quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022


O significado e a importância da vitória de Lula em 2022

                                                                                   Euler Conrado, em 20/12/2021

Todas as pesquisas realizadas nos últimos meses demonstram que, no contexto atual, o ex-presidente Lula seria eleito no primeiro turno, batendo todos os adversários. É certo que esse quadro poderá sofrer alterações, uma vez que os setores mais reacionários e fascistas do capital de tudo farão para impedir a vitória de Lula.

Nesse contexto, é necessário entender o significado e a importância de uma vitória de Lula em 2022. Seja no campo político, da democracia formal e real conquistada pelo proletariado ao longo das últimas décadas, seja no campo econômico-social, neste caso, tentando estancar os enormes ataques às poucas e importantes conquistas dos trabalhadores.

Desde quando a ex-presidenta Dilma foi derrubada com o golpe de 2016, urdido pelas diferentes forças do atraso, incluindo como principais operadores a Globo, a Lava Jato e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, temos assistido às insistentes retiradas de direitos e conquistas dos de baixo.

O desgoverno Temer impôs a criação de um teto para os investimentos na área social, garantindo, assim, o total controle do orçamento público pelos banqueiros e donos da dívida pública, cuja sangria não tem qualquer teto ou limite. Enquanto a dita esquerda radical esbraveja-se, com certa razão, com a privatização de empresas estatais, devemos lembrar que o orçamento anual do país já está privatizado através das políticas de transferência de renda para os ricos, como ocorre com a dívida pública. Sem falar na sonegação de impostos pelos ricos.

Por isso, um dos lemas da candidatura Lula, na verdade uma frase que ele tem dito com frequência, resume melhor do que qualquer programa rebuscado o que se deve fazer no momento, nos limites do capitalismo local: incluir os pobres no orçamento e os ricos nos impostos. Frase lapidar, que, se levada à radicalidade – note bem, eu disse que se levada à radicalidade - significa disputar parcelas do orçamento com a burguesia, em favor dos de baixo, e cobrar mais impostos dos ricos, cuja fortuna tem como origem a exploração dos trabalhadores por meio da mais-valia (trabalho não pago aos trabalhadores no processo de reprodução do capital).

Além do teto para os investimentos sociais, o desgoverno Temer, a serviço dos piores interesses, iniciou as chamadas reformas – trabalhista, previdenciária e administrativa - que foram continuadas e aprofundadas pelo atual desgoverno Bolsonaro. Em poucos anos, portanto, os trabalhadores perderam quase todos os direitos e conquistas com a reforma trabalhista. Aprofundou-se a precarização no mundo do trabalho com a desregulamentação, a uberização e a chamada flexibilização, que resulta em cortar direitos dos trabalhadores e criar melhores condições para que a burguesia explore ainda mais o proletariado. Uma parcela muito expressiva dos trabalhadores brasileiros, hoje, não tem carteira assinada, nem férias, nem décimo terceiro, nem qualquer garantia. Não se sente parte de uma classe explorada e está desorganizada, sem mecanismos ou instrumentos de pressão sobre os governos e sobre os capitalistas que a exploram. Trabalha em longas jornadas e recebe baixa remuneração, como é o caso dos entregadores. Isso sem falar no enorme desemprego.

Parcela considerável da população mais pobre disputa alimentos recolhendo restos nas latas de lixo; ou em filas nos açougues para adquirir ossos de boi. O Brasil voltou ao mapa da fome, após ter sido retirado temporariamente dessa condição durante os governos do PT, cujo legado social inclui a retirada da miséria e da fome de cerca de 40 milhões de pessoas. Um legado que ajuda a explicar a resiliência do PT e de Lula na disputa eleitoral, em que pesem os enormes ataques da mídia burguesa e do aparato judicial.

A esquerda dita radical, parte dela, pelo menos, aponta suas armas de forma prioritária contra o PT. Costuma argumentar que o PT e Lula não têm programa de esquerda, fazem acordos com setores da burguesia, conciliam interesses de classes, etc, o que, de fato, acontece. E contrapõe a essa crítica a necessidade de se ter um chamado programa revolucionário, aspas, ou avançado ou coisa que o valha. Mas, será mesmo que um programa formal mais avançado resolveria os grandes dilemas e demandas sociais? Ou será isso apenas um pretexto para esconder um certo preconceito antipetista, muito comum entre setores moralistas da classe média? Ou, o que é ainda pior: seria isso o resultado da dificuldade dessa esquerda de realizar uma crítica radical aos equívocos praticados pela esquerda na luta contra o capitalismo mundial? O dado real é que a chamada esquerda radical não conseguiu construir um discurso próprio capaz de empolgar uma forte base social, como fez o PT.

O PT não se propõe a fazer um governo dito socialista (em outro texto eu explico a redundância desse tal governo socialista), nem mesmo uma suposta revolução aos moldes tradicionais, mas, sim, enfrentar problemas concretos que afligem o proletariado nos limites do capital, nos marcos do que se chama estado nacional. Nada mais que isso. E mesmo assim de forma tímida.

Mas, mesmo nesses limites, há uma grande diferença entre um governo Lula e os governos e candidatos fascistas e neoliberais como Bolsonaro, Doria, Moro e Cia. A vitória de Lula representará a possibilidade de estancar, pelo menos em parte e por um lapso de tempo, os ataques aos interesses dos trabalhadores. Representará também a possibilidade de estabelecer uma disputa, em melhores condições, do orçamento nacional e da mais-valia arrancada dos trabalhadores. A depender, nesse caso, da correlação de forças criada durante e depois da campanha política e eleitoral – e também na base, com as lutas sociais - que poderão garantir a vitória de Lula no primeiro turno. Seja quem for o vice dele.

Caso houvesse uma força capaz de dividir os votos com Lula e garantir a vitória de alguma candidatura de extrema direita – Bolsonaro, Doria ou Moro -, as políticas de ataque aos interesses dos de baixo seriam aprofundadas. Além das reformas trabalhista e previdenciária, atacariam também os servidores, extinguindo a estabilidade, congelando salários e terceirizando de forma completa os quadros do serviço público. O que seria um desastre para a vida cotidiana de milhões de pessoas de baixa renda que dependem das políticas públicas para sobreviverem com alguma dignidade. A esquerda dita radical, aspas, - parte dela, pelo menos - é incapaz de entender isso, pois vive numa bolha, colocando no mesmo patamar projetos como o do PT com os projetos fascistas, que atacam tanto as poucas conquistas democráticas quanto as trabalhistas e sociais, articulando o tempo todo o massacre dos de baixo.

Entender as características dos governos do PT, enquanto esquerda do capital, ou seja, que não propõe romper com o capital, mas, nos limites desse sistema, disputar fatias do orçamento e da mais-valia em favor dos de baixo - através, por exemplo, de aumentos reais no salário mínimo, como aconteceu nos 12 anos dos governos do PT , e de políticas públicas compensatórias – é importante para não criar ilusões exageradas.

A esquerda dita radical – mais formal que real, já que na prática é tão esquerda do capital quanto o PT – tem costume de oferecer o que não tem condições de cumprir. Fala em construir um programa revolucionário nacional, o que em si já é uma redundância se tal programa promete algo como socialismo ou comunismo… nacional. Não existe essa possibilidade, como a história nos demonstrou, e nem precisam ler os três tomos d’O Capital, do genial Marx, para entender isso – mas, isso eu explico em outros textos ou falas pela internet.

O PT, ao contrário, é mais pragmático, quer garantir comida na mesa para os mais pobres e outras demandas populares represadas pela bestialidade do processo de reprodução do capital e pelos governos de direita quando na gestão das crises do capital.

A vitória de Lula tem ainda a força de alterar a correlação na América do Sul, sobretudo com vizinhos como Venezuela, Bolívia, Argentina e Uruguai. Ainda mais agora, com a importante vitória da esquerda chilena, derrotando nas ruas e nas urnas o fascismo de lá. A retomada de intercâmbio cultural, político e econômico com os povos desses países representará um contraponto aos ferozes ataques do capitalismo e seus agentes locais, que tentam impor uma recolonização disfarçada a esses povos, com o patrocínio do imperialismo estado-unidense. Não se trata de romper com o capitalismo, mas de estabelecer melhores condições para a resistência popular e a conquista de direitos políticos e sociais.

Portanto, para os setores avançados da população brasileira, é necessário apoiar a candidatura Lula, torcendo pela vitória no primeiro turno, e contribuindo parra criar um forte movimento social durante os próximos meses, movimento esse que possa dar sustentação à feroz disputa do orçamento e de parcela da mais-valia que se dá entre o proletariado e a burguesia.

É preciso ter a clareza de que nos marcos do capital, as lutas dos trabalhadores serão quase sempre de resistência e de conquistas limitadas a esse sistema. Até que o proletariado mundial, auto-organizado enquanto classe, abandone as ilusões tanto no sistema capitalista quanto nas falsas promessas da dita esquerda radical, cuja essência é a velha e surrada administração das crises do capital nos limites nacionais, sem o pragmatismo e a força social de projetos como o do PT no Brasil.

Dos seus túmulos, onde se encontram os restos dos geniais Marx e Engels, ouve-se o brado apavorado que eles inscreveram no ato final do principal panfleto comunista: "proletários do mundo, uni-vos!". Mas, a esquerda mundial, a brasileira inclusive, perdeu-se na disputa regional pela tomada do poder local como fim em si mesmo, voltado para gerenciar as crises do capital no processo de exploração dos trabalhadores.

O proletariado resistirá sempre aos ataques do capital – independentemente de qualquer partido. Inclusive elegendo governos como o do PT, no Brasil, ou outro qualquer mais progressista em qualquer parte do mundo. E nesse longo processo de luta e resistência, poderá, ou não, em algum momento, constituir-se enquanto força social mundial capaz de construir uma outra relação social. O que nada tem a ver com a tomada local ou nacional de poder ou de governos. Mas, com a destruição e a substituição de uma relação – a capitalista, por outra, desta feita baseada na solidariedade, na união, na associação dos trabalhadores do mundo, sem mercado, sem estado, sem mão de obra assalariada,  “sem explorados, nem exploradores” – o que, infelizmente, ainda está muito longe de se tornar realidade.

No contexto do Brasil atual, as lutas imediatas por melhores condições de vida e de sobrevivência dos mais pobres – inclusive sanitária, contra a pandemia; contra os ataques fascistas à democracia e a eleição de Lula em 2022 são as principais demandas colocadas. Para que possamos, em melhores condições, continuar sonhando e lutando por uma outra realidade.

Viva a força do proletariado mundial, que ainda não se descobriu enquanto (única) classe capaz de travar a luta decisiva e emancipatória do capital. Mas, que poderá fazê-lo, a qualquer tempo. Ou não.

Um forte abraço a todas e todos e força na luta, sempre!




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