humano-divino que é sinal de vida vivida com dignidade, mesmo que esta dignidade seja construída de maneira revolucionária, com muita luta, ternura e resistência.

A partir de Dandara, das Comunidades Eclesiais de Base, da Teologia da Libertação, dos movimentos sociais populares, do que é mais humano e, por isso, divino, entendemos que a melhor forma de celebrar o Natal não é dando presentes, mas sendo presentes, sendo presença divina no mundo cultivando relações humanas que tecem um novo tecido social justo, solidário, ecumênico e sustentável ecologicamente. Sejamos presente, presença divina, assim como o menino de Belém foi, é e será sempre em nós.

Belo Horizonte, MG, Brasil, 18 de dezembro de 2012.


Um abraço terno na luta.
Gilvander L. Moreira, frei Carmelita
www.gilvander.org.br
gilvander@igrejadocarmo.com.br
Facebook: Gilvander Moreira (Esse aceita novos amigos)
Twiter.com/gilvanderluis


sábado, 8 de dezembro de 2012

Pausa de final de ano...


Pausa de final de ano...

Com a chegada do final de ano, é normal que haja uma pausa para a reflexão e para o merecido descanso dos educadores de Minas e do Brasil. Em relação à Educação pública, ensino básico, os profissionais e toda a comunidade dos de baixo não têm muito a comemorar. A expectativa pelo piso salarial nacional acabou se tornando uma tragédia para os professores, que tiveram suas carreiras destruídas por governos sem compromisso com a Educação pública de qualidade. Este é o caso de Minas Gerais, mas também do governo federal e de quase todos os estados e municípios. No discurso, todos sabem e repetem que não haverá superação das desigualdades sociais e do atraso em muitas áreas se não houver real investimento no ser humano, especialmente na formação das pessoas, que tem na Educação básica, desde a infância, o seu alicerce. Mas os governos trocam o que seria uma política permanente e séria de Educação básica por maquiagens momentâneas, conjunturais. Adoram divulgar estatísticas enganosas, para inglês ver, que não resistem à mais singela crítica, mas que iludem aos incautos.

Mas, o Natal se aproxima, e com ele, o sentido da natividade, do renascimento de esperanças de um mundo melhor. Isso, obviamente, se o mundo não acabar agora em 2012, nos poucos dias que ainda restam para o Ano Novo. É uma das profecias, dizem. Se dependesse dos malucos que estão à frente de governos de países ricos que acumulam toneladas de armas nucleares, o mundo já teria sido destruído. A humanidade e os outros seres vivos teriam sido extintos. Na ensandecida e mesquinha luta pelo poder, pelo lucro, pelo controle espacial e mercadológico, estes grupos que detêm o complexo industrial-militar são capazes de tudo, assim como os banqueiros e outros mercadores de almas e das máquinas de moer gente. Injetam veneno na nossa comida, poluem o ar que respiramos, tudo em nome de um tal progresso que se expressa em forma de lucros e consumos de luxo. Somente a humana resistência de milhões dos de baixo poderá deter a caminhada imposta por estes grupos rumo ao abismo.

Ligo a TV ou abro um jornal, e o que vejo? O papel negativo que desempenha a mídia regional, nacional e mundial, toda ela controlada por grupos de rapina. Disseminam a cultura do egoísmo, transformam o cotidiano em crimes, golpes e baixarias, como se a vida vivida no nosso dia a dia fosse isso, apenas. Recortes de uma imagem que é mais ampla e rica e feliz. O nosso cotidiano é muito mais complexo e rico do que a lente reduzida da máquina midiática. Convivo diariamente com poetas, artesãos, cantores, trabalhadores honestos, donas de casa cheias de sonhos, estudantes que buscam novos horizontes. Gente simples do povo, que encontramos nas estações dos metrôs, nas escolas, nas ruas, nos campos e construções. Mas isso não ganha a atenção da mídia. Não dá "ibope", diriam alguns. As rádios não colocam música clássica, incluindo os clássicos das canções populares brasileiras, porque, dizem, o povo não gosta. Ninguém gosta daquilo que não ouve. Somos 100% seres socializados, ou seja, formados e educados a ouvir e a pensar de acordo com aquilo que reproduzem diariamente na nossas vidas, nas nossas mentes. É a cultura, o fazer cotidiano, reproduzido com a negativa interferência de uma mídia golpista - politicamente falando -, e reprodutora dos interesses dos de cima. A maioria dos pequenos "bandidos" que matam e roubam e estupram é, em grande medida, a cria originada por essa máquina social infernal, que reproduz este cotidiano publicado pela mídia e pelos governos.

É impressionante como a riqueza cultural do Brasil é ignorada por essa mídia, e até mesmo nas propostas acadêmicas de especialistas que ditam receitas para a Educação. Tentam, de forma verticalizada, impor conteúdos e visões que agridem os fazeres e saberes das comunidades, que numa rica história, reproduzem diariamente práticas com as quais temos muito o que aprender. Nas coisas simples do cotidiano, no contato com as pessoas "comuns", a gente percebe o quanto o nosso país despreza as riquezas legadas por gerações de trabalhadores, de pessoas simples, que não aparecem na mídia, mas constroem o nosso verdadeiro patrimônio. 

O Natal e o Ano Novo, em que pese o apelo comercial comum a este período do ano, devem simbolizar, também, a reflexão e a busca pela construção do novo, do renascimento das esperanças e dos nossos sonhos. O sentido cristão, ou judaico-cristão atribuído a este momento, pode e deve ser apropriado por todos e dotado de muitos outros significados. O sonho dos profissionais da Educação, por exemplo, por uma carreira decente, com salário digno, tempo extraclasse suficiente para a preparação e a formação (e o repouso); melhores condições de trabalho; etc., tudo isso, ante à insensibilidade de governantes e das elites dominantes, apresenta-se quase como promessa, mais do que messiânica, em prol de um mundo melhor.

Antes que o mundo acabe - e que não seja em 2012 -, haverá um momento em que, no Brasil, a Educação básica e os profissionais que a constroem no dia a dia serão devidamente valorizados. Assim como todos os outros trabalhadores e trabalhadoras, do Brasil e do mundo. Num processo que surgirá da organização, da unidade e da luta dos de baixo, e não da benevolência dos de cima, com seus tribunais e parlamentos. Sem essa força e pressão da maioria esquecida, só lembrada para servir aos de cima, as coisas continuarão se reproduzindo enquanto tais, ou seja, enquanto coisas a serviço dos de cima.

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!



                                   ***

Frei Gilvander:
 
Jesus de Nazaré, um profeta radical?
A Bíblia respira profecia (Parte 5)
Gilvander Luís Moreira1

2.6 – Jesus de Nazaré, um profeta que se tornou Cristo.
Jesus, o galileu de Nazaré, se tornou Cristo, filho de Deus. Como camponês, deve ter feito muitos calos nas mãos, na enxada e na carpintaria, ao lado de seu pai José. Os evangelhos fazem questão de dizer que Jesus nasceu em Belém, (em hebraico, “casa do pão” para todos), cidade pequena do interior. “És tu Belém a menor entre todas as cidades, mas é de ti que virá o salvador”, diz o evangelho de Mateus (Mt 2,6), resgatando a profecia de Miquéias (Miq 5,1).

2.6.1 - De forma radical, Jesus mostra como resolver o problema da fome.
A fome era um problema tão sério na vida dos primeiros cristãos e cristãs, que os quatro evangelhos da Bíblia relatam Jesus partilhando pães e saciando a fome do povo.1 É óbvio que não devemos historicizar os relatos de partilha de pães como se tivessem acontecido tal como descrito. Os evangelhos foram escritos de quarenta a setenta anos depois. Logo, são interpretações teológicas que querem ajudar as primeiras comunidades a resgatar o ensinamento e a práxis original de Jesus. Não podemos também restringir o sentido espiritual da partilha dos pães a uma interpretação eucarística, como se a fome de pão se saciasse pelo pão partilhado na eucaristia. Isso seria espiritualização do texto. Eucaristia, celebrada em profunda sintonia com as agruras da vida, é uma das fontes que sacia a fome de Deus, mas as narrativas das partilhas de pães têm como finalidade inspirar solução radical para um problema real e concreto: a fome de pão.
A beleza espiritual das narrativas de partilha de pães está no processo seguido. Em uma série de passos articulados e entrelaçados que constituem um processo libertador. O milagre não está aqui ou ali, mas no processo todo. Ei-lo:

Mateus mostra que o povo faminto “vem das cidades”, ou seja, as cidades, ao invés de serem locais de exercício da cidadania, se tornaram espaços de exclusão e de violência sobre os corpos humanos.

“Jesus atravessa para a outra margem do mar da Galileia” (Jo 6,1), entra no mundo dos gentios, dos pagãos, dos impuros, enfim, dos excluídos. Jesus não fica no mundo dos incluídos, mas estabelece comunicação efetiva e afetiva entre os dois mundos, o dos incluídos e o dos excluídos. Assim, tabus e preconceitos desmoronam-se.
Profundamente comovido, porque “os pobres estão como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34), Jesus percebe que os governantes e líderes da sociedade não estavam sendo libertadores, mas estavam colocando grandes fardos pesados nas costas do povo. Com olhar altivo e penetrante, Jesus vê uma grande multidão de famintos que vem ao seu encontro, só no Brasil são milhões de pessoas que têm os corpos implodidos pela bomba silenciosa da fome ou da má alimentação.  -----------

Jesus não sentiu medo dos pobres, encarou-os e procura superar a fome que os golpeava e humilhava. Apareceram dois projetos para resgatar a cidadania do povo faminto. O primeiro foi apresentado por Filipe: “Onde vamos comprar pão para alimentar tanta gente?” (Jo 6,5). No mesmo tom, outros discípulos tentavam lavar as mãos: “Despede as multidões para que vão aos povoados comprar alimento para si.” (Mt 14,15). Filipe está dentro do mercado e pensa a partir do mercado. Está pensando que o mercado é um deus capaz de salvar as pessoas. Cheio de boas intenções, Filipe não percebe que está enjaulado na idolatria do mercado.

-----------O segundo projeto é posto à baila por André, outro discípulo de Jesus, que, mesmo se sentindo fraco, acaba revelando: “Eis um menino com cinco pães e dois peixes” (Jo 6,9). Jesus acorda nos discípulos e discípulas a responsabilidade social, ao dizer: “Vocês mesmos devem alimentar os famintos” (Mt 14,16). Jesus quer mãos à obra. Nada de desculpas esfarrapadas e racionalizações que tranqüilizam consciências. Jesus pulou de alegria e, abraçando o projeto que vem de André (em grego, andros = humano), anima o povo a “sentar na grama” (Jo 6,10). Aqui aparecem duas características fundamentais do processo protagonizado por Jesus para levar o povo da exclusão à cidadania. Jesus convida o povo para se sentar. Por quê? Na sociedade escravocrata do império romano somente as pessoas livres, cidadãs, podiam comer sentadas. Os escravos deviam comer de pé, pois não podiam perder tempo de trabalho. Era só engolir e retomar o serviço árduo. Um terço da população era escrava e outro terço, semi-escrava. Logo, quando Jesus inspira o povo para sentar-se, ele está, em outros termos, defendendo que os escravos têm direitos e devem ser tratados como cidadãos.

Por que sentar na grama? A referência à existência de “grama” no local indica que o povo está no campo, na zona rural, e é a partir de uma reorganização da vida no campo que poderá advir uma solução radical para a fome que aflige o povo nas cidades. Em outras palavras, o combate que liberta da fome passa necessariamente pela realização de uma autêntica Reforma Agrária. Não dá para continuar a iníqua estrutura fundiária no Brasil.2
Jesus estimula a organização dos famintos. “Sentem-se, em grupos de cem, de cinqüenta,  ...” (Mc 6,40). Assim, Jesus e os primeiros cristãos nos inspiram que o problema da fome só será resolvido, de forma justa, quando o povo marginalizado e excluído se organizar.
“Jesus agradeceu a Deus...” A dimensão da mística foi valorizada. A luz e a força divinas permeiam os processos de luta. Faz bem reconhecer isso.
Quem reparte o pão não é Jesus, mas os discípulos. Jesus provoca a solidariedade conclamando para a organização dos marginalizados como meio para se chegar à cidadania de e para todos.

“Recolham os pedaços que sobraram, para não se desperdiçar nada.” (Jo 6,12). Economia que evita o desperdício. Quase 1/3 da alimentação produzida é jogada no lixo, enquanto tantos passam fome. As pessoas perceberam a profecia realizada por Jesus nas entranhas dos fatos humanos. Jesus não quis ser bajulado e retirou-se, de novo, para uma montanha. Exercer a solidariedade de forma gratuita e libertadora. Não estabelecer vínculos que geram dependência em quem é ajudado e consciência tranqüila em quem dá coisas.

2.6.2 – De forma clandestina, Jesus e os seus companheiros e companheiras entram em Jerusalém.

Após uma longa marcha da Galileia a Jerusalém, da periferia à capital (Lc 9,51-19,27), Jesus e seu movimento estão às portas de Jerusalém. De forma clandestina, não confessando os verdadeiros motivos, Jesus e o seu grupo entram em Jerusalém, narra o Evangelho de Lucas (Lc 19,29-40). De alguma forma deve ter acontecido essa entrada de Jesus em Jerusalém, provavelmente não tal como narrado pelo evangelho, que tem também um tom midráxico, ou seja, quer tornar presente e viva uma profecia do passado.

Dois discípulos recebem a tarefa de viabilizar a entrada na capital, de forma humilde, mas firme e corajosa. Deviam arrumar um jumentinho – meio de transporte dos pobres -, mas deviam fazer isso disfarçadamente, de forma “clandestina”. O texto repete o seguinte: “Se alguém lhes perguntar: “Por que vocês estão desamarrando o jumentinho?”, digam somente: ‘Porque o Senhor precisa dele’”. A repetição indica a necessidade de se fazer a preparação da entrada na capital de forma clandestina, sutil, sem alarde. Se dissessem a verdade, a entrada em Jerusalém seria proibida pelas forças de repressão.
Com os “próprios mantos” prepararam o jumentinho para Jesus montar. Foi com o pouco de cada um/a que a entrada em Jerusalém foi realizada. A alegria era grande no coração dos discípulos e discípulas. “Bendito o que vem como rei...” Viam em Jesus outro modelo de exercer o poder, não mais como dominação, mas como gerenciamento do bem comum.

Ao ouvir o anúncio dos discípulos – um novo jeito de exercício do poder – certo tipo de fariseu se incomoda e tenta sufocar aquele evangelho. Hipocritamente chamam Jesus de mestre, mas querem domesticá-lo, domá-lo. “Manda que teus discípulos se calem.”, impunham os que se julgavam salvos e os mais religiosos. “Manda...!” Dentro do paradigma “mandar-obedecer”, eles são os que mandam. Não sabem dialogar, mas só impor. “Que se calem!”, gritam. Quem anuncia a paz como fruto da justiça testemunha fraternidade e luta por justiça, o que incomoda o status quo opressor. Mas Jesus, em alto e bom som, com a autoridade de quem vive o que ensina, profetisa: “Se meus discípulos (profetas) se calarem, as pedras gritarão.” (Lc 19,40). Esse alerta do galileu virou refrão de música das Comunidades Eclesiais de Base: “Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão. Se fecharem uns poucos caminhos, mil trilhas nascerão... O poder tem raízes na areia, o tempo faz cair. União é a rocha que o povo usou pra construir...!”

2.6.3 – Jesus chuta o pau da barraca do deus capital.
Os quatro evangelhos da Bíblia3 relatam que Jesus, próximo à maior festa judaico-cristã, a Páscoa, impulsionado por uma ira santa, invadiu o templo de Jerusalém, lugar mais sagrado do que os templos da idolatria do capital que muitas vezes tem a cruz de Cristo pendurada em um ponto de destaque. Furioso como todo profeta, ao descobrir que a instituição tinha transformado o templo em uma espécie de Banco Central do país + sistema bancário + bolsa de valores, Jesus “fez um chicote de cordas e expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e bois, destinados aos sacrifícios. Derramou pelo chão as moedas dos cambistas e virou suas mesas. Aos que vendiam pombas (eram os que diretamente negociavam com os mais pobres porque os pobres só conseguiam comprar pombos e não bois), Jesus ordenou: ‘Tirem estas coisas daqui e não façam da casa do meu Pai uma casa de negócio.” Essa ação de Jesus foi o estopim para sua condenação à pena de morte, mas Jesus ressuscitou e vive também em milhões de pessoas que não aceitam nenhuma opressão.

3 – E agora, José? E agora, Maria?
Enfim, os tempos são outros, mas o sistema do capital, uma engrenagem de moer vidas, está em pleno funcionamento. O capitalismo, como um castelo de areia, está podre. A idolatria do mercado e do capital está levando a humanidade e todas as criaturas da biodiversidade ao abismo. A maior devastação ambiental da história da humanidade cresce em progressão geométrica. As mudanças climáticas estão cada vez mais afetando a vida humana, vegetal e animal. “O tempo está doido”, dizem muitos. Doidos mesmos são os egocêntricos que mandam e desmandam acrisolados no próprio umbigo.
Intuo que as profecias das parteiras, de Elias, Miquéias, Amós, Oseias e de Jesus de Nazaré estão vivas, hoje, no ensinamento e na prática do MST4, de Dandara – ocupação que se tornou comunidade em Belo Horizonte, MG -, do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB -, da Via Campesina, de muitos sindicatos que ainda continuam combativos, de milhares de Comunidades Eclesiais de Base – CEBs -, que mesmo silenciadas e perseguidas, continuam testemunhando um jeito rebelde de encarnar o evangelho do Galileu de Nazaré. Em milhões de pessoas de boa vontade, em tantos movimentos populares vejo a profecia viva. No Movimento dos Negros, dos indígenas, dos deficientes, das mulheres ...  Por isso vejo que a Bíblia respira profecia. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!

Belo Horizonte, MG, 10 de dezembro de 2012.


1 Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.brwww.gilvander.org.brwww.twitter.com/gilvanderluis - facebook: Gilvander Moreira - Obs.: Esse texto é a 5ª e última parte do artigo “A Bíblia respira Profecia: “Se calarem a voz dos profetas ...”, publicado na Revista Estudos Bíblicos, Vol. 29, n. 113, jan/mar/2012, pp. 37-56, revista que tem como título geral: Bíblia, uma Paideia libertadora. Esse artigo foi publicado também na Revista Horizonte Teológico, vol. 11, n. 21, jan-jul/2012, p. 43-70.
2 Cf. Mt 14,13-21; Mc 6,32-44; Lc 9,10-17 e Jo 6,1-13.
3 Dados e informações comparativas do Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA – revelam a síntese da estrutura fundiária Brasileira em 2003: como agricultura familiar, abaixo de 200 hectares, há 3.895.968 de imóveis rurais (91,9% dos imóveis) compreendendo uma área de 122.948.252 hectares (29,2% do território), enquanto apenas 32.264 propriedades rurais (0,8% dos imóveis rurais) têm acima de 2 mil hectares, constituindo um território de 132.631.509 de hectares. Essas grandes propriedades têm em média 4.110,8 hectares, correspondendo a 31,6% do território. CF. LAUREANO, Delze dos Santos, O MST e a Constituição, um sujeito histórico na luta pela reforma agrária no Brasil, Ed. Expressão Popular, São Paulo, 2007, p. 60.
4 Mt 21,12-13; Mc 11,15-19; Lc 19,45-46 e Jo 2,13-17.

5 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – www.mst.org.br

Um abraço terno na luta.
Gilvander L. Moreira, frei Carmelita
www.gilvander.org.br
gilvander@igrejadocarmo.com.br
Facebook: Gilvander Moreira (Esse aceita novos amigos)
Twiter.com/gilvanderluis