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Um mundo liberto das algemas do capital –- eis a grande aspiração das pessoas que de alguma forma conseguem contrariar as imposições morais do sistema que nos domina. Embora esse sonho faça parte, ainda, do universo do pensamento – uma abstração, portanto –, não é coisa fácil imaginar uma realidade tão distinta daquela que vivenciamos. Em geral reproduzimos, no pensamento, nos sonhos, muito daquilo que somos e vivemos, pois estamos presos de diversas formas a uma dinâmica que não escolhemos, que já está dada, gostemos ou não. Reproduzimos o que conhecemos. E na maioria das vezes só nos cabe mesmo seguir a correnteza, ainda que façamos profundas críticas aos nossos fazeres reforçadores de uma lógica que na teoria negamos. Reparem: fazemos aquilo que não queremos, ainda que tenhamos um posicionamento formal crítico em relação a isso. O tal ser, por ser como é, e por isso mesmo, exatamente por ser tal como é, precisaria deixar de existir. Este pensamento nos impele à busca pela mudança. O que nem sempre é possível, pois não controlamos as circunstâncias, pelo menos não todas. Ou quase nenhuma.
É um paradoxo profundamente humano: fazemos e reproduzimos coisas que na nossa crítica teórica não gostaríamos que fossem feitas. Não gostaria de ter que trabalhar 10 horas por dia em troca de um salário para sobreviver, sabendo que a maior parte desse meu tempo é apropriada pelo capital. Mas, nesse caso, não há escolha. Não gostaria de ter que votar em ninguém para me representar num parlamento que na maioria das vezes é controlado pelos agentes dos nossos algozes. Mas, também nesse caso nem sempre há escolha. O não votar nem sempre é a “"menos pior”" das escolhas, e acaba, algumas vezes, tornando-se uma escolha que favorece ainda mais o sistema. Pelo menos em situações como agora, quando a disputa no interior do mesmo jogo pode representar diferenças significativas na vida real das pessoas. Há escolhas a serem feitas no interior desse jogo; escolhas essas que não mudarão a essência do jogo, mas que representam pequenas grandes mudanças capazes de salvar ou não muitas vidas. Isso faz diferença para qualquer pessoa que tenha o mínimo de sensibilidade.
O pensamento libertário, emancipatório, mais genuíno, defende um mundo sem fronteiras, uma humanidade liberta das algemas do capital com tudo o que está ligado a esse sistema: o mercado, o Estado, a apropriação privada das fontes de vida, a exploração da força de trabalho alheia, e toda a cultura de egoísmos e de disputas individuais que expressam essa realidade material. Tudo isso faz parte de um pacote, de um sistema, que não foi superado em nenhum país e por nenhum povo isoladamente. Por mais que a ignorância ou a má-fé por parte tanto de uma esquerda dogmática quanto de uma direita troglodita queira atribuir a alguns países a condição de um “"outro"” sistema social, a que chamam de “"socialismo”", na verdade, o que existe é um mesmo sistema: o capitalismo. Nenhum país, nenhum povo isoladamente conseguiu superar a dinâmica material e as imposições culturais e morais do capital. Pelo menos até o momento.
Por mais idealistas e heroicas em alguns casos tenham sido as inúmeras tentativas de libertação dos trabalhadores dos “"moinhos satânicos"” (Marx) do capital, a realidade nos mostra que todas essas tentativas não lograram êxito. Houve avanços sociais, sim, dentro do sistema capitalista mundial, de forma diferenciada em cada território nacional, e é preciso que se diga que essas conquistas sociais e políticas, inclusive nos países mais ricos, devem-se principalmente ao medo do fantasma do comunismo. Se é verdade que o ideal comunista não vingou, sequer foi iniciado em qualquer país do mundo, também não é menos verdade que a luta pelo comunismo provocou várias mudanças e conquistas em favor dos de baixo. O sistema capitalista é forçado a fazer concessões para não perder tudo. E é a luta dos de baixo, sempre, o motor das principais conquistas sociais e políticas que conhecemos.
Fica difícil para uma pessoa isoladamente, interiorizada de várias formas pela cultura e pela dinâmica do sistema dominante, imaginar uma forma de vida fora dessa realidade. O que é plenamente compreensível. As pessoas estão ligadas a uma rotina de vida. Em geral, essas pessoas (nós) pensam que têm controle sobre essa rotina, sobre suas próprias vidas e que podem ou não mudar as coisas ao seu bel prazer. O que não constitui uma realidade. Pelo menos não totalmente. Estamos presos a um jogo que já está dado, de cartas marcadas, cabendo apenas realizar pequenos lances no nosso cotidiano, que não quebram a dinâmica já colocada. Podemos até mudar algumas pequenas coisas nas nossas vidas pessoais, o que não deixa de ser importante, também, claro, mas essas mudanças não alteram toda uma lógica urdida pelo sistema. Só mesmo um grande movimento mundial, que envolvesse milhões de pessoas, sobretudo aqueles que produzem as riquezas do mundo –- os trabalhadores - –, conseguiria alterar na essência essa dinâmica imposta pelo capital. Mas, teria que ser um movimento auto-organizado para esse fim, e não para tentar gerenciar em cada país a mesma dinâmica dominante.
Talvez seja o grande desafio dos nossos tempos: é a verdadeira luta entre a barbárie imposta mundialmente pelo capital e a (re) humanização das nossas próprias relações. Não é pouca coisa. E não cabe aqui nos preocupar com o fator tempo. Muito provavelmente nossa geração não presenciará uma mudança tão rica e profunda. Mas, já é uma grande coisa manter acesa a chama da esperança numa outra relação social. E que não pertence isoladamente a esse ou a aquele personagem ou grupo ou autor, mas à humanidade. A começar por aqueles que têm o maior interesse numa mudança mais profunda: os de baixo.
Temos um longo caminho a trilhar. E o principal horizonte que enxergamos é a própria estrada, aquilo que formos capazes ou não de realizar nesse caminhar. Por enquanto, continuamos, coletivamente falando, paralisados, ainda que aparentemente em movimento, levados apenas pela correnteza do capital, de forma irrefletida, sem vontade própria, sem condições de entender o todo, ou, mesmo havendo compreendido, sem condições de realizar uma real mudança de rota. Talvez seja esse mesmo o nosso destino: aceitar a hecatombe definitiva da humanidade, que não terá demonstrado suficiente sensibilidade humana para resistir e alterar a sina que lhe fora imposta. Ou talvez não. Talvez Ainda haja tempo para que brote do asfalto a flor do poeta Carlos Drummond. A humanidade, mesmo desumanizada, coisificada, terá que demonstrar capacidade de renascer e construir outra relação, outro mundo. Outra forma de vida, sensível, solidária, humana, enfim.
P.S.: Enquanto isso não acontece, no mundo real do Brasil real, temos que eleger Lula no primeiro turno, para interromper a onda da extrema direita cujo componente principal é apenas o moralismo banal como bandeira para empanar a cruel realidade de milhões de pessoas que vivem na fome, na miséria e em condições cada vez mais degradantes.
(Euler Conrado, 26 de agosto de 2022)
A fogueira ficava acesa no meio da principal rua do Arraial para espantar o friozinho noturno. Era uma prática comum naqueles tempos na cidade que antes se chamara Arraial do Capão. As chamas da fogueira ajudavam a clarear um pouco mais e a aquecer os nossos corpos. Sentados ali, em volta da fogueira, era comum que as pessoas contassem suas histórias, suas vivências, mas, principalmente, os causos de assombração. No silêncio das noites frias daqueles tempos de pouco movimento, sobretudo nos dias de lua cheia, com quase nenhum carro passando, ouvia-se apenas o coaxar dos sapos, o miado dos gatos e o canto das corujas e dos grilos, além do bailado das folhas sacudidas pelos ventos. Tudo isso intercalado pelo silêncio quase absoluto, rompido em seguida pelas falas dos contadores de casos.
A contação de histórias e causos era algo ao mesmo tempo delicioso de se ouvir, e apavorante também, uma vez que, ao retornarmos para as nossas casas, em passos acelerados, sempre se imaginava o que poderia acontecer. Brrrrrr! Alguma alma penada poderia surgir. Mulas sem cabeça poderiam desfilar bem na nossa frente. E quando já estávamos deitados, haveria sempre a possibilidade prevista nos causos narrados por vários moradores, que alguma alma desgarrada voltasse para puxar nossos pés. Por isso, as pessoas temiam abrir os olhos e oravam para que aquele imaginado mal fosse afastado.
Lembro-me, na minha infância, quando uma senhora muito querida e conhecida da nossa família foi até a nossa casa para nos benzer e afastar os maus espíritos. Hoje, seguramente, eu temo muito mais alguns espíritos de porco em pessoas vivas do que os mortos. Mas, naquela época, era comum que a gente se benzesse para afastar maus olhados e maus espíritos. Os maus olhados certamente ainda perambulam por aí. Fato é que a gentil senhora que lá em casa esteve para nos benzer, orou diante de cada um de nós. Eu fiquei por último, e, para minha surpresa, ela passou mal justamente quando me benzia, tendo que interromper as orações por alguns minutos para retomar em seguida, após engolir um pouco de água. Eu era ainda criança e não podia imaginar que já estava assim tão carregado de maus olhados, maus espíritos, ziquiziras e urucubacas. Que coisa! Talvez seja por isso que certa vez, na adolescência, quando usava uma determinada blusa de frio, notava algo espetando meu peito. Até que resolvi descosturar uma parte dessa blusa e vi que havia um crucifixo que minha querida mãezinha havia colocado secretamente para me proteger. Deve ser por isso que atravessei com segurança vários séculos de existência.
Alguns anos depois, fui colher os testemunhos de alguns antigos moradores de Vespasiano sobre as lendas e causos de assombração. Os casos narrados eram sempre muito interessantes. Alguns deles apontavam a real existência de assombração e coisas do tipo. Já outros, um tanto quanto jocosos, indicavam o uso desse imaginário para conseguir algum resultado prático ou até mesmo para assustar as pessoas. De qualquer forma, o ambiente rural, às vezes bucólico, mas nem tanto, quando a convivência de bichos, fantasmas e pessoas se misturava, era comum que as histórias de assombração ganhassem vida e assombrassem as vidas de muitas pessoas, ainda que de forma momentânea. Todos nós, de alguma maneira, sentimos aquele friozinho na barriga em algum momento da nossa existência. Hoje, com certeza, quem mais nos assombram são alguns vivos, que atazanam e aterrorizam o nosso cotidiano de diversas formas.
Mas, indo direto ao tema, vamos ouvir o que nos disse, ainda que de forma resumida, alguns dos antigos moradores que gentilmente se dispuseram a nos contar - isso na década de 90 do século passado, viu gente - um pouco dessas histórias e lendas. Entre eles: Dona Tereza, Bicota, Barão, Dona Nenem, Leopoldo, Anésio e Dona Luiza.
Dona Tereza. E dissertando sobre aqueles tempos, dona Tereza Tercetti nos deu uma ideia de como era o antigo Capão: "Não tinha luz, não tinha nada. Havia poucas casas. A primeira luz foi o povo do Barreiro que trouxe. As ruas eram só barro, não havia calçamento".
Um arraial assim, pequeno, com poucas famílias, não deixava de ter e de formar os seus próprios costumes, suas tradições e suas lendas. Aliás, foi sobre as lendas que D. Tereza pôs-se logo a falar.
- Havia naquela época uma procissão de encomendação de almas. As pessoas seguiam de branco carregando uma vela acesa. Muita gente tinha medo. Uma senhora contou-me que certa vez ela estava na janela quando passava a procissão. Uma pessoa entregou-lhe uma vela e quando, no dia seguinte, a tal senhora foi verificar, no lugar da vela encontrou um osso de defunto.
E prosseguiu d. Tereza:
- Há também a história de um cavaleiro que passava altas horas da noite pelas ruas. As pessoas ouviam o cavalo cavalgando e quando abriam a janela não viam ninguém. Eu ouvi algumas vezes, mas não tive coragem de abrir a janela. Essas coisas aconteciam sempre na quaresma.
D. Tereza falou-nos também de outras estórias, como a do bambuzal mal-assombrado, mas fez questão de enfatizar que não acreditava em assombração. De qualquer forma, dá para imaginar como devia ser o ambiente noturno da antiga Vespasiano, sem luz, coberta por árvores frondosas, poucas casas. Sobretudo ali, na conhecida rua onde morava a saudosa d. Tereza, a Rua dos Sapos.
Bicota. Em outra ocasião, já faz muito tempo, Bicota, na sua condição de mago nas horas vagas, foi convocado por um Pai de Santo para um servicinho extra. Sua missão: subir numa árvore, numa montanha próxima da cidade e berrar feito um bode depois que o Pai de Santo concluísse o ritual com seus clientes. Conta Bicota que o Pai de Santo levou uma caravana de pessoas, entre elas uma senhora paralítica, cujo desejo era o de curar a perna. Quando anoiteceu, Bicota foi até a árvore combinada e lá ficou tomando uns goles à espera do momento marcado para entrar em ação. Meia hora depois chega o Pai de Santo com seus clientes. Certifica-se de que Bicota estava em cima da árvore - só ele sabia disso - e dá início ao ritual. Invocando os seus santos protetores, ele mata e esquarteja um bode. E enquanto passava o bode morto nas pessoas, alertava:
- Silêncio total, minha gente, e concentrem-se pois é nessas ocasiões que satanás aparece.
Todos tremiam de medo. Bicota, na árvore, fazia força para não rir. Quando o bode começou a feder, o pai de santo levantou a cabeça do bicho e aproximou-se da senhora que estava agarrada à bengala para manter-se de pé. Bicota, já embriagado, percebeu que era o momento de berrar feito bode. Estufou o peito e, quando ia soltar a voz, escorregou da árvore e foi caindo tronco abaixo até ficar preso pelo pescoço num dos galhos. Diante da inesperada cena, o pai de santo arrematou:
- Dona, dona, é o Pemba! Corre, dona, que é o pemba!...
Disse Bicota que a tal senhora largou a muleta e correu feito um atleta morro abaixo, como se nunca tivesse tido qualquer problema na perna. A dona curou-se completamente e até a data da narrativa de Bicota, quando ela se encontrava com o Pai de Santo, chamava-o de "doutor". Segundo ainda o auxiliar do Pai de Santo, que acompanhou o mago até o morro, pelo menos uma pessoa continuou correndo sem parar e gritando:
- É o pemba, é o pemba, corre!
Barão. Por volta de 1924, Vespasiano, ainda incorporada ao município de Santa Luzia, era uma cidade sem luz - no sentido estrito da palavra. Naquela época, durante nas sextas-feiras de quaresma, era realizada uma procissão de "encomendação de almas", organizada por Bento Fagundes. Na escuridão da noite, os religiosos, carregando velas e arrastando uma corrente pelo chão, passavam pela rua deserta, no centro da cidade, gritando e rezando em voz alta. O silêncio, quase absoluto, só era quebrado pelo coaxar dos sapos e pelo lamento das poucas pessoas que seguiam a procissão. À frente da mesma, uma pessoa de quase dois metros de altura era quem puxava as orações. Barão tinha dez anos quando viu pela primeira vez aquela cena estranha. Achou aquilo tão assustador que correu para casa e enfiou-se debaixo da cama. Mais tarde, porém, o jovem Barão, que teria se assustado com tal acontecimento, enfrentaria de perto a barreira do além…
Foi por volta de 1934. Naquela época, Barão já namorava D. Inah e ia, todos os dias, religiosamente às 19h, à Fazenda do Maçarico encontrar-se com sua amada. Seu pai, comerciante na cidade, ficava enfurecido quando o relógio batia 7 da noite. Barão, que o ajudava no comércio, largava tudo, mesmo quando muitos fregueses imploravam para serem atendidos. Barão passava a mão na bicicleta e seguia para o Maçarico, onde sua amada o esperava. Já naquele tempo corria de boca em boca a lenda do "Cachorro Branco", segundo a qual, durante a noite, um cachorro branco costumava aparecer e desaparecer repentinamente. Barão ouvia esses casos mas não levava muito a sério. Um belo dia, porém, quando atravessava a ponte do Córrego Sujo, montado em sua bicicleta, um cachorro branco passou na sua frente. Assustado, ele freou bruscamente a bicicleta e caiu. Em seguida, passou a mão no revólver que levava à cintura e deu três tiros. O cachorro branco, no entanto, como contava a lenda, já havia desaparecido.
Por volta de 1940, ele tinha um Chevrolet-35, com o qual trabalhava fazendo carretos. Certa vez, Barão teve que desempenhar uma tarefa muito especial. Um cidadão de Nova Granja, devoto do espiritismo, queria que Barão o levasse até a cidade de Matozinhos, onde ocorreria uma sessão espírita. Barão aceitou a missão e levou o cidadão e a filha dele até aquela cidade. Como a reunião estava se estendendo muito, Barão resolveu assistir a uma parte da mesma. Foi quando presenciou a filha do tal cidadão encarnar o espírito de um falecido que atendia pelo nome de "Gigante". A voz fina da moça, tornou-se grossa como trovão. Barão teve que se esforçar muito para não dar uma risada ainda mais grossa. Terminada a reunião, os três voltavam para Vespasiano, quando, no meio do caminho, o carro atolou no barro e ficou preso. Barão pisou no acelerador e nada do carro se movimentar.
- Droga, sô – reclamou Barão dirigindo-se aos passageiros – bem que o "Gigante" podia dar uma forcinha aqui pra gente.
Foi só o tempo de proferir aquelas palavras e, quando apertou de novo o acelerador, o carro desabou a andar. Foi um alívio geral. Depois disso, toda vez que o cidadão de Nova Granja alugava o carro de Barão, ele dizia muito seriamente:
- O sr. podia nos conduzir, a mim e ao Gigante, até a cidade de Matozinhos?
O valente Barão cobrava o carreto do tal homem e, de quebra, dava carona pro "Gigante", de bom grado.
Leopoldo. Numa outra ocasião, chovia forte em Vespasiano, chegando mesmo a cair pedra. A barbearia do Leopoldo Marani desta vez estava instalada na praça JK. A chuva era tão forte que ele resolveu fechar a barbearia. De repente, ele ouve alguém esmurrando a porta. Quando foi abri-la, deu de cara com o Tanus, completamente molhado.
- Como é que você sai de casa num temporal desse, Tanus? – indagou Leopoldo.
- Sujeito doido, o Bicalho. Temporal bravo! – respondeu Tanus, aos berros, com sotaque árabe, deixando Leopoldo sem nada entender. Só depois de alguns minutos é que Tanus, já mais calmo, explicou que estava na casa de Bicalho – pai do advogado Zé Bicalho – quando começou a chuva forte. Diante do temporal, Bicalho dizia: "Deus é medonho, Deus é medonho!". Na verdade ele queria dizer "Deus é poderoso", só que em lugar de "poderoso" saía a palavra "medonho". E isso fez com que Tanus pensasse que Bicalho estivesse blasfemando contra Deus em plena tempestade. Por isso, com medo do castigo do Deus "poderoso" e "medonho", saiu da casa de Bicalho às pressas, com chuva e tudo, indo buscar guarida na barbearia do Leopoldo.
Dona Neném. Muito religiosa, Maria de Paula Santos, carinhosamente conhecida como Dona Neném, antiga e querida professora em Vespasiano, dizia não acreditar em assombrações. Perto da sua residência, aliás, ficava o famoso bambuzal, que os mais antigos diziam ser assombrado. Ela garante nunca ter visto nem ouvido nada de estranho. E nos deu uma explicação aparentemente científica para a má fama do bambuzal, onde as pessoas diziam ouvir gritos e gemidos altas horas da noite. Segundo Dona Neném, essa lenda estaria ligada a um acontecimento que ela nos contou a seguir.
- Antigamente, quando morria alguém em Nova Granja, Maravilhas ou Inácia de Carvalho, o corpo era trazido numa padiola. Essa padiola era deixada no bambuzal e de lá os parentes e amigos do falecido seguiam a pé com o corpo até o cemitério da cidade. – Foi essa a explicação que dona Neném nos deu.
Mas, para as novas gerações que não sabem, o bambuzal ficava onde está instalada a fábrica de cimento da Soeicom. E cá pra nós, um bambuzal assombrado era bem melhor e menos nocivo que o "assombro" poluente da fábrica, não acham?
Anésio Fagundes. Como já era de se esperar, morando tão próximo assim do assombroso bambuzal, Anésio contou-nos um "causo" de fantasmas que não eram propriamente fantasmas.
Certa vez, seu irmão Pedro e o amigo dele Lapueba (antigo e querido poeta e vaqueiro da cidade) resolveram passar um susto no velho Manuel Fagundes. Numa noite escura, subiram na árvore e esperaram o sr. Manuel passar, quando então, os rapazes jogaram dois sacos brancos cheios de palhas secas de milho em cima dele. Assustado, seu Manuel correu feito um foguete para dentro da casa, gritando:
- Cagenja, cagenja! – o que, segundo Anésio, quer dizer "assombração".
O sr. Manuel nunca chegou a saber que se tratava de uma brincadeira, pois – contou Anésio – bravo como era, se soubesse o que havia ocorrido de fato, certamente que ele iria querer escalpar em carne viva Pedro e Lapueba. Por isso, toda vez que Lapueba encontrava-se na rua com Anésio, ele sorria e gritava: "Cagenja!".
Mas, de todas as entrevistas que fiz na década de 90 do século passado com antigos moradores, e que resultaram no modesto livro “Casos e coisas da minha terra”, a resposta mais intrigante veio da querida dona Luiza, mãe de João Mamão e avó de Lindomar, que por sinal acompanhavam a entrevista. Dona Luiza havia completado 94 anos – isso em 1990, e ainda mantinha disposição para cozinhar, lavar e passar roupas. Indagada se ela acreditava em assombração, ela deu boas risadas para, em seguida, responder:
- Assombração é a gente mesma! O povo fala que viu isso ou aquilo. Eu nunca vi nada!
Dessa forma, com essa frase lacônica e definidora da Dona Luiza, encerramos nosso texto. Mas, não sem antes confessar uma ponta de receio de que possa haver, sim, no nosso meio, muitos seres assombrando a nossa vida. Por isso, recomenda-se manter em dia as orações, um galho de arruda atrás da orelha e um crucifixo no bolso da camisa para espantar os maus espíritos.
(Euler Conrado – 20 de agosto de 2022)
Aquela cidade ainda bem rural, apesar da proximidade com a capital mineira, recebia com certa frequência a visita de ciganos, de circos e de parques de diversão. Todos eles ficavam instalados no centro da cidade, numa área próxima da Estação Ferroviária e do campo do Vespasiano Esporte Clube. Era uma grande alegria para todos nós, quando chegava algum desses visitantes ilustres.
Os ciganos, por exemplo, geralmente eram bem recebidos em Vespasiano. Eram grupos de famílias ciganas socialmente diferenciadas. Às vezes vinham ciganos com carros e muito bem estruturados; outras vezes vinham ciganos com grande número de cavalos; e às vezes ciganos bem mais simples, apenas com suas barracas de lona. Instalavam seu acampamento, suas moradas de lona, estendiam suas belas roupas típicas e o vasilhame sempre muito bem areado. Ficavam um tempo na cidade, conversavam com os moradores, promoviam atividades como a leitura de cartas e das mãos e a venda de tachos de cobre muito bonitos e produzidos por eles com esmero. Houve até mesmo casamento de ciganos com festas e tudo mais, podendo os moradores acompanhar de perto o desenrolar do matrimônio seguindo a tradição cigana. Eu sempre achei o máximo a convivência com os ciganos, com seus trajes típicos e sua morada sem apego.
Quando eu era bem mais jovem, quase adolescente, o que já faz algum tempo, no meu imaginário romântico, eu achava às vezes que eu poderia ou deveria me casar com uma dessas lindas e graciosas ciganinhas que apareciam na cidade; e com ela partiria para sempre – mal sabendo eu que a tradição cigana dificultaria esse enlace com alguém que não fosse também cigano. Mas, era talvez da minha parte uma relação platônica com esse povo tão perseguido no passado, e mesmo aqui no Brasil que, apesar da acolhida relativamente pacífica, foi sempre acompanhada de discriminação e preconceitos. Contudo, eu olhava as ciganas com suas lindas saias rodadas e cabelos compridos, às vezes com lenços, e aquilo que para alguns poderia parecer algo fora da moda ou exótico, para mim era só beleza. A vestimenta dos ciganos faz parte de sua resistência cultural de muitos séculos.
Na conhecida ópera Carmen, de Bizet, o soldado Don José, mesmo estando noivo de Micaela, apaixona-se pela sedutora cigana Carmen. Com o espírito libertário e autônomo, a cigana acaba se apaixonando por outro homem, o toreador Escamillo. Tomado por enorme ciúme e paixão, José implora para que a cigana Carmen abandone o toreador espanhol e volte para ele. Mas, ela insiste em manter seu espírito livre, dona de si e do seu próprio destino. A ópera termina com um belo dueto, onde Carmen revela que prefere morrer a perder sua liberdade e se resignar aos apelos de José. Este, tomado pela paixão e pelo ódio, desfere uma facada fatal na cigana. Na arte, como na vida, os sentimentos doentios de posse e de ódio provocam a tragédia. A ópera Carmen exibe belas árias, como: Canção do Toreador, interpretada pelo personagem Escamillo; La fleur que tu m'avais jetée (A flor que você jogou em mim), interpretada pelo personagem do soldado José; e a famosa Habanera, cantada pela personagem da cigana Carmen, onde ela anuncia que “O amor é um pássaro rebelde, que ninguém consegue domar”.
Mas, voltando a Vespasiano, quando os ciganos deixavam a cidade, ficava sempre aquele vazio em todos nós, pois a gente sabia que aquele grupo em especial, de famílias de ciganos, dificilmente voltaria, por mais que tivesse recebido todo o carinho e a atenção da comunidade local. Eles seguiam, como as águas de uma correnteza, em busca de novos mares, novos ares, novos horizontes. E nós aqui permanecíamos, a imaginar como seria viajar pelo mundo afora, sem fincar raízes, ou quem sabe, levando conosco um pouco das raízes de cada local. Um paradoxo para alguém como eu, tão enraizado à minha querida terra natal. Mas, pouco tempo depois, novos grupos de ciganos apareciam, nos enchendo de alegria e curiosidades também. A convivência com o outro, com o diferente, é um dos desafios mais bonitos e humanos que podemos ter.
Claro que na realidade hostil e cruel do mundo do capital, como já observamos, quase todas as diferenças são reduzidas à pó diante do Deus mercado. Mas, mesmo assim, diferentes culturas como a dos ciganos, dos índios, e de tantas outras etnias ou grupos ou povos resistem heroicamente. Hoje em dia em Vespasiano não tenho notícia da vinda de algum grupo de ciganos. Aqui em Lagoa Santa, onde moro atualmente, próximo das grutas da Lapinha, observei a chegada de dois grupos de ciganos: um em condições sociais mais avantajadas, que comprou terreno e construiu bela casa; e um outro, socialmente mais simples, que ficou um tempo numa área na região da Lapinha. Este grupo já não está mais no local. Ambos os grupos mantinham os belos trajes típicos dos ciganos.
Na cidade de Vespasiano, quando ainda era uma região bem rural, a convivência com os ciganos era uma das alegrias da população. Uma pena que essa tradição não tenha permanecido. Até mesmo algumas peças teatrais interpretadas por moradores da cidade faziam alusão aos ciganos. No livro da minha querida tia Nizete Fonseca Lima, Aletheia Vespasiano, ela reproduz cartazes de algumas dessas peças teatrais da década de 50, entre as quais “A vingança da cigana”. A presença de grupos e famílias de ciganos em Vespasiano era um diferencial muito interessante. A ausência dos ciganos, nos tempos atuais, denota, de alguma forma, um empobrecimento cultural da nossa realidade. Já não posso nem mais sonhar em me casar com uma cigana e com ela seguir viagem sem rumo e sem direção para outros horizontes.
Além dos ciganos, a chegada dos circos e de parques de diversão era também motivo de alegria da população local. Quanto mais simples o circo, maior a garantia de boas gargalhadas. A apresentação dos palhaços era o ponto forte. Mas, havia também outros números artísticos, como os trapezistas, os malabaristas, os engolidores de fogo, entre outros. Em alguns circos víamos os domadores de animais. Mas, a graça mesmo vinha sempre dos queridos palhaços, que com sua apresentação teatral e musical, contagiavam a todos, sobretudo as crianças, embaladas nos sonhos, no trágico, no cômico e na leveza que somente os palhaços são capazes de produzir. Era muito comum assistirmos os mesmo números durante vários dias e mesmo assim tínhamos a sensação de novidade, tal a beleza e o improviso comum nessas ocasiões. Hoje já quase não temos notícia da presença de circos na cidade, o que constitui igualmente um empobrecimento cultural. É preciso incentivar as práticas circenses, que despertam nas crianças e nos adultos também a fantasia, a ilusão, o sorriso, a alegria e os sonhos. Nas realidades cruéis e sombrias como as que vivemos, precisamos cada vez mais de circos (e de pão, e de escolas, e de livros) e menos de armas.
Além dos circos e dos ciganos, a cidade de Vespasiano naqueles tempos recebia também com muita frequência a instalação de parques, que ficavam no mesmo local onde ficavam os circos e os ciganos, ali na rua Miguel Timponi. Essa área aberta deixou de existir e em seu lugar foram construídos prédios – o que, aliás, aconteceu em toda a cidade, acompanhando o chamado progresso.
Os parques de diversão mais sofisticados traziam roda gigante, montanha russa e carrossel. Mas, todos eles tinham várias barracas com brincadeiras ou de alimentação, como a das maçãs do amor, entre outras. Era diversão garantida, com muita música, muita gente circulando pelo local e a possibilidade de se aventurar num desses brinquedos de maior porte. Uma cidade pequena como Vespasiano daqueles tempos tinha pouco o que oferecer na rotina noturna do dia a dia. Tirando o cinema do Ubaldo, o Cine Teatro Rex, que era talvez a principal atração de todas as noites, e os bares e as brincadeiras noturnas, que eram muito divertidas, as opções eram poucas. Claro que as festas religiosas ou tradicionais e populares, como o Carnaval, o Boi da Manta, as festas juninas, a malhação do Judas, entre outras, eram sempre muito concorridas. Contudo, em boa parte do ano não havia muitas opções, a não ser as novelas. Por isso, também, a chegada dos circos e dos parques era motivo de grande alegria. E a dos ciganos, claro, com outras características, era sempre uma feliz novidade.
Pessoalmente, já há algum tempo deixei de comparar períodos de tempos diferentes com o intuito de afirmar que esse ou aquele período foi melhor ou mais feliz, enfim. Cada tempo vivido pelas pessoas traz sua própria experiência, que incorpora as mudanças e as inovações tecnológicas e de costumes, mantendo ou não algumas tradições ou permanências. Com o tempo, todos nós mudamos, embora alguma coisa ou várias coisas permaneçam eternas em cada um de nós. A cidade também passa por essas mudanças. Algumas, aparentemente para melhor; outras, para pior. As pessoas continuam encontrando formas de se encontrar e se divertir, ainda que, para nós, de séculos passados (meu caso, que tenho mais de 1000 anos!) seja sempre algo muito estranho mediar os encontros humanos por meio de celulares e computadores. Mas, se o ritmo de vida atual impõe ou se impõe dessa forma, fazer o quê né?
Fato é que as nossas memórias, muito antes da internet, dos celulares e de computadores, já nos conectavam em altíssima velocidade e de forma instantânea a diferentes tempos e realidades, mantendo vivas as lembranças dos fazeres e dos costumes que marcam a nossa existência. A recordação da visita dos ciganos, dos circos e dos parques naqueles tempos em Vespasiano, nos coloca novamente em contato com a magia desse encontro tão rico e plural, ainda que fugaz, como quase tudo na vida. Quase tudo, mas não tudo. Saudades dos ciganos, dos circos e dos parques...
(Euler Conrado, em 14 de agosto de 2022).
(Um parêntese antes de iniciar o texto: até meados do século passado, Vespasiano tinha uma população pouco numerosa; praticamente todos se conheciam e se cumprimentavam pelo nome, ou pelo apelido. Todas as famílias, portanto, tinham seu protagonismo na história da cidade, contribuindo, de uma forma ou de outra, com a construção da cidade. Nas festas religiosas, populares e tradicionais, como o Carnaval; no futebol, no comércio, na Educação, nas construções, nas brincadeiras de rua, na política, enfim, em todas as áreas. No texto que se segue, o recorte está centrado especificamente na minha família, mas é sempre bom deixar claro que todas as famílias e pessoas tanto daquela época, quanto atualmente, tiveram e têm papel fundamental na cidade. São (somos) todas e todos muito importantes! Feito esse registro, passemos ao texto).
Nem todos conhecem algumas passagens importantes sobre esse belo e antigo sobrado, que fica no centro da cidade de Vespasiano, à rua Francisco Lima, nº 12. Não pretendo nesse texto apresentar um estudo detalhado sobre esse prédio, mas apenas preencher algumas lacunas.
A partir de certa data, que não saberia precisar exatamente qual, o prédio do sobrado foi adquirido pelos meus queridos avós paternos, João Silva e Raimunda (Nazinha) Conrado Silva. O casal teve 10 filhos – Ézio, Glenan, Tito, Batista, Marcílio, Euler, Martha, Tamar, Maria Amália e Celeste – que foram criados nesse elegante edifício.
Minha avó Nazinha Conrado Silva, que infelizmente eu não conheci, foi professora e alfabetizadora na cidade de Vespasiano. Além de ter tido e criado 10 filhos, ela ainda arrumava tempo para educar os filhos de muitas outras famílias da cidade. Merecidamente, uma das escolas do bairro Morro Alto tem o nome dela.
Um dado curioso é que foi ela quem alfabetizou a minha querida mãezinha, que, anos depois, conheceria e se casaria com seu príncipe, meu querido pai, filho de dona Nazinha e João Silva. Portanto, sem imaginar o que viria a acontecer, ela acabou alfabetizando sua futura nora.
Mais tarde, o meu avô paterno, João Silva, ficou viúvo. Ele foi um importante líder político na cidade, naqueles tempos, juntamente com outras lideranças. Não era propriamente um cacique político, pois não tinha nem dinheiro, nem terras e nem gado, mas tinha uma certa influência política. Os dois caciques políticos da cidade eram os ex-prefeitos Sebastião Fernandes e José Elias Issa. O primeiro, um rico fazendeiro e o segundo, um rico comerciante e atacadista. Mas, meu avó João Silva participou ativamente, juntamente com muitos outros moradores, do processo de emancipação política e administrativa de Vespasiano. Isso foi em 1948, quando a cidade, então distrito de Santa Luzia, se emancipou. No livro do meu tio-avô materno Mário Faraj, História de Vespasiano, ele revela que João Silva, que era mais conhecido como Ti-João, desenterrou mortos para completar a lista com o número mínimo de pessoas que era exigido para a emancipação da cidade.
João Silva foi eleito vereador e foi o primeiro presidente da Câmara Municipal da cidade de Vespasiano, que tinha como secretário o meu tio-avô materno Mário Faraj, filho de Seu Felipe e dona Rosa Faraj, meus bisavós maternos, que vieram para Vespasiano no início do século passado. Habib José Faraj – “seu” Felipe –, teria vindo do Egito, enquanto Rosa Neder Faraj do Líbano – embora os territórios árabes que hoje formam os países do Líbano e da Síria, naquele momento, ainda fizessem parte do Império Otomano (da Turquia). Meus bisavós maternos acabaram se encontrando em Vespasiano num casamento praticamente arranjado pelos pais deles, como era de uma certa tradição na época. Tiveram sete filhos, entre eles a minha querida avó Nila Faraj, que era vicentina e catequista e teve seu nome homenageado numa das escolas estaduais do bairro Célvia.
Nila Faraj se casou com Henrique Barbosa Fonseca, que era um dos herdeiros da antiga fazenda onde hoje é o bairro Caieiras. Os dois tiveram três filhas – minha querida mãezinha Nivinha e minhas igualmente queridas tias Nizete e Nilma. Meu avô Henrique infelizmente eu também não conheci. Mas conheci a minha querida avó Nila, que ficou viúva muito cedo.
Reparem que esse emaranhado, numa verdadeira trama urdida pelo destino, resultara num curioso desenrolar. Meu avô por parte de pai ficara viúvo, da mesma forma que minha avó por parte de mãe. O tempo foi passando e meu pai e minha mãe, após alguns anos de namoro, acabaram se casando e tiveram cinco filhos: Fátima, Iasmina, Iara, Marina e eu. Além de uma irmãzinha que morreu com poucos meses de vida.
Com o passar do tempo, meu avô paterno acabou namorando e se casando com minha avó materna. O que fez com que meus pais, já casados, se tornassem, de certa forma, também, irmãos indiretos. Lembra a minha querida irmã Iasmina, que meu pai costuma brincar dizendo que iria direto para o céu, pois, tinha numa mesma pessoa sua sogra e sua madrasta. Apesar disso, ele sempre gostou muito dela. Vó Nila morou no sobrado com meu avô João Silva, até a morte dele. Depois, ela foi morar na casa dela, em frente ao Sobrado, onde hoje funciona a Escola de Música que leva o nome dela, de propriedade da minha tia Nizete.
Quando Vespasiano se emancipou, não havia sede própria para a prefeitura e para a Câmara Municipal. De forma provisória, esses órgãos foram instalados na sede do imponente sobrado, na parte de baixo. Na parte de cima moravam meus avós, João Silva e dona Nazinha, e seus 10 filhos. E como meu avô era o presidente da Câmara Municipal, podemos dizer que ele inaugurou o home office (trabalho em casa), muito antes das grandes indústrias dos tempos atuais. É bom lembrar que naquela época vereadores de cidades pequenas não recebiam salários.
Quando meu avô faleceu, em meados da década de 70 do século passado, se não me falha a memória, os irmãos do meu pai pediram para que ele morasse no sobrado com a família. Minha querida tia Martha já morava lá. Meus pais aceitaram o desafio e com isso nos mudamos para o sobrado onde residimos durante alguns anos. Até que a família do meu pai resolveu vender o belo prédio para a Prefeitura, para que fosse reformado, sem alterar a estrutura e a estética, e imediatamente transformado em Museu.
Na inauguração do Museu dona Mariana da Costa, pelo então prefeito Marconi Issa, o meu tio-avô materno Mário Faraj lançou o seu livro “História de Vespasiano”, que tem um texto muito refinado e que registra o testemunho dele e de muitos outros moradores sobre a história da cidade. Quem quiser conhecer um pouco mais dessa história terá que ler esse livro, que pode ser encontrado na Biblioteca Hebert Fernandes, que por sinal foi inaugurada no mesmo dia que o Museu e fica ali na rua dona Mariana da Costa, esquina com a avenida Sebastião Fernandes.
Um dado que a historiografia oficial costuma omitir é que o Museu foi a primeira sede do jornal Impulso Progressista, que foi criado quando eu tinha 17 anos e cujo contrato social tinha como proprietário o meu pai, uma vez que, como eu ainda era menor de idade, não podia ficar em meu nome. A redação do jornal funcionava no meu quarto, que era na primeira janela da esquerda, para quem olha da rua Francisco Lima de frente para o prédio. Mais tarde, o meu primo e amigo e jornalista profissional e músico e ex-proprietário do Bar Rex, Ubaldo, se tornara meu sócio no jornal Impulso Progressista, embora ele tenha participado desde o início, contribuindo com suas belas crônicas.
O jornal Impulso Progressista circulava em quatro cidades: Vespasiano, Lagoa Santa, Pedro Leopoldo e Matozinhos. São José da Lapa ainda era distrito de Vespasiano. Era um jornal mensal de grande alcance, que abria espaço para artigos e colaborações de diversos moradores, com diferentes linhas de pensamento. O jornal registrou e acompanhou o desenrolar de muitos e importantes acontecimentos em toda a região onde circulou. Foi para o nosso jornal, por exemplo, que o meu tio-avô deu uma rica entrevista após o lançamento do seu livro História de Vespasiano.
O jornal contava ainda com um time de primeira linha de colaboradores e articulistas, entre os quais citamos: sr. Orlando Francisco Cruz (que criou talvez o primeiro jornal impresso da cidade, O Vespasianense); o jornalista Antonio Lima, neto de Francisco Lima, que nos enviou uma crônica diretamente do Rio de Janeiro; Geraldo Fagundes, José Bicalho, Nô de Quirino, Mário Faraj, João Pereira da Silva, então diretor administrativo da Soeicom; Nizete Fonseca Lima; Linda Anathália Bicalho, Wilson Silva (Leleko Pedreira), Nilsem de Oliveira Mendes, Neca Maia, Kalil Mrad Neto, Vanessa Arruda, (será que eu esqueci de alguém?) além de mim e de Ubaldo e dos colaboradores das cidades de Lagoa Santa, Pedro Leopoldo e Matozinhos. Destacamos a rica contribuição de Varley, Adirson e Vilela, todos de Lagoa Santa.
Um outro dado curioso acerca do sobrado é que, quem o planejou, muito antes dele pertencer à minha família, calculou bem a realidade de uma cidade que é cortada pelo Ribeirão da Mata. O prédio do sobrado fica relativamente próximo das margens do ribeirão. Mas, as enchentes, que antigamente aconteciam praticamente todos os anos, quase nunca atingiam o interior do sobrado, que foi construído sobre uma base mais elevada.
Há ainda outra história muito particular. Durante um breve período no início da década de 60, minha família morou na cidade de Prudente de Morais, próxima de Sete Lagoas, onde meu pai, que tinha um caminhão, extraía pedras numa pedreira existente naquela cidade. Eu era o único da família que não havia nascido ainda, mas minha mãe ficou grávida naquela cidade. Por alguma razão, o negócio da pedreira se desfez e minha família voltou para Vespasiano. Ficou hospedada no sobrado. A ideia do meu pai era que o parto fosse feito lá mesmo, no sobrado, e mais tarde ele alugaria uma casa. Dessa forma, eu deveria ter nascido no sobrado. Que chique, né gente? Só que não. Minha mãe era sistemática e não queria ficar na casa de ninguém. E deu um ultimato para meu pai: que ele alugasse uma casa qualquer, senão ela voltaria para a casa da família dela. Minha mãe era assim, decidida. Nesse ponto eu puxei pra ela (risos!). No dia seguinte, meu pai saiu à procura de uma residência para alugar e acabou achando uma casinha bem simples, próxima do campo do Independente Futebol Clube, onde mais tarde funcionou a oficina mecânica de Piquinho. Era uma casa bem simples mesmo, nem laje tinha. E foi nessa casinha, na rua Francisco Lima, conhecida também como Rua dos Sapos (tinha brejos com muitos sapos, que formavam uma orquestra todas as noites) que eu nasci, pelas mãos de uma parteira, como era comum naquela época.
Quando criança, cheguei a dormir várias noites no sobrado, juntamente com alguns primos paternos. O sobrado tinha seis quartos, um corredor, uma sala de visitas, uma sala de jantar, uma cozinha e um banheiro, além da sacada. Isso na parte de cima. O piso era todo de madeira corrida. De madrugada, quando alguém andava pela casa, dava até um certo clima de medo, ainda mais que era comum ouvirmos os causos de assombração. Mas, às vezes dava também para identificar quem era, pelos passos. Quando dormíamos lá, meus primos e eu fazíamos bagunça de madruga, como era de se esperar. Meu avô João Silva era muito sério e bravo, e nós tínhamos ao mesmo tempo medo e respeito. Ele aparecia na porta do quarto onde estávamos e pronunciava a seguinte frase: “Vão dormir! Não quero saber de fuzarca nessa casa, não!”. A partir dali ninguém mais fazia bagunça. Só então entendi que a palavra bagunça tinha uma forma mais sofisticada de ser chamada: fuzarca.
Certa vez, eu estava com dor de garganta e meu pai me levou para ficar algumas horas lá no sobrado, sob os cuidados do meu avô, que já estava adoentado e tinha sempre muitos remédios. Ele me deu uma pastilha e recomendou que eu tentasse dormir um pouco, que a dor de garganta ia passar. Nesse mesmo dia ele me disse: “Quando você crescer, vai estudar e se tornar médico, com muitos diplomas na parede”. Eu era ainda criança e achava interessante essa torcida. Já meu pai queria que eu fosse advogado. Acabei decepcionando os dois: nunca tive a menor vontade de ser nem advogado e muito menos médico.
Durante um tempo, a minha querida irmã Iara Maria trabalhou na sede do museu, até se casar com um alemão, meu querido cunhado Geraldo, que era cervejeiro da Antárctica e viajava por vários estados do Brasil. Quando ainda morávamos no sobrado, Iara era quem datilografava boa parte dos textos do jornal Impulso Progressista – trabalho este fundamental, uma vez que ainda não conhecíamos os recursos da informática dos tempos atuais. Ainda hoje guardo a velha máquina de datilografar Remington compacta como pequena relíquia daqueles tempos.
Já a minha querida irmã Marina fundou, na sede do sobrado, sua escola de violão “Villa Lobos”. Marina tinha apenas 15 anos e aprendeu a tocar violão praticamente sozinha e desenvolveu metodologia de ensino, contribuindo para que muitos moradores de Vespasiano e de Lagoa Santa tivessem os primeiros contatos com esse instrumento tão popular e presente na nossa vida. Posteriormente, ela se formou na UFMG, foi regente do Coral Municipal de Vespasiano durante vários anos – que funcionou um tempo no Museu -, e atualmente leciona musicografia braile na UEMG. Lá em casa nossos pais sempre nos incentivaram a ler, a tocar algum instrumento musical e a cantar. Minhas irmãs acolhiam bem esses bons conselhos, mas eu não. Queria mesmo era jogar futebol, nadar no Ribeirão da Mata, pegar frutas nos quintais alheios e brincar durante a noite com meus amigos.
Portanto, o belo prédio do sobrado tem muitas histórias, algumas delas intimamente ligadas à minha família e a mim pessoalmente. Mas, talvez a história mais bonita desse prédio esteja na versão que se conhece acerca da construção do sobrado, bem antes do prédio pertencer à minha família. Consta que, o primeiro proprietário do Sobrado estava namorando e era apaixonadíssimo pela donzela. Ele pediu a mão dela em casamento e ela teria respondido mais ou menos o seguinte: só me caso com você se você construir para mim o prédio mais bonito da cidade. Foi assim, de forma apaixonada, que ele mandou construir o sobrado para sua amada. E foi nesse majestoso prédio, construído sob o símbolo do amor, e que mais tarde se tornara museu da cidade, que eu morei durante alguns poucos anos. Que luxo, hein gente?!
(Euler Conrado, em 09 de agosto de 2022)

Na minha infância, o Ribeirão da Mata, que corta a área central da cidade de Vespasiano, era um encantamento. A gente podia nadar, pescar, fazer piqueniques e caminhar nas suas margens, ouvindo os cantos dos pássaros, respirando o ar puro e admirando a suave correnteza.
Com o passar do tempo, o ribeirão, que atravessa várias cidades, desde Capim Branco, e deságua no Rio das Velhas, tornou-se cada vez mais mal tratado. Diariamente, as águas desse charmoso rio recebem dejetos e poluições de vários tipos, de várias fontes, incluindo indústrias e moradias.
O poder público municipal - tanto de Vespasiano, quanto das demais cidades envolvidas - ao que parece, nunca teve um projeto sério de recuperação e de cuidados adequados com esse importante ribeirão, fonte de vida e de inspiração.
Durante muitos anos, o poder público de Vespasiano, por exemplo, só pensou em transformar esse presente da natureza em um córrego concretado, o que ocasionaria a destruição de suas margens e acabaria ainda mais com o pouco que resta de natureza e ambiente saudável numa cidade já bastante urbanizada como Vespasiano.
Eu, pessoalmente, e acredito que outras pessoas também, sempre defendi que o Ribeirão da Mata fosse transformado numa área ambiental, que pudesse acolher a população local e aos turistas. Com investimentos de pequena monta, e o trabalho de pessoas especializadas e de outras, apaixonadas pela preservação da natureza, seria possível se pensar numa ampla área ambiental, de lazer e de turismo para o usufruto de todas e todos. Com o plantio de árvores, inclusive frutíferas, de flores, de gramados; com iluminação noturna adequada e passagens para pedestres, além do combate permanente às diferentes fontes poluição.
Em pouco tempo teríamos um belíssimo parque, um espaço para recreação e turismo. A cidade ganharia um novo ponto turístico e os moradores ganhariam uma área de lazer bem no centro do município. Seria possível se pensar em feiras de artesanatos, piqueniques, caminhadas diárias, apresentações artísticas e barracas com alimentação nos finais de semana. A natureza agradeceria pela preservação de uma área que há décadas tem sido mal tratada e cada vez mais ocupada com construções que desrespeitam os limites mínimos que devem ser preservados às margens dos rios e dos córregos. Os pássaros voltariam a cantar e encantar o ambiente hoje contaminado pelo ronco horroroso de caminhões e pelas diversas formas de poluição ambiental.
É possível, ainda, se pensar em salvar o Ribeirão da Mata, que sempre foi uma beleza natural bem no centro de Vespasiano, um dos mais belos cartões postais da cidade. Que parece invisível pra muita gente. Mas, está bem ali, bem pertinho de todos que transitam pela cidade. E ao mesmo tempo, tão distante.
(Euler Conrado, em 03 de agosto de 2022).
Mas, minha referência ao pão nosso de cada dia nesse texto é por outro motivo. Minha relação com os pães é muito antiga. Data do século passado, logo quando nasci. Como expliquei antes, cronologicamente tenho seis décadas, apenas, enquanto que espiritualmente tenho mais de 1000 anos. Muito jovem, portanto! Meus pais tinham uma padaria – a Padaria Nossa Senhora de Lourdes, em homenagem à padroeira da cidade de Vespasiano e minha protetora - , que ficava no centro da cidade, onde fica hoje a loja Magazine Luiza. Tempos depois, a padaria foi vendida para a família de dona Inês Salomão.
A padaria tinha um forno à lenha enorme, belíssimo, e nunca vi nada igual. Um forno majestoso, em cuja parede lateral, sempre aquecida, eu muitas vezes adormecia, protegendo-me das madrugadas frias de Vespasiano, encostado naquela parede. O forno era abastecido diariamente com a lenha que era colocada do lado de fora da padaria, não provocando fumaça no espaço interno. Havia também uma chaminé enorme. Além do maquinário, bem moderno para a época.
Os padeiros começavam a produzir os pães a partir da meia noite, quando a cidade dormia em silêncio. Às seis da manhã, meus pais Nivinha e Euler, juntamente com a minha avó Nila Faraj, estavam a postos no balcão, com a padaria aberta para atender aos clientes. Por volta de sete e meia da manhã, pai enchia o carro com pães doces e salgados para atender as encomendas dos donos de bares e mercearias nos bairros Angicos, Cipriano antigo, Bela Vista, na Cachoeira e no centro de São José da Lapa. Às vezes eu ia com ele nessas entregas, mas ele não gostava muito, por dois motivos: primeiro, porque ele temia que pudesse acontecer algum acidente nas estradas, que eram estreitas e com grande movimento de caminhões. Certa vez, por exemplo, a Kombi perdeu o freio numa descida enorme, depois da fábrica da Ical. A bordo do veículo estávamos eu, João Mamão e meu pai. Este, ficou preocupadíssimo comigo e disse: está vendo, menino, porquê que eu não gosto de trazer você nessas entregas? Na verdade, eu achei o máximo o carro ter acelerado rapidamente sem freio (risos). O segundo motivo é que, em cada local que ele parava para entregar os pães eu pedia para comprar alguma coisa – um refrigerante, um doce, um salgado – o que representava um grande prejuízo pra ele. Mas, fazer o quê, né?
Naquela época, minha querida mãezinha aproveitava os pães de sal que não eram vendidos para fazer deliciosos pudins, que tinham boa saída, pois levavam coco, cravo e canela. Eu adorava, e os clientes também. Mais da metade dos clientes da padaria compravam fiado, pois eram todos conhecidos. Meus pais e minha avó anotavam as vendas diárias em cadernos e até mesmo em papel de padaria. O que entrava de dinheiro ficava, em parte, guardado no cofre que havia no local, mas o grosso do dinheiro meu pai punha no bolso, pois não era hábito depositar em bancos. O que era bom, penso eu. Bancos só sabem se apropriar do nosso dinheiro.
Alguns anos depois, minhas irmãs – Fátima, Iasmina, Iara e Marina - e eu tínhamos que nos revezar para ficar no atendimento no balcão da padaria, sempre no período da tarde. Era quase sem movimento nesse horário, já que a maioria das pessoas comprava os pães pela manhã. Mesmo assim, nenhum de nós gostava muito dessa missão. A gente queria mesmo é diversão, né? E a cidade de Vespasiano naquele tempo era um paraíso. Passava boiada, tinha muitas brincadeiras de infância, e a gente podia até nadar no Ribeirão da Mata, coisa impossível hoje em dia. Claro que agora também tem muita coisa boa, mas, já não é mais aquele arraial de interior, com todas as delícias comuns à vida na roça.
Durante a madrugada, meu pai levantava para ver o andamento dos trabalhos naquela pequena indústria de fabricação de pães. Quase sempre eu acordava e o acompanhava. Ele não gostava, pois eu era criança ainda. Contudo, era teimoso, como sou até hoje, e o seguia há alguns metros de distância. Quando chegávamos na padaria, que ficava em frente a casa alugada onde morávamos, ele permanecia um tempo por lá conversando com os padeiros e depois retornava para casa. E eu continuava lá. Adorava observar a confecção dos pães, que começava na parte da tarde, quando a massa era preparada e colocada para fermentar durante muitas horas. Nada de bromato e nem qualquer outro ingrediente de melhoramento químico, como acontece hoje em dia. Apenas pequena quantidade de fermento biológico, farinha de trigo de boa qualidade, água e sal. Em alguns pães, acrescentava-se um pouco de gordura de porco. O pão ficava muito gostoso. Eu pelo menos adorava, principalmente quando saía do forno, quentinho, nas primeiras horas da manhã. A gente passava a manteiga, que logo derretia e o pão, crocante, estalava na nossa boca com aquele barulho singular, uma delícia. Eu comia três ou quatro pãezinhos de sal, calmamente, com a boca boa. E os padeiros também. O forte na casa era a bisnaga, que dava tranquilamente para alimentar pela manhã uma família com quatro pessoas. Enquanto os pães assavam, os padeiros batiam papo e às vezes inventavam um jogo qualquer em troca de cigarros. Eu às vezes participava dos jogos, ganhava alguns cigarros, mas, como não fumava, acabava devolvendo tudo para eles. O padeiro mais antigo era o Dalmiro, que morava perto da padaria e cujos filhos eram nossos amigos de infância.
Durante a pandemia do Covid-19, que nos obrigou a ficar em casa para sobreviver, eu relembrei esses momentos produzindo alguns pães caseiros. Na minha pequena morada atual, fiz questão de fazer um forno à lenha usando um tambor. Claro que nem de longe se compara ao forno majestoso da padaria dos meus pais. Mas, foi possível colocar as mãos na massa e produzir pães com alguma qualidade. Eu, pelo menos, gostei (risos). Aliás, uma das minhas irmãs, Marina, e meu cunhado Sérgio, que são muito exigentes, também gostaram dos meus pães a ponto de me incentivarem a produzir semanalmente para a venda. O que não aconteceu, obviamente, pois, planejo adquirir minha carta de alforria sem compromisso muito sério com qualquer forma de trabalho que exija mais do que estarei disposto a dar. Pretendo fazer pães de vez em quando, para consumo próprio.
Uma curiosidade: quem também tinha o hábito de fazer o próprio pão caseiro era ninguém menos do que o genial cantor e compositor John Lennon. Uauuuu! Mas, é assim mesmo, pessoal, não estranhem. A gente que tem fama internacional às vezes tem (temos) essas manias exóticas. Fazer pão dá muito trabalho. Tem que misturar tudo, amassar, modelar, deixar de molho para fermentar – quanto maior o tempo de fermentação, melhor – para, finalmente, colocar para assar em temperatura e tempo adequados. Quando tudo dá certo, o aroma e o resultado final fazem valer a pena.
O pão nosso de cada dia, simbolizando a comida na mesa, deveria ser uma garantia universal para todas as pessoas, não vivêssemos num mundo tão desigual e injusto. A oração que Cristo nos legou diz claramente: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje”. Todo bom cristão, portanto, tem a obrigação de defender o pão na mesa diariamente para todas as pessoas. Nada menos que isso. Além da famosa frase, que não podemos esquecer: nem só de pão vive o homem. Mas, comecemos pelo pão nosso de cada dia, e em seguida, que venha o paraíso. Saudades daquele tempo...
(Euler Conrado, em 27 de julho de 2022).
Na Lapinha, em Lagoa Santa, também tem uma linda Capela de Santana, que se encontra em reforma. Por isso, este ano, os festejos de Santana foram realizados no sítio da família do finado sr. Gentil, um pessoal muito bacana, que por coincidência são meus vizinhos. Logo, só precisava atravessar a rua e participar de tudo: da missa, dos leilões e principalmente dos comes e bebes, sempre deliciosos. Além do tropeiro, do arroz temperado e dos pastéis, pude experimentar também um delicioso chá de amendoim, que leva leite, amendoim, canela, cravo e é adoçado com leite condensado. Opcionalmente, este chá poderia ser “batizado” com uma pinguinha da roça. Meu cunhado adorou essa parte.
Santana e São Joaquim (Ana e Joaquim), para quem não sabe, eram os pais de Maria, mãe de Jesus. Logo, eram os avós de Jesus. E os festejos em homenagem a Santana fazem parte da tradição católica e também da cultura popular brasileira. Em 2019, por exemplo, as festas aconteceram na Igreja de Santana, que fica próxima da Fazenda Fidalgo. Houve belíssima participação de uma Guarda do Congado, do Rosário, e uma participação improvisada e muito especial do cantor mineiro Tizumba, cujo acontecimento pude registrar em vídeo. Está lá no meu blog e aqui no face também.
Nos festejos desse ano acabei participando das missas durante os quatro dias. Não ficava bem eu chegar no lugar somente para experimentar as delícias, não é mesmo? Meus vizinhos poderiam estranhar. Portanto, havendo participado de quatro missas, estou abençoado para os próximos quatro séculos, tendo sido todos os meus pecados perdoados.
A fala do padre que comandou três das quatro missas foi muito boa. Sem citar o nome de ninguém ele criticou esse pessoal que fica defendendo a morte, o armamento e disseminando o ódio. Esclareceu que os evangelhos de Cristo pregam o perdão, o amor, não o ódio. Quem quis entender o recado, entendeu. Eu entendi e vocês? As missas eram encerradas com um “Viva Santana e São Joaquim!” No ano que vem, os festejos serão retomados na Igreja Santana devidamente reformada. Já anotei na minha agenda.
A Copa do Mundo e a revolução…
Estávamos em meados da década de 80 do século passado. O mundo, e o Brasil especialmente, vivia o clima de Copa do Mundo. Mas, para mim e para alguns colegas, naquele momento, o importante mesmo era outra coisa: a revolução socialista ou comunista brasileira e internacional que pretendíamos realizar. Eu tinha 20 e poucos anos (cronologicamente, como já expliquei isso em outro texto) naquela altura, mas, me sentia com a responsabilidade de quem carregava o mundo inteiro. Era muito peso para uma pessoa magra, franzina, carregar nas costas. Parcela da minha geração tinha essa compreensão: nos sentíamos com o dever moral de realizar uma revolução em escala nacional e depois mundial para resolver todos os problemas da humanidade. Nem Jesus Cristo havia dado conta disso, mas, lá estávamos nós, com a cara e a coragem, dispostos a enfrentar o mundo, derrotar o dragão do mal, para realizar essa gigantesca tarefa de salvar a humanidade dos seus próprios demônios.
Era um dia incomum, aquele, pois haveria mais uma partida de futebol decisiva, que a seleção brasileira tinha que vencer. Como sempre acontece, a população brasileira estava em clima de Copa do Mundo, uma coisa mágica, que contagiava a todas e todos. Camisas amarelas – que ainda não haviam sido apropriadas pelas hordas fascistas do bolsonarismo -, os bares lotados, e o assunto era sempre o mesmo: o futebol, especialmente o da Copa do Mundo, que é este que envolve até mesmo quem não gosta de futebol. Eu, por exemplo, embora seja torcedor do Atlético Mineiro, muito mais por herança paternal – meu saudoso e querido pai torcia para o Atlético e a minha saudosa e querida mãe para o Cruzeiro; ele, com seu machismo de herança, dizia que o Galo era time de machos e o Cruzeiro de mulheres (risos!). Como lá em casa eram cinco mulheres (minha mãe e quatro irmãs) contra dois homens (eu e meu pai), dava para perceber que estávamos em minoria; mas, o importante para ele era saber que os homens da casa eram do Atlético. E ponto. Apesar disso, perdi totalmente a paixão de infância que tinha pelo futebol com a roubalheira da arbitragem contra os times mineiros do Atlético e do Cruzeiro nos torneios nacionais. Era algo descarado, que ficava impune, e isso foi decisivo para me afastar do futebol, tanto enquanto espetáculo, como também enquanto perspectiva de me tornar um jogador profissional. Sonho que, imagino, quase todas as crianças brasileiras têm, ou pelo menos tinham no meu tempo de criança.
Nesse dia decisivo de jogo da Seleção Brasileira, com o ambiente de festa e emoção criado pela mídia, eu e um camarada de militância, meu amigo Pedro Paulo, destoando totalmente desse clima, resolvemos marcar uma reunião num bar em Belo Horizonte. Motivo: tínhamos que elaborar as teses da revolução brasileira e mundial. E isso para a gente era a coisa mais importante do mundo a se fazer naquele momento, muito mais importante do que uma reles Copa do Mundo.
Num final de tarde desse dia incomum, lá estávamos nós, canetas, cadernos e livros em punho, sentados numa mesa, não me lembro bem se foi nalgum bar ou restaurante na Savassi ou no prédio do Maleta. Fato é que o local escolhido estava lotado, todos acompanhando e ligadíssimos em cada lance do esperado jogo da Seleção Canarinho. Bem no meio dessa torcida, estávamos nós, resistindo heroicamente aos frenéticos gritos cada vez que o time adversário ameaçava a defesa brasileira ou vice-versa. Era como se estivéssemos num mundo paralelo. Discutíamos e redigíamos cada linha das nossas propostas com a responsabilidade de quem estava resolvendo todos os problemas da humanidade, volto a dizer. Não era pouca coisa. Então os gritos e palmas e berros e lágrimas e xingamentos que ocorriam ao nosso lado, nada daquilo tinha a menor importância para nós naquele momento.
- Camarada Pedro, não estou gostando dessa passagem, dizia. Ele respondia: mas, camarada Euler, temos que enriquecer essa formulação. Pedro Paulo sempre foi muito crítico, tinha uma compreensão filosófica e abrangente do mundo, ao passo que eu era mais objetivo, queria decidir as coisas de forma mais simples. Isso era bom, pois, dessa forma, o texto final refletia essa diferença.
Tenho a impressão de que a Seleção brasileira venceu naquele dia. E nós conseguimos fechar nossas teses para apresentar para uma conferência que aconteceria em Minas. Tanto os torcedores eufóricos quanto nós estávamos felizes por isso: eles, pelo resultado do jogo; nós, por termos concluído as teses que teoricamente poderiam salvar a humanidade do terror capitalista.
No final das contas, e daquele campeonato, o Brasil acabou sendo derrotado pela França nas quartas de final; e nós, fizemos aprovar as nossas teses na conferência local. Apesar disso, de tanto esforço e de tantas noites mal dormidas pensando e elaborando o que seria uma solução definitiva para a humanidade, com o fim do capitalismo, o danado continua aí, a causar os mesmos estragos que antes. Ou até mais. E nós, tantos de nós, militantes daquela época, continuamos aqui e acolá, cada qual no seu canto e em cada canto uma dor, como na belíssima música do genial Chico Buarque.
Naquela Copa, a equipe vitoriosa foi a Argentina do cracaço Diego Maradona, que venceu a Alemanha no México. Foi nessa Copa também que dois acontecimentos marcaram para sempre a carreira do gênio do futebol argentino: o gol em que ele marca com “ la manos de Dios”, e o outro, em que ele arranca no campo da defesa, dribla três ou quadros jogadores, vai ao ataque e faz um belíssimo gol, considerado o Gol do Século e o mais bonito gol de todas as Copas. Essa partida eu tenho certeza que acompanhei. Maradona ganhou essa Copa. Grande Maradona!
Na igualmente belíssima música interpretada por Milton Nascimento, ele nos lembra que “os sonhos não envelhecem”. Podem até não envelhecer, mas costumam mudar. Para nós que somos da esquerda, por exemplo, muitas mudanças aconteceram. Caiu o Muro de Berlim, a União Soviética se desfez – fui um dos últimos a visitá-la pessoalmente -, e o sonho de derrubar o mundo do capital, se antes estava muito próximo, dava quase para alcançá-lo com as próprias mãos, agora parece uma miragem, algo muito distante. Não que tenha se tornado impossível, mas, adquiriu outra ou várias outras perspectivas. Tudo está em aberto, não há mais aquela certeza na frente e a história na mão da famosa música de Geraldo Vandré. Tudo está em aberto. E, paradoxalmente, talvez aí resida o maior perigo para o sistema capitalista. Se não há mais um jogo de cartas marcadas, tudo pode acontecer. Ou nada. Mas, fica mais difícil de controlar. O tempo dirá.
No momento em que uma nova Copa do Mundo se aproxima, não pude deixar de lembrar aquele tempo em que, em plena Copa, enquanto milhões de pessoas se preocupavam com os resultados dos jogos, numa mesa qualquer de BH, dois rapazes sonhadores de vinte e poucos anos elaboravam minuciosamente o mapa da revolução brasileira e mundial.
(Euler Conrado, em 25 de julho de 2022).
Mas, as eleições ainda não estão definidas, uma vez que o candidato da extrema direita tem a caneta de presidente nas mãos, e havendo comprado a maioria do congresso nacional, consegue aprovar o que bem entende. Além do clima de medo e da chantagem que instalaram no país. Recentemente foi aprovado um pacote de bondades com o aumento no valor do auxílio emergencial para milhões de pessoas de baixa renda e também a criação de um auxílio para caminhoneiros. Serão milhões de pessoas a receberem esse presente, aspas, durante o período eleitoral, apenas, encerrando, tal pacote, em dezembro deste ano.
Durante os últimos anos, o povo brasileiro empobreceu, os salários perderam poder de compra, os preços aumentaram, o Brasil voltou ao mapa da fome, milhões de pessoas continuam desempregadas e aumentou a exploração da força de trabalho com a reforma trabalhista e o crescimento da uberização. Milhões de trabalhadores estão subempregados, sem qualquer vínculo empregatício, sem direitos trabalhistas, sem direitos básicos e elementares como: férias, 13º salário, auxílio doença, entre outros.
A pauta fundamental do bolsonarismo é, no plano econômico, uma política neoliberal e de entrega das riquezas para os mais ricos; e no plano político e ideológico, manter sua bolha unida no discurso moralista contra o aborto, contra o que chamam de política de gênero, contra a corrupção (se bem que nesse quesito fica cada vez mais difícil, dado ao envolvimento do clã e das milícias que o cercam). Reforçam os sentimentos machistas e racistas; defendem a violência contra os mais pobres e o armamento de milícias para intimidar a população. No fundo, o sonho do núcleo duro do bolsonarismo é a formalização de uma guerra civil no Brasil, quando poderiam decretar Estado de Sítio, fechar instituições como o STF e realizar o sonho de todos os tiranos, de se apropriarem impunemente de riquezas e privilégios, ampliando a exploração, a perseguição, a tortura e a morte dos mais pobres.
No campo oposto se encontra o candidato das forças populares, Lula. A história de vida, as ligações profundas de Lula com os movimentos sociais e seu legado dos dois governos fazem dele o único candidato capaz de vencer nas urnas o candidato da extrema direita. A maioria da população politicamente mais esclarecida e consciente já entendeu isso e aposta na eleição de Lula já no primeiro turno. Lula não representa qualquer ruptura com o sistema capitalista – a revolução proletária será obra coletiva dos próprios trabalhadores em escala mundial - isso eu, pelo menos, já entendi. Por isso, é comum que haja um leque muito amplo de pessoas que deverão votar em Lula, mas que tenham diferentes perspectivas. Inclusive de centro e de direita, de uma direita mais civilizada. Além, obviamente, da esmagadora maioria da esquerda.
Se eleito for, e caso haja de fato eleições, já que a todo o momento o bolsonarismo prepara pretextos para inviabilizar o pleito, como essa ladainha contra as urnas eletrônicas, Lula encontrará grandes desafios urgentes e imediatos.
O maior desafio será o de combater de forma consistente a miséria e a fome. É preciso reformular os programas sociais que foram criados anteriormente e estabelecer critérios permanentes de segurança alimentar e social. Nenhuma pessoa poderá passar fome. Ponto. Nem ficar desabrigada, sem moradia, sem garantia de acesso às condições decentes de sobrevivência. Isso tem que ser um imperativo. E os recursos para isso existem, a depender apenas da vontade política de estabelecer prioridades em favor dos mais pobres, de forma sincera e com a participação coletiva dos trabalhadores na formulação, no controle e na aplicação das políticas públicas.
Além dessa questão essencial, do combate à fome e à miséria, é de grande importância também fortalecer e ampliar os investimentos nas áreas da Educação e da Saúde pública. A começar, na minha opinião, por criar carreiras nacionais para os profissionais nessas duas áreas, evitando-se, assim, as diferenças regionais. É preciso valorizar de fato os profissionais da Educação e da Saúde pública, sem o que, não haverá a qualidade que se cobra e que a população merece. Na formulação de políticas para essas carreiras deve-se levar em conta a redução da jornada de trabalho, o aumento real no valor dos salários, com direitos e gratificações capazes de atrair as pessoas para essas áreas, entre outras conquistas que são defendidas por essas categorias.
É preciso garantir o acesso para todas as pessoas a um ensino público e gratuito de qualidade, em todos os níveis. Da mesma forma, é preciso garantir que as pessoas tenham igualmente acesso à saúde pública, o nosso SUS, que deve ser transformado cada vez mais no mais completo e eficiente plano de saúde universal, público e gratuito.
Claro que tais objetivos demandam muitos investimentos, que devem ser tirados de quem tem mais recursos, ou seja, dos mais ricos. Para nós que sabemos da origem da riqueza dos mais ricos, que é a exploração da mais-valia (trabalho não pago aos trabalhadores) arrancada dos assalariados no processo de reprodução de capitais, temos consciência de que, em última instância, somos nós, trabalhadores, que vamos bancar tudo.
Ao invés de mandar bilhões de dólares para acionistas privados da Petrobras, a maioria dos EUA, como faz o governo Bolsonaro, cujo custo recai no nosso bolso, com o gás de cozinha a 120 reais e o litro de gasolina mais caro entre os países produtores de petróleo, é preciso alterar essa política entreguista e canalha e anti-povo praticada pelo bolsonarismo. O que foi entregue de bandeja para esses acionistas privados durante os últimos anos daria para garantir todos esses programas sociais que mencionei.
Por isso, aquela frase do Lula, de que é preciso incluir os pobres no orçamento e os ricos nos impostos é de grande importância e deve ser desdobrada em mais políticas públicas em favor dos de baixo.
Claro deve estar para todos nós que no capitalismo não é possível que haja o que se chama “distribuição mais justa de renda”. A lógica intrínseca a esse sistema é a da concorrência, da concentração e da centralização de riquezas em poucas mãos, ampliando no outro polo da sociedade a miséria e a fome. Daí a importância, como paliativo, que o aparelho estatal, sob o controle parcial das forças populares, reduza o impacto dessa dinâmica. Não se trata, como pensam alguns, de mudar o sistema social, de implantar o socialismo ou qualquer outra denominação. Essa é uma invenção ideológica de uma esquerda que perdeu a compreensão e a perspectiva de uma real transformação revolucionária.
Para que haja uma mudança radical, com a construção de uma outra relação social, de um outro sistema mundial, o papo é outro. Mas, para parte de uma esquerda transformada em bolha, que no fundo se transformou em esquerda nacionalista, prevalece um pensamento binário, do tudo ou nada. Por isso, colocam no mesmo nível as duas candidaturas em disputa, como se essa posição ideológica os transformasse em revolucionários. Não são. O comunismo não será construído isoladamente nem no Brasil, nem em nenhum país do mundo, mas apenas quando a maioria dos trabalhadores do planeta tiver essa perspectiva muito claramente elaborada, o que está longe de acontecer. Será uma obra consciente e coletiva dos trabalhadores do mundo, ou não será.
Na outra ponta, estão os burocratas que cercam todas as pessoas que estão no poder. Essas pessoas de tudo farão para arrastar Lula e seu governo para a lógica do mercado, como fizeram com a presidenta Dilma no seu segundo mandato, que resultou no golpe de 2016. Lula deve resistir tanto aos ataques da extrema direita quanto também dessa esquerda burocratizada e adaptada ao sistema. O Estado já está apropriado pelos banqueiros e demais grandes capitalistas. O que se deve fazer é justamente arrancar maiores fatias do orçamento público das mãos dessas aves de rapina e garantir maiores investimentos em favor dos mais pobres. Simples assim.
Enquanto isso, nesse território onde habitamos, temos a possibilidade de derrotar eleitoral e politicamente uma força reacionária, que representa o maior atraso, com grandes prejuízos aos interesses de classe dos trabalhadores e dos mais pobres, que é o bolsonarismo. Não será uma tarefa fácil, já que o bolsonarismo domina grande parte das instituições, tem enorme esquema de fake news nas redes sociais, conta com expressiva parcela dos evangélicos, do grande capital, de uma classe média recalcada e com os pacotes eleitoreiros.
Caso seja eleito, como esperamos, o governo Lula terá como grandes desafios o combate eficiente à miséria e à fome, e uma política pública de grande extensão na Educação e na Saúde. E a fonte de financiamento dessas políticas será, necessariamente, retirada daqueles que expropriaram os trabalhadores ao longo de séculos. A depender, sempre, de grandes mobilizações populares e de uma correlação de forças que pressione o parlamento e imponha respeito às forças do atraso. Os trabalhadores não devem esperar que as coisas caiam do céu. Não basta apenas votar e eleger o presidente Lula. É preciso também que haja mobilização e organização autônoma dos de baixo para garantir as conquistas políticas e sociais.
Mais de mil anos, é o que eu tenho...
Além disso, a intensidade vivida por cada um de nós em determinados momentos jamais se enquadraria nessa cronologia vulgar do um mais um. Em um minuto de intensa emoção, você pode ter a sensação e a experiência de um século. Há momentos que você torce para que passem mais rapidamente, pois não acrescentam nada na sua vida; há outros, que você desejaria que o relógio do tempo parasse, tais a beleza e o encantamento.
Na lógica do mercado capitalista, o tempo útil das pessoas é aquele tempo em que elas ainda produzem alguma coisa que interessa ao mercado, que possa gerar lucros para os capitalistas. Quando isso não acontece, as pessoas se tornam inúteis para o mercado. E às vezes essa lógica inútil está tão introjetada nas pessoas que elas se consideram assim mesmo, inúteis, pois não estão produzindo para o mercado. O que constitui, para mim, um grande equívoco. Meus melhores momentos durante meus mais de mil anos foram aqueles que contrariaram a lógica do mercado.
Claro está que, enquanto permanecermos sob o domínio mundial desse sistema, tudo, ou quase tudo, acaba sendo absorvido por esse domínio. O capital é a Matrix. Estamos todos ligados a esse sistema e conspirar contra ele, mesmo sabendo que não veremos a derrota desses "moinhos satânicos" (Marx), constitui, por si só, um ato de bravura. É preciso coragem para contrariar a lógica dominante.
Quando anuncio minha idade com mais de mil anos, contrariando a matemática vulgar do "um mais um é igual a dois", a maioria das pessoas não entende isso, pois está acostumada a pensar dentro de um quadrado apresentado como limite. Mas, é preciso ver para além disso, não se limitar às aparências e aos limites impostos pelo senso comum.
Confesso a vocês que mesmo carregando o peso de mais de mil anos de vida, sinto-me ainda espiritualmente muito jovem, imaturo às vezes, com muita coisa ainda para aprender e conhecer, e outras que descarto, por impaciência ou até mesmo por ignorância. Poderia ter ousado mais, algumas vezes. E ter sido mais tolerante, em outras. Mas o mais importante é que, sendo ainda um espírito muito jovem - Raul Seixas tinha 10 mil anos! -, tenho ainda a possibilidade de melhorar muito, aprender muito mais com as outras pessoas e viver experiências que não vivi ainda.
Nosso maior desafio, penso eu, é não perder a humanidade. O sistema mundial sob o qual estamos subordinados, gostemos ou não, tem como característica principal a padronização, a coisificação das pessoas. O gigante Marx observou isso nos seus estudos. Ao padronizar, as diferenças qualitativas são negadas. Era preciso matar as diferenças para transformar tudo numa abstração quantitativa, como a força de trabalho; para, assim, poder ser quantificada, pesada, ensacada e vendida como uma mercadoria qualquer.
A própria estética do corpo, da idade, da cor, do gênero, do peso e etc, se enquadra nesse riscado. Os padrões estão em toda parte, inclusive nos valores ditados por essa lógica de mundo invertido pelo capital. A sensibilidade, a reflexão crítica do mundo, o diferente, a essência e não apenas a aparência, passam a ser uma ameaça ao sistema.
Claro deveria estar para todos nós, que as coisas, nossos valores, nossos pensamentos, não estão soltos a bailar no espaço, como se se tratasse de uma escolha individual qualquer. Há toda uma domesticação imposta pelas engrenagens do sistema, que envolve as famílias, os costumes, os fazeres, as tradições. Toda uma cultura. Por mais paradoxo que possa parecer, nós, humanos, somos os construtores inconscientes dessa máquina de desumanizar as pessoas.
Mas, o mais importante é que as coisas não estão assim, totalmente fechadas, prontas e acabadas. Há sempre a possibilidade de mudarmos, a nós mesmos e ao mundo que nos cerca. Uma das grandes belezas do nosso mundo humano, é a incerteza do amanhã. Tudo pode acontecer. Ou nada. Daí a aparente irrelevância das projeções futuras - embora não tenhamos como viver sem sonhar o amanhã. Por mais que façamos cálculos matemáticos acerca do que venha a ser, só podemos contar mesmo é com o peso do nosso passado, das nossas memórias, e acima de tudo, com o momento presente. Viver cada momento com a maior intensidade, com ternura, beleza, amor - é preciso endurecer-se, sem perder a ternura jamais, dizia Che -, constitui nosso maior desafio.
Na lógica do mundo atual, com meus mais de mil anos de vida, estou mais morto do que vivo. Na minha lógica, contudo, estou mais vivo do que nunca. Eu penso, eu sinto, eu canto, eu observo e sou capaz de agir. Isso me faz capaz de mudar o mundo, claro que não individualmente, pois somos seres essencialmente sociais, dependentes, carentes de tudo e de todas e todos, coletivos, humanos, enfim. Únicos, diferentes, mas sociais. Portanto, viva a humanidade! E que morra o capitalismo e tudo o que ele representa. Não sei se viverei o suficiente para ver esse momento. É quase certo que não. Mas, terei sempre o gostinho de conspirar e lutar contra ele. E vencê-lo até, em alguns raros momentos. E isso faz tooooda a diferença. Cada minuto de sobrevivência, de resistência, pode representar mais que um século na minha vida, na nossa vida. E a sensibilidade para perceber isso, o sistema não vai me tirar. O que eu tenho é isso, mais de mil anos...
(Euler Conrado, 18 de julho de 2022).
Alforria é uma palavra de origem árabe: al-ḥurriyyah. Significa algo como liberdade, libertar-se, emancipar-se. Nos anos finais do período colonial no Brasil, alguns poucos escravos conseguiam juntar dinheiro para comprar sua Carta de Alforria. Embora quase nunca conseguissem se tornar de fato pessoas livres. Todos os assalariados do mundo atual estão igualmente subordinados ao tempo imposto pelo capital e seus senhores. Passamos a maior parte do nosso tempo entregando o nosso corpo, o nosso sangue, e muitas vezes a nossa própria alma em troca de uma sobrevivência que o capitalismo precisa garantir para que continuemos produzindo e reproduzindo de acordo com os interesses deles, não dos nossos.
Por isso, quero anunciar que em breve vou comprar meu tempo livre. Mesmo antes de me aposentar, o que deve demorar alguns anos. Quero cantar e dançar livremente – muita gente não sabe mas sou um cantor internacional, mesmo que a humanidade ainda não saiba disso, o que não deixa de ser um detalhe irrelevante.
Quero dormir e levantar na hora que eu bem entender, sem qualquer compromisso com coisa alguma, a não ser com as minhas vontades de fazer isso ou aquilo. Ou de nada fazer. O ser humano comum, ainda escravizado, mesmo sem algemas, não tem esse direito. Está totalmente subordinado às regras e imposições de uma engrenagem que ele não controla. Acordar cedo, dormir tarde, pegar quatro ônibus, trabalhar de 10 a 12 horas por dia, sete dias por semana; ou ficar desempregado, a depender da caridade alheia, sem condições de nada realizar, à espera de que seja reconectado ao sistema, o que significa voltar à condição de escravo assalariado.
Quero ter tempo livre para ler e escrever meus textos – muita gente não sabe que, além de cantor internacional sou igualmente um escritor internacional, embora a humanidade ainda não tenha descoberto esse meu talento, o que, igualmente, não deixa de ser um detalhe irrelevante e temporário.
Quando finalmente adquirir minha carta de alforria, vou apresentá-la a quantos se interessarem, e vou lamentar pelo fato de não haver adquirido tal carta muito antes. Tirando a parte da infância, que é sempre um encantamento, não importa qual seja a geração, o melhor do nosso tempo é entre os 15 e 50 anos, mais ou menos. E é justamente quando estamos totalmente subordinados ao mercado. Claro está que os filhos de pais ricos e mesmo da classe média alta têm o seu tempo livre comprado pelos seus pais – Jessé de Souza observou esse dado. E por isso, não precisam trabalhar desde cedo, como acontece com os filhos do proletariado de baixa renda. Mas, mesmo esses privilegiados jovens filhos de pais ricos e da classe média alta usam mal esse tempo relativamente livre. Geralmente são adestrados para reproduzirem a lógica dominante. Aprendem essa ou aquela língua, adquirem esse ou aquele título acadêmico, mas no final das contas acabam nos braços do deus mercado, vendendo seu tempo – e igualmente seu corpo, seu sangue e sua alma.
A verdadeira liberdade não está na aquisição de bens, de patrimônios, mas na real aquisição do próprio tempo. Claro deveria estar que tal intento se realizará de forma plena somente quando se tornar uma conquista coletiva, quando todos, enfim, não aceitarem mais se submeterem à logica de um mundo invertido, que nos coisifica, endurece nossos corações, um verdadeiro laboratório de monstruosidades e imbecilidades como o que reina no Brasil atualmente. Claro está também, para quem não tenha um pensamento binário, que é necessário derrotar nas urnas o dragão do mal, mesmo sabendo que isso não colocará fim no sistema que nos oprime. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, dizia o filósofo.
Mas, como estou próximo de adquirir minha carta de alforria, mesmo antes de me aposentar, tenho consciência de que essa minha liberdade estará limitada pela não liberdade das demais pessoas. Contudo, mesmo assim, desculpem-me, cansei de esperar: quero minha carta de alforria! Nosso tempo, sabemos, é finito, embora nossos sonhos pareçam eternos. Os sonhos não envelhecem, dizia o grande cantor Milton Nascimento. Com a carta nas mãos, espero poder dedicar parte do meu tempo livre às carreiras internacionais de cantor e escritor, embora a humanidade não conheça ainda esse meu lado artístico-literário, o que não deixa ser, como disse anteriormente, um detalhe quase irrelevante.
O importante mesmo é eu poder acordar e dormir na hora que me der vontade; almoçar um dia aqui, outro dia ali, viver, enfim, como nômade, mesmo que seja apenas no triângulo BH, Vespasiano e Lagoa Santa. O fundamental não é o local, mas o uso que farei do meu tempo. De posse da minha carta de alforria, vou poder me espreguiçar numa rede às 3h da tarde, ouvindo o canto dos pássaros, enquanto, infelizmente, a maioria da humanidade continuará subordinada aos ditames da hora mal paga e apropriada por outrem.
Não permitirei mais que roubem meu tempo. É uma pena que seja essa uma conquista individual e que, portanto, tal como acontecia com os poucos escravos na época do Brasil colônia, não se realizará de forma plena. Somente quando toda a humanidade se apropriar coletivamente do seu próprio tempo, haverá de fato uma real liberdade, com todas as limitações que tal palavra carrega. Ser livre, ou ter o tempo livre, numa engrenagem onde todos continuam escravizados será sempre uma liberdade muito limitada e relativa. A lógica desse mundo atual nos torna egoístas, incentiva a disputa, as guerras, e cria monstros como esses que estão por aí, inclusive na presidência da república.
Mas, enquanto a humanidade, os trabalhadores assalariados e sem salário de todo o planeta não conseguem dar um basta em tudo isso, vou me antecipando aos fatos e me preparando para adquirir minha tão esperada carta de alforria. Só assim vou poder esquecer dos compassos impostos – tic tac, tic tac - para aqueles que têm o tempo apropriado por outros. Só assim vou poder admirar as estrelas, receber nos braços os primeiros raios do sol e sentir no rosto a doçura de um vento, com o sentimento poético que somente o tempo livre proporciona.
Desejo finalmente que toda a humanidade morra de inveja dessa minha conquista individual, pois, quem sabe assim ela resolve me imitar. A humanidade ainda não sabe disso, não sabe o que está perdendo, mas, ao contrário de não saber também nada sobre os meus talentos artístico-literários, isso sim é relevante: ela precisa saber. E precisa querer se libertar, caso não queira continuar entregando seu tempo, seu corpo, seu sangue e sua alma aos demônios do capital.
(Euler Conrado, 17 de julho de 2022)
Um rastro de sangue, de fome e de destruição - é o legado que o fascismo bolsonarista deixará
O significado e a importância da vitória de Lula em 2022
Euler Conrado, em 20/12/2021
Todas as pesquisas realizadas nos últimos meses demonstram que, no contexto atual, o ex-presidente Lula seria eleito no primeiro turno, batendo todos os adversários. É certo que esse quadro poderá sofrer alterações, uma vez que os setores mais reacionários e fascistas do capital de tudo farão para impedir a vitória de Lula.
Desde quando a ex-presidenta Dilma foi derrubada com o golpe de 2016, urdido pelas diferentes forças do atraso, incluindo como principais operadores a Globo, a Lava Jato e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, temos assistido às insistentes retiradas de direitos e conquistas dos de baixo.
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Viagem no tempo (literalmente)
De volta ao passado. 1960? 1970? Acordei guerrilheiro, fuzil em punho, disparo para o alto e em várias direções. Quero enfrentar um exército inteiro, que é treinado para perseguir os pobres e servir aos ricos. As montanhas viram minha utopia, minha casa, minha proteção. As árvores, que enchem o pulmão do mundo de ar puro, me protegem dos tiros inimigos. Corro, desesperadamente, até alcançar o outro lado da Serra. Não vão me atingir, jamais. Preciso de tempo, de mais tempo, para reunir minha tribo e enfrentar os inimigos com alguma chance. Zumbi, Guevara, Marighella, por onde andam? Mandem um pouco de sua coragem para despertar a ira de um povo oprimido, que não se ergue contra os tiranos que o oprimem. Em disparada morro abaixo, as balas dos fuzis ricocheteiam, atravessam as árvores, tentam me alcançar, mas não conseguem. Os pássaros me avisam quando os lobos maus se aproximam. Mergulho nas águas mansas de um rio e atravesso todo o território que circunda as montanhas. Não sei em que cidade estou. Nem mesmo em que ano. Isso importa? 1500? 1800? 1970? Não importa. Não posso parar para pensar. Há uma corrente atrás de mim e eu preciso de tempo, espaço, velocidade, luz. Eles não podem me alcançar. Não agora. Não hoje. Vamos formar o nosso exército, de homens e mulheres livres, capazes de construir um outro mundo... amanhã? Não. Não haverá amanhã sem a batalha que se trava hoje. Se a maioria da humanidade perder a capacidade de lutar por um mundo melhor, hoje, agora, ela não perde o futuro, apenas, perde a humanidade. Muito dessa onda que transformou milhares de jovens em adeptos da direita, dos de cima, é resultado disso, da morte antecipada dos sonhos, das utopias, das grandes causas que empolgaram e inspiraram milhões de pessoas em todo o mundo. Prostrados, perante a roda morta do capital, dos "moinhos satânicos", do mercado e de seus capitães do mato, não há salvação. É a rendição sem luta. A entrega sem resistência. A pior forma de derrota. No Golpe de 1964, o Cavaleiro da Esperança, Prestes, que se iludira com um suposto esquema militar que supostamente defenderia Jango da quartelada da ultra direita, viu a população se render, sem luta. Dissera na época, que aquela era a pior forma de derrota. Embora alguns poucos valentes sonhadores tomassem nas mãos uma resistência heroica, ainda que previamente derrotada, já que não romperam a bolha. E as massas... Ah, as massas... estavam encantadas com a Seleção Canarinho, com o Fusca do ano, com as canções de Roberto e com as novelas da Globo. Até que um dia, o país quebrou, a fome aumentou, e novas lideranças surgiram. Os de baixo começaram a sambar, como desejara Marighella 10 anos antes. A música que agora tocava era outra: "Vai passar nessa avenida um samba popular, cada paralelepípedo da velha cidade essa noite vai se arrepiar". Não foi bem assim que aconteceu. Aquela tormenta, como tantas outras, de certa forma passou, mas deixou marcas profundas. Meu corpo exibe a saraivada de balas que tomei - em torno de 500, mais ou menos - e a dor daqueles que foram torturados. E a realidade de um povo generoso que tem enorme dificuldade em se encontrar. E de encontrar saídas para os problemas comuns que afligem a todos. Enganados o tempo todo pela mídia dos inimigos, pelo papo furado de comentaristas de aluguel, pela vigarice daqueles que usam o nome de Deus em vão para enganar ingênuos rebanhos. Por caminhos diferentes daquela fúria rebelde que me assaltou de jovem, de alguma forma a esquerda conquistou parcela do poder. Realizou o sonho do combate à fome, à miséria, de conquistas várias, por um lapso de tempo de quase uma geração. Até que a roda morta, a correnteza do mal, tomou de volta o pouco de poder que cedera, para mostrar as garras, os dentes e os fuzis. O que me resta fazer agora é escrever, já que não tenho fuzis, nem balas, nem tribos, nem exército para enfrentar os inimigos. E o pior de tudo: já não tenho mais nem mesmo os sonhos de antes. Nem a mesma energia. E espero o dia em que um novo samba possa sacudir o chão de Minas, do Brasil e da América Latina. Espero. Agora sim, quando muito pouco me resta a fazer, eu tenho o tempo todo do mundo para esperar. (Julho/2019)
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15 de novembro: um golpe atrás do outro
A eleição de Bolsonaro, é preciso que fique bem claro, não significa que o Brasil esteja vivendo em regime democrático. Primeiro, tiveram que derrubar a presidenta Dilma e em seguida prender Lula. Somente assim, e mesmo assim com o esquema do Fake News via Watsap, conseguiram eleger o candidato da ultra direita. Neste 15 de novembro, data da proclamação de uma república sem povo, criada num golpe de força, que não incluiu os antigos escravos e muito menos a população pobre. De 1889 até hoje o Brasil viveu poucos períodos de liberdade democrática, geralmente interrompida por golpes. Antes eram os militares associados a civis das elites. Agora, uma aliança nada santa entre mídia, justiça, parlamento, militares e religiosos fanáticos ou charlatões. Tiveram a preocupação de manter uma roupagem formal legal, aspas, institucional, aspas. O presidente Jango foi derrubado via golpe militar, apoiado pela CIA, pela classe média (como sempre) e pelos banqueiros - e pela igreja também. Com Dilma, houve uma combinação maligna do esquema montado pela CIA chamado Operação Lava Jato - cujo juiz titular ganhou agora o prêmio pelo serviço sujo prestado -, com a aprovação do impeachment sem crime via parlamento de picaretas chantageados pela ameaça de prisão por conta da corrupção que cometeram em nome da família deles; e em seguida, de forma calculada, com a prisão do maior líder popular do país, Lula, que venceria as eleições de 2018 no primeiro turno. E é desta forma que eles querem manter o regime de exceção criado com o golpe de 2016: via judicialização da política, combinada com as Fake News para enganar parcelas analfabetas políticas e com o respaldo da força militar, caso haja necessidade. Os mesmos militares que antes demonstravam algum apego aos interesses nacionais, mas que agora viraram declaradamente uma força auxiliar dos EUA. Lula será mantido preso ad infinitum e outras lideranças de esquerda que surgirem serão enquadradas judicialmente em um crime qualquer - terrorismo, corrupção sem prova, etc. Penso que a direita não abrirá mão do poder nos próximos 10 anos, pelo menos, tempo necessário para que coloquem em prática o programa neoliberal que jamais receberia o apoio da população em processo eleitoral que houvesse debates públicos no lugar de fofocas de grupos familiares e de amigos via Watsap. Por isso, o Brasil vive esta indigência intelectual, ética, moral e política. O programa neoliberal, de direita, portanto, é muito claro: entregar as riquezas do país, como o pré-sal, para os gringos, privatizar tudo, inclusive as fontes energéticas estratégicas, a saúde, a educação; precarizar o mundo do trabalho, restabelecendo as condições de escravidão, transformando o Brasil, em suma, em mera colônia dos países ricos, sem qualquer protagonismo no cenário internacional. Bem diferente da era Lula, quando o Brasil assumiu um papel de destaque, com políticas autônomas, garantindo respeito aos cidadãos brasileiros no mundo inteiro. Hoje, e em breve, as pessoas vão sair daqui desesperadas em busca de oportunidade fora do Brasil. Mas, vão encontrar as portas fechadas nos EUA e na Europa, que querem se apropriar das riquezas nacionais de países como o Brasil e explorar a mão de obra barata, mas nada de receber grandes contingentes de migração. Isto está muito claro no posicionamento de Donald Trump - admirado por Bolsonaro e seus seguidores - e dos governos dos países da Europa. Para romper esse esquema antipovo é preciso desmascarar a judicialização seletiva da política (prendem Lula, mesmo sem prova alguma, mas mantêm soltos Aécio, Serra, Temer, entre outros, todos com soberbas provas ou indícios). É preciso também desconstruir essa fobia chamada antipetismo (ou anticomunista, ou anti-MST, MTST, etc.). Trata-se de uma construção midiática de longos anos martelando o cérebro de pessoas simples que acabaram associando essas entidades a tudo de ruim que existe no mundo. Pessoas que viveram 12 anos de conquistas - salários aumentando todo ano, pleno emprego, milhares de concursos públicos todo ano, cotas para corrigir distorções e injustiças históricas, políticas de proteção social que tiraram o Brasil do mapa da fome - e tiraram 40 milhões de pessoas da miséria -, entre outras conquistas. Tudo isso graças às políticas públicas desenvolvidas nos governos do PT, mas as pessoas são incapazes de reconhecer isso e ficam presas aos chavões, como se o PT e Lula fossem chefes da maior quadrilha de ladrões do planeta. O que não se confirma em hipótese alguma. Nunca descobriram uma conta de Lula ou Dilma no exterior ou no Brasil, como acontece com políticos do PSDB, do PMDB, do PP (que foi o partido de Bolsonaro durante um bom tempo) e do DEM, por exemplo. Além disso é preciso desconstruir essa outra falácia de que a corrupção na política é o maior mal do Brasil. É uma grande hipocrisia da sociedade. Existem práticas que se igualam ou superam os desvios de corruptos políticos. Exemplos? Na justiça, com a venda de sentenças para os ricos; entre os maiores empresários, que são os que mais corrompem e não pagam impostos; e com a classe média alta, com a gigantesca sonegação de impostos, que supera em muito toda a corrupção feita pelos políticos; e isto sem falar nas muitas formas de corrupção que acontecem nas nossas cidades e no cotidiano das pessoas. O Brasil é o país das vantagens e dos privilégios individuais; o país do QI alto (quem indica) que recebe o título pomposo de "meritocracia". O sujeito puxa saco do chefe, e é promovido em nome da meritocracia. Agora também voltou a ser, como na ditadura, o país da delação, do dedo durismo. Para se darem bem e escaparem de alguma pena, as pessoas precisam entregar os outros, mesmo que não tenham prova alguma contra eles. A Lava Jato foi o maior exemplo dessa prática vergonhosa: o sujeito que roubou e delatou está solto e premiado com a liberdade e com parte do roubo, enquanto os delatados, mesmo que sem prova, estão presos. Enfim, é preciso desfazer essa cultura falso moralista de que, em nome do combate à corrupção (seletiva e partidária) justificaria acabar com a democracia, prender seletivamente algumas pessoas e privatizar tudo, causando enormes prejuízos ao país e ao povo brasileiro, principalmente. O regime defendido e praticado pela direita não inclui toda a população nos benefícios e direitos, mas apenas nos deveres e na super exploração. A minoria fica com os privilégios, enquanto a maioria terá que trabalhar como escrava ou viver na mendicância. E é esta a essência que precisa ser revelada ao povo brasileiro e não a perfumaria de questões morais como Kit Gay, combate seletivo à corrupção, etc. A maioria do povo brasileiro, se não quiser perder todos os direitos e conquistas, terá que aprender a se organizar, a se unir e a construir uma ação política em torno de questões essenciais no mundo do trabalho, na defesa dos interesses sociais e políticos comuns, na soberania do Brasil e na defesa da democracia real, popular, participativa, e não esta forma atual tutelada por militares e juízes que se tornam cada vez mais uma casta privilegiada. Vítima de muitos golpes, o povo brasileiro precisa amadurecer e aprender com a história. Com a nossa história.
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Editorial - 31/10/2018
A prisão do presidente LULA foi uma farsa, como quase tudo o que tem acontecido no Brasil nos últimos anos. A derrubada de Dilma, e a própria eleição desse fascista, sustentado pelo Fake News e pela campanha da mídia para destruir o PT e os políticos em geral. Eu considero que o golpe de 2016 fechou o ciclo com a vitória eleitoral do fascista. Este golpe começou com a Operação Lava Jato, teleguiada pela CIA, e cujo principal operador do plano maligno, juiz Moro, recebe agora o seu prêmio pela missão dada pelo Departamento de Estado dos EUA: um cargo de ministro do STF ou de ministro da justiça (minúsculo mesmo) no governo Bolsonaro. Estão todos eles ligados ao esquema maior montado pela Casa Grande com seus patrões do exterior: derrubar o governo Dilma, implantar um governo servil, que entregue às petroleiras todo o petróleo do pré-sal; cortar as conquistas trabalhistas de um século de lutas; privatizar tudo, inclusive a previdência, e fazer os trabalhadores se aposentarem somente com 90 anos; reduzir ao mínimo o SUS; criminalizar os movimentos sociais (MST, MTST, CUT, etc) e transformar o Brasil numa colônia. Foi nesse projeto, que a maioria do povo brasileiro, enganada, votou, fechando assim o golpe de 2016, que derrubou ilegalmente uma presidenta eleita pelo povo, colocou no governo uma quadrilha e conseguiu eleger um candidato do sistema em nome do combate ao sistema. Temos que reconhecer: a direita, depois de quatro derrotas consecutivas, conseguiu, com a ajuda do imperialismo, montar um esquema maligno que convenceu - via Fake News, pastores charlatões, pressão de empresários em ambiente de grande desemprego e manipulação midiática - a maioria da população a votar contra seus próprios interesses. Não é a primeira vez na história da humanidade e nem será a última que um povo é iludido e induzido a escolher o lado dos seus algozes como sendo seus salvadores. Com o tempo, quem sabe, as pessoas se deem conta do que aconteceu. E que a nossa resistência coletiva consiga impedir, pelo menos em parte, aos estragos que estão colocados desde já no cenário pós-eleitoral. Nas escolas, nas ruas, nos campos, nas construções, nas fábricas, nas casas e nas redes sociais: é preciso continuar e fortalecer a luta por um Brasil mais justo, mais humano, menos desigual. Não vamos nos dispersar, nem nos intimidar. Eles vão tentar se impor pela propaganda e pela força, principalmente, que é o que sabem fazer. Mas, as consequências dos atos contra o nosso povo falarão por si. Temos o dever de nos manter unidos e canalizar o descontentamento, que crescerá, para um projeto de mudança real, em favor dos de baixo. Não vamos fugir: vamos resistir, lutar e vencer!

Haddad hoje, 25/10/2018, em Recife, com a presença de milhares de pessoas: Haddad sim! Ele nunca!
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Contra o fascismo: ainda dá pra virar!
Hoje a tarde, deitado em minha cama, ouvi um discurso com uma tenebrosa voz, vindo da casa de um vizinho do fundo. Como fundo musical, o refrão do filme Tropa de Elite, filme que faz apologia à tortura, ao falso moralismo e à violência policialesca como solução para tudo. No discurso, que está mais para gritaria, o candidato fascista dizia que não havia o menor problema em matar, matar, matar... pobres, favelados, mulheres pobres, LGBTs. Para esses doentes sádicos, pobres da periferia são bandidos que devem ser mortos; mulheres devem ser submissas - como aliás ensinam em várias igrejas evangélicas; LGBTs são seres como os negros eram vistos no passado escravocrata: seres sem alma, que devem ser detonados. Bolsonaro e sua trupe estão há 30 anos repetindo essa mesma não-música de uma nota só: matar, torturar, executar. Falam em nome de Cristo, quando no fundo são a negação de tudo o que Cristo ensinou; falam contra a política, quando viveram, eles e seus familiares, nos últimos 30 anos, às custas dos privilégios que são dados aos políticos - e também aos juízes e promotores. Falam contra a corrupção como discurso oco, vazio, quando estiveram e estão sempre ligados a corruptos, sonegadores de impostos e agiotas do grande capital. Moralistas sem moral alguma. Canalhas! A metade da população brasileira foi entorpecida com notícias falsas (fake), que tentam desqualificar os adversários políticos de maneira covarde e mentirosa. Inventam que Haddad criou o tal Kit Gay; que Lula é corrupto (embora esteja preso sem que contra ele tenham apresentado uma prova sequer, num julgamento farsesco montado pela CIA e seus agentes da Globo e da Lava Jato). Mexem com os sentimentos mais primitivos de pessoas que demonstram, com isso, ou melhor, revelam, com isso, um caráter duvidoso; falta de caráter... mau caráter. Não há argumentos lógicos para apoiar monstros e monstruosidades, a não ser que as pessoas tragam, de forma oculta, algo que as identifique com estes indivíduos. Votar ou apoiar Bolsonaro soa, para mim, cada vez mais, como expressão de mau caratismo; ou de uma pessoa que foi muito enganada, por se tratar de um analfabeto político, ignorante em relação à História da humanidade e do Brasil; ou de alguém que, mesmo sabendo de tudo isso, ainda assim optou por se tornar cúmplice. De forma ativa ou omissa. Este, terá sempre uma marca a esconder na sua história. Viverá nas sombras, fugindo do peso da própria memória, porque foi cúmplice de um mal maior que está prestes a se apropriar de todos os poros do Brasil, com consequências devastadoras sobre a vida de milhões de pessoas, especialmente as mais pobres, as mulheres, os negros, as LGBTs. Bandos de sádicos mal resolvidos que buscam na violência de grupos armados ou não a prática da intolerância ao diferente, e com isso, uma forma de saciar com sangue o seu próprio fracasso (uma pessoa pobre, feliz, em paz consigo e com os outros é bem sucedida; uma pessoa da classe média que sonha ser rica e não consegue, ou que julga ser, sem ser, é um fracassado). E desse fracasso social na disputa de mercado, onde pouquíssimos velhacos gananciosos se dão bem, surgem esses projetos de monstrinhos marombados que julgam que podem impor suas vontades pela força física. Não têm sonhos, nem projetos, nem ideias, nem memória. São autômatos, feitos robôs a repetir: matar, matar, matar... "seus comunistas!","bandido bom é bandido morto!", "bolivarianos!", "seus viadinhos que precisam ser curados ou mortos!". Enfim, um filme de horror, que está plantado nas famílias brasileiras - quando falam em família, não sei porquê, sempre me lembro daquela outra noite de horrores, quando os golpistas deputados que derrubaram a presidenta Dilma repetiam: "pela minha família..., pela minha honra". Um bando de canalhas cretinos falando em honra e em família... é de doer. Aliás, naquele triste dia, o "mito" dessa gente vazia e lobotomizada pela mídia, fez questão de homenagear o torturador Coronel Ustra, de triste memória, que tinha como hábito levar as crianças para assistir os pais sendo torturados. Essas sim, eram as famílias que se identificavam com a realidade do nosso povo. Pelo bem do nosso povo, de todos nós, eu acredito que ainda dá pra mudar. Ainda dá pra virar. Com Lula, com Haddad, com o povo brasileiro. (12/10/2018).
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Breve Editorial do Blog:
No próximo dia 07, domingo, haverá eleições para presidente, vice, senadores, deputados federais e estaduais. O Brasil vive um momento muito delicado. Em função da manipulação midiática, da ausência de debates públicos sobre temas de interesse do povo brasileiro e do clima de medo, ódio e terror e falso moralismo criado por agentes do imperialismo, uma parcela expressiva da população foi contaminada. É isso mesmo. Não podemos considerar como coisa normal que milhares de cidadãos, incluindo mulheres, negros, trabalhadores assalariados, moradores da periferia das grandes capitais possam defender uma candidatura que apregoa eliminar esses grupos da sociedade. É como se as vítimas do nazismo votassem em Hitler para logo em seguida enviá-los para os campos de concentração. Só mesmo uma parcela da população mentalmente doente, contaminada pela máquina de propaganda de uma mídia que está a serviço dos piores interesses, poderia se associar a tal projeto.A mídia, a Globo, o juiz Moro, boa parte dos pastores evangélicos e católicos - estes contrariando o Papa Francisco, que é claramente progressista e humanista - boa parte dos juízes e do Ministério Público, formaram, no Brasil, uma aliança do mal, que quer nos esmagar. Não podemos aceitar isso. Prenderam Lula sem prova alguma contra ele, para afastá-lo de uma eleição certa para a presidência da república. Derrubaram através de um golpe teleguiado pela CIA e seus agentes locais (juiz Moro, Globo e outras figuras golpistas) a presidenta Dilma, eleita legitimamente pela maioria do povo brasileiro. O governo que a sucedeu, formado por uma quadrilha, colocou em prática todos os sonhos das elites ricas do país e de seus associados externos: cortaram as conquistas trabalhistas, entregaram o pré-sal, destruíram as principais indústrias nacionais, sobretudo a Petrobras, graças à ação lesa-pátria da Lava Jato em conluio com a Globo, entre outras medidas.
O Brasil não vive mais um Estado Democrático de Direito, e as garantias constitucionais foram rasgadas, inclusive com o respaldo do STF, que, em tese, deveria ser o guardião da Carta Magna do país. Como resposta a tudo isso, é preciso que a parcela ainda expressiva da população brasileira que não foi contaminada pela Aliança do Mal, e que deseja reconquistar a democracia, a participação popular, com a formação de governos que defendam políticas públicas em favor dos de baixo - na Educação, na Saúde, na Cultura, na economia, enfim - manifeste a sua indignação no dia 07 de outubro de 2018 votando em HADDAD para presidente da República, como representante de LULA e do povo brasileiro. Os mineiros têm (temos) ainda dois outros compromissos: eleger DILMA para o senado federal e derrotar Anastasia no primeiro e no segundo turnos. São compromissos históricos do nosso povo, sobretudo das valentes mulheres, dos profissionais da Educação, dos trabalhadores e trabalhadoras assalariados, dos servidores públicos da Educação, da Saúde, da Cultura, enfim, de todas as áreas. É preciso ainda eleger uma forte bancada de esquerda, popular e democrática para o congresso nacional e assembleias legislativas.
Não temos o direito de nos omitir diante desse momento gravíssimo da vida do povo brasileiro e do Brasil. Claro que a nossa luta não se resume a eleger os representantes aos cargos do executivo e parlamento. Mas, essa luta não pode ser desprezada, sobretudo nesse momento, quando os golpistas tentam fechar todas as portas para impedir a participação popular. A vitória de um fascista para presidente da república, com política ultra neoliberal na economia, de repressão junto aos movimentos sociais e de ataques aos diferentes grupos políticos, sociais e étnicos, beneficiando apenas a minoria rica, branca e machista e seus associados estrangeiros representará um grande retrocesso para o povo brasileiro e para toda a América Latina. Temos a chance de iniciar a derrota desses setores e reconstruir a democracia, os direitos e conquistas do nosso povo, a soberania, a volta de políticas públicas em favor dos de baixo e de uma cultura de paz, solidariedade e justiça social, em oposição aos projetos que conduzem à guerra entre os pobres, ao ódio e à exploração em larga escala da maioria do nosso povo. Eles não! Eles não passarão!
Um forte abraço a todos e força na luta até a vitória final!
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Com canalhas no comando do país, Brasil caminha para o fascismo. Num misto de ditadura de toga com repressão policial.
A elite brasileira é colonialista. Branca, preconceituosa, golpista, mau caráter e canalha. Nunca conviveu com a democracia. Mesmo a democracia formal, que concede direitos e garantias apenas no papel, enquanto na prática assegura ao clube fechado de privilegiados todos os direitos e blindagens. Esta elite está, desde sempre, associada ao que há de pior no cenário internacional. Antes, como agora. Se depender dessa elite o Brasil será sempre uma colônia, com um povo escravizado e uma casta com privilégios os mais variados.
O cenário político atual é o retrato deste preâmbulo que descrevi. O maior líder popular do país está preso sem ter cometido crime algum, sem prova concreta alguma contra ele, num claro processo montado pela CIA e pelos representantes no Brasil do Departamento de Estado dos EUA, tendo como executores dessa montagem a Rede Globo e suas afiliadas informais regionais (Itatiaia, Band, e etc) e um judiciário autocrático, representado pelo juiz Moro e sua equipe de Dalagnois e policiais federais cooptados e treinados pelos EUA.
Escrevo essas linhas no momento em que o Brasil assiste, perplexo, anestesiado até, ao julgamento final do ex-presidente Lula. Uma verdadeira farsa e um capítulo quase final de um golpe de Estado armado por grupos estrangeiros e seus associados locais.
Durante três anos, a Globo e a Lava Jato conseguiram causar um estrago maior até do que se o Brasil tivesse sido vítima de ataques de mísseis do imperialismo. Nesse processo carregado de ódio e escorado numa campanha cínica e falso moralista de combate à corrupção, o Brasil assistiu praticamente sem reação aos seguintes acontecimentos nocivos ao nosso povo:
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Vai levar algum tempo até que as forças populares e de esquerda reconstruam uma maioria capaz de realizar grandes mudanças. A chegada do PT ao poder, ao governo federal, representou um avanço, embora tenha ocorrido em coalizão com setores da direita e fisiológicos. Isolado, dificilmente o PT conquistaria o governo federal. E se o fizesse, não governaria, pois nunca teve maioria parlamentar. Daí as alianças com setores conservadores, fisiológicos e de direita.
Até um certo momento, enquanto foi possível imprimir um ritmo de crescimento econômico, combinado com a geração de empregos, aumentos salariais e distribuição de renda, o PT conseguiu manter o leque de alianças que garantiu a chamada governabilidade durante 12 anos, pelo menos. Nesse período, o PT cometeu erros e acertos.
No fundo, era para as ruas do país estarem todas ocupadas por milhões de pessoas que serão prejudicadas pelas políticas do governo golpista. A maioria dos brasileiros - pelo menos 80% da população - será fortemente prejudicada.
Foi um show de horrores. O dia 17 de abril entra para a história do Brasil como uma data infeliz, quando a Câmara dos deputados, mais precisamente 367 picaretas aprovaram o impeachment de uma presidenta honesta. Na direção dos trabalhos, o maior corrupto do país. Dava nojo ver os deputados falarem "em nome do combate à corrupção" e em seguida votarem em favor do golpe dirigido por uma quadrilha de ladrões.
Entre os discursos decorados desses moleques travestidos de deputados, era comum a referência aos filhos e netos e a Deus para justificar o ato ilegal, covarde e desonesto de derrubar uma presidenta legitimamente eleita pelo povo brasileiro. Verdadeiros pilantras, pois não foram eleitos para cassar 54 milhões de votos dos cidadãos brasileiros - o meu, inclusive - em nome de favores pessoais e de outras malandragens.
O Brasil vive os momentos finais do golpe anunciado já há algum tempo. As novas gerações não têm ideia da luta que foi derrubar uma ditadura depois de 21 anos e construir, mesmo de forma limitada, cada tijolo da atual democracia. Muitos deram a vida, muitos foram presos e torturados, outros desapareceram para sempre. Muito sangue e suor encharcou as ruas do Brasil em defesa da democracia, das garantias constitucionais, do estado democrático de direito, que hoje são espezinhados por mafiosos com o discurso falso moralista de combate à corrupção.
Que falta faz ao nosso povo, a uma parte, pelo menos, conhecer a melhor a História do país onde vive, as identidades culturais, o passado dessa gente que hoje ataca o governo como se santos fossem. Os milhares que saíram às ruas exigindo a derrubada do governo Dilma e a volta da ditadura, em nome do combate à corrupção, são verdadeiros analfabetos políticos. Pior até. São os alfabetizados pela Globo, pela Band, pela Veja, pela Rádio Itatiaia, entre outras, todas elas envolvidíssimas no golpe em curso no Brasil. E em outros golpes, caso da Globo, principalmente.
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