Diário de bordo - 12.03.2010 - Jango, Lula e a mídia mais do que bandida
Não dá pra não falar na mídia, na grande imprensa que nos bombardeia diariamente com notícias distorcidas. Procura, a mídia, de todas as formas assassinar personagens, destruir biografias e criar factóides - uma espécie de fato distorcido, aquilo que a mídia retira de contextos e produz sua própria versão.
Os governos populares, aqueles que, mesmo sem romper com os de cima estão ligados às aspirações e anseios dos de baixo, são geralmente perseguidos e atacados de maneira implacável pela mídia mais que bandida. Esta mídia não fala por si só, ou por opção ideológica dos seus proprietários, apenas, mas, principalmente, fala como porta-voz de interesses de grandes grupos econômicos, banqueiros, latifundiários, grupos poderosos que mamam ou pretendem mamar nas tetas dos governos.
João Goulart, o Jango, por exemplo, presidente do Brasil entre 1961-1964, foi derrubado através de um golpe civil-militar na virada de 31 de março para 1º de abril de 1964. Antes do golpe, contudo, foi vítima cotidianamente de ataques da mídia, especialmente pela voz de lideranças da antiga UDN, como Carlos Lacerda, a mesma UDN que provocou o suicídio de Getúlio, que tentou impedir sem sucesso a posse do presidente JK e depois tentou impedir a posse de Jango em 1961 - o que não ocorreu graças à campanha da Legalidade liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Só em 1964 lograram êxito com a ajuda dos militares, de parte da Igreja Católica, dos EUA, dos banqueiros e latifundiários. Enfim, de uma turminha pouco numerosa, mas com grande poder de fogo e muita grana para financiar e cobrar com juros mais tarde.
A UDN daqueles tempos tem a cara dos demotucanos de hoje, que, não tendo uma liderança de direita à altura de um Lacerda, lançam mão dos Artur Virgílios, Agripinos Maia, Robertos Freire e Jungmans da vida. Além, é claro, dos colunistas e comentaristas de aluguel que já foram citados em outra parte deste blog. Eles tentam de toda forma atacar a imagem de Lula e, por tabela, da candidata Dilma Roussef. Tal como Jango, o governo de Lula, em si, não representa um risco para o capitalismo, mas sua ligação com os movimentos sociais, somado às políticas sociais do tipo Bolsa Família, aumentos do salário mínimo, entre outras, incomodam os setores reacionários da grande burguesia e do latifúndio.
Outro fator que incomoda estes malas da vida pública brasileira - e a seus associados externos - é a política externa do Governo Lula, de não alinhamento automático com os EUA e de aproximação com os vizinhos latinoamericanos, especialmente num momento em que a maioria da população destes países elege governantes que não rezam pela cartilha neoliberal.
Darcy Ribeiro costumava dizer que o Governo Jango caiu - ou foi derrubado - não pelos seus defeitos, mas pelas suas qualidades. Caiu porque queria fazer reforma agrária, ainda que tímida, porque queria fazer uma reforma na Educação, porque queria evitar ou reduzir o que Brizola chamava de "perdas internacionais" - remessa de lucros e pagamentos de juros da dívida externa, e porque abria espaço para a participação popular. Os setores atrasados não gostam disso; eles querem continuar controlando tudo, abocanhando sozinhos os cofres públicos, arrumando os melhores empregos para seus filhos e amantes; enfim, mandando no país como faziam antes.
Lula criou uma espécie de pacto de governabilidade, onde conciliou concessões para banqueiros com políticas sociais. Mais ou menos o que Getúlio Vargas conseguia fazer há mais de meio século atrás, agradando a nascente burguesia e o proletariado urbano em formação - claro que reservados os diferentes contextos sociais, políticos e históricos. Getúlio foi ditador no primeiro governo, que durou até 1945, enquanto Lula foi eleito duas vezes e governa tendo contra si toda a mídia, sem perseguir movimentos sociais.
Mas, se Lula, através desse pacto de governabilidade conseguiu anestesiar parte da burguesia com as generosas concessões aos banqueiros via política monetária do Banco Central, de outro lado provocou a ira de parcela da burguesia com o outro lado da moeda: as políticas sociais e externa. Por conta dessa outra metade do pacto de governabilidade, Lula navega nas ondas da popularidade que não sai da casa dos 80%.
Com maioria apertada no Congresso, tendo um judiciário com fortes ligações demotucanas e uma mídia bandida que o ataca cotidianamente, Lula se manteve no governo sem ser derrubado como fora Jango por causa de uma combinação de fatores: grande apoio popular, correlação de forças internacionais favoráveis, crescimento econômico, incluindo aí o contentamento de parte da grande burguesia, que não se sente ameaçada como ocorria no governo Jango.
Mas, com Dilma, pensam eles, isso pode mudar. A mídia bandida e golpista, representante do que há de mais atrasado no Brasil, teme que Dilma implante políticas de confrontação com o grande capital. Temem que ela invista mais no social. Tentam incriminá-la, como se tratasse de uma terrorista e chegaram até a criar uma ficha falsa sobre o seu passado de militância, e que a Folha de S.Paulo publicou vergonhosamente na capa, para muito depois e timidamente reconhecer, nas páginas internas do jornaleco, que se tratava de uma ficha falsa.
O mais novo episódio de ataque à dupla Lula-Dilma foi a fala do presidente sobre os presos políticos de Cuba em greve de fome. Agora querem que Lula, como chefe de Estado, resolva os problemas internos de todos os países. Quer dizer, dos países cujos governantes são cotidianamente atacados pela mídia, como Fidel, Morales e Chávez. Ninguém pede pra Lula condenar as torturas em Israel, nos campos de concentração da Palestina Ocupada, ou aquela praticada pelos EUA no Iraque ou Afeganistão, ou aquela praticada na Colômbia. Só interessa para a mídia golpista falar mal de Chávez, Morales, Fidel e associá-los à Lula como se este não tivesse uma visão própria e diferente do mundo e fosse um mero seguidor daqueles.
E antes que digam que eu apoio a prisão de pessoas que se opõem ao governo de Cuba, deixo claro que sou radicalmente contrário a qualquer forma de prisão e cerceamento do livre pensamento e expressão. Mas, tanto lá em Cuba, como aqui no Brasil, a liberdade de expressão existe para poucos. Ou vocês acham que eu e os Civitas (Veja), Marinhos (Rede Globo), Frias (Folha de S.Paulo), temos a mesma liberdade de expressão? Ou vocês acham que algum dia estes senhores praticaram democracia na vida pública ou nas próprias redações dos jornais e revistas que dirigem? Todos eles cresceram, como dizia Brizola, na estufa da ditadura, são filhotes da ditadura, portanto. E agora arrotam frases ocas em favor da democracia como se tivessem algum compromisso ético e moral com a democracia ou com a efetiva participação popular.
Nisso, os anarquistas e Marx tinham razão: enquanto houver Estado e mercado, estaremos sujeitos às ditaduras de minorias privilegiadas, cá como lá. O que se procura, na luta cotidiana do possível, é ampliar o espaço e as conquistas dos de baixo, numa combinação de forças que hoje envolve alguns governos, movimentos sociais, coletivos e pessoas em todo o mundo contra os ataques da mídia bandida. Estejamos atentos!
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