terça-feira, 16 de março de 2010

Diário de bordo - 16.03.2010 - Visitando Israel e a Cidade Administrativa, com chuva e forte proteção policial

Lula lá, em Israel, e eu aqui, em Minas. Em comum o fato de visitarmos locais que habitualmente não o fazemos. De lá, uma chuva de crítica da mídia bandida, que não perde a oportunidade de crivar o presidente e sua candidata de ataques. Aqui, bem, aqui foi tudo um pouco mais suave, como contarei a seguir.

O ônibus do SindUte estava a espera em frente a Igreja Matriz de Vespasiano. Nem todo mundo que disse que iria com a gente deu as caras por lá. Normal. Muita gente teve outros compromissos de última hora. Outros pegaram carona de carro e voltaram conosco. E muitos nem foram. Faz parte.

Mas o meu lugar no ônibus já estava reservado e sou como aquele aluno aborrecido, que incomoda a aula inteira e nunca falta. Teimosia. Ás duas da tarde, um pouco mais, um pouco menos, lá estávamos nós, representando os educadores de Minas e de Vespasiano e Sâo José rumo a Cidade Administrativa.

Quando nos aproximamos do local, enquanto observávamos a majestosa obra desenhada pelo famoso arquiteto que iniciou carreira em Minas no Governo JK, reparamos também que teríamos que dar uma longa volta até chegar próximo de outros ônibus que lá se encontravam.

Por um instante tive a impressão de que algo teria acontecido, tamanha a quantidade de policiais espalhados pela complexo arquitetônico. Como sou devoto de um otimismo pouco comum, pensei: deve ser para nossa segurança. Colocaram cerca em volta de toda a Cidade Administrativa que recebeu o nome do presidente Tancredo Neves. Além das cercas, muita polícia atrás delas, tropa de choque próxima à rodovia, cavalaria, cães, etc. Seguramente, o aparato policial ali estava para garantir a nossa segurança.

Enquanto isso, em Israel, Lula é recebido por um aparato bem mais reforçado, já que a terra por onde Cristo caminhou vive ocupada por guerras e combates contra os palestinos. Lula teve um gesto de coragem: recusou-se a visitar o túmulo do criador do sionismo, um movimento político e ideológico que sobrevive com ares de conspiração e terror em nome de um povo que foi massacrado e perseguido ao longo da história - o povo judeu - e cuja fração mais radical, que domina o Estado de Israel, infelizmente é parte da política imperialista dos EUA no Oriente Médio. Lula vai com uma mensagem de paz onde os habitantes vivem intensamente em estado de guerra.

Em Minas, ou, mais precisamente, na Cidade Adminsitrativa construída pelo neto de Tancredo nossa guerra era outra: por um salário mais justo. O ônibus parou num ponto próximo dos outros e descemos. Nesta hora é sempre o momento de revermos conhecidos, amigos de outras lutas, que a gente só encontra assim, nas batalhas campais. Algumas pessoas, parentes inclusive - não todos, claro -. eu só reencontro em duas ocasiões: em festa de casamento ou em velório. Os atos de protesto acabam se tornando um terceiro momento desse reencontro com pessoas que não via há muito: gente que lecionou comigo em outra escola, ou que conheci nos tempos de militância política, ou que estudaram comigo em alguma faculdade. Alguns pioraram, politicamente falando. Outros, melhoraram, segundo meus critérios do bem e do mal que são bastante tolerantes. Creiam. Já fui mais radical, se é que me entendem.

Os grupos de servidores da Educação, da saúde, e de outras categorias do serviço público mineiro iam chegando, pipocando aqui e ali com bandeiras, apitos, palavras de ordem, jornais, panfletos. Rituais que se repetem, tal como a liturgia de uma missa, ou um jogo de futebol com as torcidas e camisas e frases de efeito. Dois caminhões de som puxavam os discursos e as palavras de ordem. E a gente caminhava contra o vento, com algum documento no bolso, mas pouca grana por imposição de um contracheque minguado. Caminhamos em volta do conjunto de prédios que não pudemos ver de perto, apesar de terem sido feitos para abrigar os servidores de Minas. Desta vez, pelo menos, ficamos do lado de fora. Mas, era aqui que a festa acontecia, e não lá dentro.

Carros de reportagem de jornais, rádios e TVs lá estavam. Quiseram até me entrevistar, a TV Alterosa, a única que deu uma cobertura jornalística um pouco mais digna deste nome. Passei a bola para João Martinho, dirigente sindical que estava ao meu lado, incorporado a meu esquema particular de segurança. Ultimamente tenho me recusado a dar entrevistas. Sabem como é, né? Com a idade avançando a gente fica mais exigente. Nojento! Joãozinho Martinho mandou ver, se os editores da TV deixarem, é claro.

Enquanto isso, em Israel, Lula falava para os microfones de uma mídia nacional e internacional sobre a constituição brasileira que não permite a construção de armas nucleares. Israel, que tem armas nucleares, queria por que queria que Lula condenasse o Irã que estaria desenvolvendo energia atômica. Lula não é bobo é nada, desconversou, citou a constituição brasileira, mas de maneira alguma quis se indispor com o Irã que nunca fez nada contra o povo brasileiro e é potencial parceiro comercial.

Do lado de cá, nas montanhas de Minas, o tempo fechou, literalmente falando, enquanto caminhávamos ao redor dos palácios. A majestosa obra pode ser admirada de ponta a ponta, pois demos uma volta completa no seu entorno: aqueles dois prédios meio que encaixados um no outro, aquele outro parecendo uma igreja ao estilo Brasília e o que se tornou mais famoso: o prédio suspenso, com o maior vão livre do mundo. Uma lagoa na frente e uma outra ao fundo. Será que dava pra nadar? Eu, heim, em tempos de dengue quero ficar bem longe daquela lagoa. Até um heliporto fizeram por lá. Se soubesse disso teria chegado de helicóptero.

Já bem próximo da rodovia a chuva começa. Minha mãe e minha irmã bem que disseram pra eu levar guarda-chuva. A sorte é que alguns conhecidos são mais obedientes que eu e pude pegar carona numa das abas dos guarda-chuvas e sombrinhas. Mas assim mesmo a chuva molhou, como convém acontecer a quem nela entra. E foi debaixo de muita chuva, com os discursos de costume nos carros de som se revezando, que a galera resolveu ocupar um lado da rodovia. E assim foi feito. Por um bom pedaço de hora o trânsito na Linha Verde, do lado de quem vai para BH parou, e só a imprensa de Minas não viu. A Globo então, nem se fala. A Band leu uma nota qualquer sobre o ato no jornal local, sem apresentar qualquer imagem. Como disse, só a TV Alterosa fez uma cobertura um pouco mais digna de um jornal. Vamos ver amanhã se a Itatiaia, através do noticiário ou comentaristas fala algo sobre o evento.

Ao meu lado, Alex, professor de História, também, descreveu o quadro: "É. Até que para um primeiro ato não foi tão ruim assim não". Tem razão. É bem verdade que não foi aquela maravilha, que seria se 100 mil servidores, pelo menos, tivessem pulado da cama, ou deixado a sala de TV e tivessem comparecido ao ato. Mas, havia lá uns três ou quatro mil servidores, olhando assim a grosso modo, com meu olhômetro de calcular multidões. Para um primeiro ato debaixo de chuva, passa.

Em Israel, Lula chegava a Cisjordânia, um território palestino cercado pelo estado israelense. Na verdade, para quem nunca ouviu falar nada a respeito, Israel é um estado dentro do território palestino, que foi ocupado após a segunda guerra, num acordo entre os países vencedores, para dar um lar aos judeus. O grande problema é que a população que lá residia há muitas décadas, os palestinos, não foi consultada. E hoje vive cercada em guetos e tratada como em certa época trataram os judeus na Europa. Ironia da história, a maioria dos judeus de Israel - não todos, claro - praticam em parte aquilo de que foram vítimas as gerações passadas dos judeus: perseguição, segregação, humilhação, discriminação e matança, logo contra aqueles que os acolheram com dignidade - e com eles conviviam harmoniosamente - antes que ali existisse o estado de Israel.

Em Minas, a chuva diminuiu, e o ato, cumprida a missão de passar um simbólico recado, foi dispersando. Houve até um caixão, com um boneco por cima, que foi queimado em seguida. A rodovia foi liberada e nós voltamos lentamente, sob a escolta dos batalhões de choque e de um bem humorado grupo de palhaços que dançava e ironizava tudo e a todos que passavam, especialmente àqueles que estavam do lado de dentro das cercas.

Saí com a impressão de que, apesar de não termos sido recebidos diretamente pelo governador, alguma coisa será feita para corrigir as enormes perdas salariais que vêm corroendo nosso bolso. Tenho a impressão de que Aécio, candidato a senador, e Anastasia, candidato a governador, devem ter meditado calmamente, contemplando a paisagem da Cidade Administrativa, devidamente guardada pelo aparato de segurança, e concluido que alguma coisa deve ser feita. O que será que nos espera? Um abono? Um vale refeição? Um reajuste de um dígito? Quem tiver notícias mande cartas por e-mail ou pelo correio tradicional, de preferência por sedex, para que saibamos rapidamente das novidades.

Mas, enquanto isso, em BH - calma gente, Israel vem depois -, os professores da rede municipal entraram em greve. E olha que lá eles ganham bem mais do que os professores do estado. Também em SP os professores já estão em greve há vários dias, apesar da mídia de lá ser igual a de cá. As coisas acontecem, a avenida Paulista é paralisada, mas a mídia nada vê. Afinal, como justificariam que o seu candidato Serra é insensível com a Educação pública de SP e que, por extensão, fará o mesmo se for o presidente da república? (toc, toc, toc - batam na madeira).

E por aqui, enquanto Aécio e Anastasia e Renata Vilhena fazem as contas, nós, os servidores aguardamos o desfecho dessa novela, na expectativa de que pelo menos em época de eleição alguma coisa a mais deve cair nos nossos bolsos, além dos panfletos e das promessas de ocasião. E que seja algo convincente, pois, de acordo com as diretrizes do sindicato dos trabalhadores em Educação, se não houver negociação, dia 08 de abril haverá paralisação. Aguardemos. A paz na Palestina, e um salário mais justo para os servidores aqui em Minas. Amém.

P.S. Vejam as fotos do acontecimento no site do Sindpúblicos, clicando aqui. Numa delas eu apareço, com caminhão de som ao fundo e um pessoal de vermelho anunciando a minha chegada. Nem Lula ou Aécio tiveram recepção semelhante.

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