terça-feira, 23 de março de 2010

Diário de bordo - 23.03.2010 - O descaso dos governantes com a Educação pública

Há no Brasil uma cumplicidade entre os governantes dos diversos partidos e matizes ideológicas. É a cumplicidade do descaso com a Educação pública. De Lula a Aécio Neves, passando por Serra, Requião e Sérgio Cabral, todos, sem exceção, fizeram e fazem vista grossa para os problemas da Educação pública, especialmente em relação aos salários dos profissionais do ensino básico.

Quando Lula foi eleito presidente, com um discurso em favor da valorização dos professores, criou-se no Brasil grande expectativa por parte do magistério. Passados oito anos de governo, o máximo que se conseguiu foi aprovar um piso salarial muito abaixo do esperado - 950 reais -, piso este que sequer é praticado pela maioria dos governantes das esferas municipais e estaduais.

Se o tema valorização dos professores fosse algo realmente prioritário para o governo Lula, tanto o valor do salário seria outro, como também o empenho e a viabilização na aplicação e pagamento do piso teriam sido construídos ao longo deste tempo. Nada disso aconteceu e praticou-se uma política seletiva através do CEFET, que não inclui toda a massa de estudantes.

Tudo bem que o crescimento do número de escolas técnicas federais e também das universidades e também da criação de vagas para pessoas de baixa renda no ensino superior (Prouni) são medidas corretas que o Governo Lula praticou. Mas, em relação ao ensino básico, voltado para atender de forma universal aos estudantes, especialmente de baixa renda, não houve grandes avanços. Ao final, Lula jogou para o pré-sal, ou seja, para o futuro, a solução deste problema vital para a sociedade brasileira.

Mas, Lula e o PT não estão sozinhos neste descaso. No âmbito estadual, só para ficarmos entre os personagens mais próximos de uma disputa presidencial, como Serra em São Paulo ou Aécio Neves em Minas Gerais, nos dois estados mais ricos da União, a situação não é diferente. Em Minas, como em SP, ambos governados pelo PSDB, prevalece a política do prêmio ou abono em lugar de reajustes salariais que garantam um poder aquisitivo digno para os profissionais da Educação.

Criou-se a falsa retórica de que premiar por resultados acabaria estimulando a melhoria na qualidade do ensino. Coisa de mercado e do neoliberalismo transferido para a área pública de forma automática. Isso até poderia surtir algum efeito se se tratasse de uma carreira valorizada, que proporcionasse boas condições de trabalho, políticas adequadas de formação continuada, e na qual os professores não tivessem que assumir dois ou três cargos para receberem um salário razoável. Não é o caso dos professores do ensino básico nestes dois estados e nem nos demais.

A carreira do magistério, na modalidade ensino básico, tornou-se, ao longo das últimas décadas, uma carreira cada vez menos atrativa. Dificilmente uma pessoa que estiver em dúvida em relação a uma futura profissão escolherá a carreira de professor se levar em conta os critérios de salário e condições de trabalho. Nenhuma outra carreira do estado, que exige curso superior e oferece condições tão péssimas de trabalho paga salários tão baixos quanto a carreira do magistério.

No discurso, os governantes e seus ministros de estado e secretários da área da Educação são excelentes pregadores em defesa de uma Educação de qualidade para todos. No discurso, somente. Na prática, o que se verifica é o descaso. Uma ou outra medida positiva acaba se perdendo em função dos problemas estruturais, especialmente em relação à baixa remuneração.

É o caso do governo de São Paulo, cuja categoria encontra-se em greve geral por reajuste salarial. O governador e candidato a presidente Serra diz que a greve é política e mostra com isso como será sua relação com os movimentos sociais caso se eleja presidente da república. Ora, se há uma coisa que não faz parte do magistério brasileiro é fazer greve por motivos especificamente políticos e eleitoreiro. O Brasil tem um magistério dócil até demais, que submete-se às políticas que retiram direitos, cobram deveres e não asseguram as condições adequadas para o exercício do magistério. É um magistério que, em função dessa irresponsabilidade dos governantes, tem caído de qualidade, com bons quadros transferindo-se para outras áreas.

Em Minas Gerais, após oito anos de governo e pagando um dos mais baixos pisos salariais do país, o governador Aécio oferece 10% de reajuste salarial para os servidores da Educação. Se de um lado, Aécio Neves pode apresentar algumas conquistas como o pagamento em dia dos salários, inclusive o décimo terceiro, coisa que não acontecia anteriormente, por outro, deixou escapar uma ótima oportunidade de provar que seu choque de gestão tinha um conteúdo social - o que não se verificou.

O governador de Minas criou o que denominou de "piso remuneratório" para os professores, que é na verdade um teto salarial, pois engloba o piso real, baixíssimo, e gratificações como quinquênios, biênios, e outras. Este piso, que na verdade é teto, é de R$ 850 reais e passará para R$ 935 reais para todos os professores, tenham eles curso de ensino médio, superior ou mestrado. Já o vencimento básico, que é o piso real e que está contido dentro do teto citado, é de R$ 336 reais para os professores com formação em ensino médio, e R$ 500 reais para o professor com curso superior. Ou seja, um professor com licenciatura plena recebe, em Minas, um salário mínimo de piso salarial!

Esta situação se reproduz em quase todo o Brasil, com algumas exceções, onde os governos pagam um pouco melhor aos professores, mas mesmo nestes locais, se compararmos os salários de outras carreiras com a mesmo exigência de formação acadêmica veremos que o magistério sempre leva a pior.

A hipocrisia neste caso está na fala dos governantes, dos parlamentares, de juízes, em favor de uma educação de qualidade como condição essencial para reduzir a desigualdade social, para retirar os jovens e adolescentes do tráfico de drogas, enfim, para que o país se desenvolva oferecendo oportunidades para todos. Mas, na prática não é isso o que se verifica.

Falam muito na importância de uma boa gestão governamental para aplicar bem os recursos que são recolhidos dos cidadãos. Concordamos. Mas, que boa gestão é esta, que deixa de fora os educadores, a área da saúde pública e outros setores essenciais para os cidadãos? Será que uma boa gestão é aquela que enxuga a máquina pública - leia-se: arrocho salarial dos profissionais de baixa renda - para investir em grandes obras faraônicas? Ou será aquela que economiza bilhões de reais para pagar juros a banqueiros e acionistas da dívida pública, enquanto não se investe adequadamente na Educação que beneficiaria milhões de crianças e jovens?

Tanto Lula, como Aécio, Serra, e por extensão, a Dilma, pecaram na tarefa de investir adequadamente na Educação pública como instrumento de formação de cidadania crítica e capaz de construir um Brasil diferente. O resultado disso é o que temos diante de nós, com uma realidade social marcada por profundas desigualdades e baixa expectativa por parte dos jovens das famílias pobres.

Podemos até concluir, numa visão geral, que Lula e o PT fizeram mais e melhor do que os oito anos de governo de FHC dos demotucanos. Talvez em quase todas as áreas Dilma poderá cantar vitória, exibir resultados comparativamente superiores em relação ao governo anterior. Mas, infelizmente, na Educação dirigida ao ensino básico - que é aquela que abrange 50 milhões de crianças e jovens - todos - Lula, Aécio, Serra, Dilma - farão um pacto de silêncio, porque falharam.

E nós, professores, que ainda não desistimos de lecionar, teremos que continuar lutando, fazendo greves, tentando sensibilizar as comunidades e aos próprios colegas de trabalho para que se mude essa realidade. Para que se desmoralize a prática da mídia bandida com seus editoriais que jogam a culpa de todos os problemas da Educação pra cima dos professores e dos alunos. Para que se quebre esta cumplicidade de descaso em relação à Educação pública no Brasil.

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