terça-feira, 23 de abril de 2013

A visita do comandante Martinho ao bunker do Blog


A visita do comandante Martinho ao bunker do Blog

Encerrado o expediente no outro emprego, ao invés de me dirigir para a escola, como faço todos os dias, vim direto para o bunker, para um repouso antecipado. Por volta das oito da noite, deitei um pouco, com a TV ligada, não para assistir coisa alguma. É que o som da TV me dá sono e assim eu me vingo da telinha, dormindo, quando o que eles desejam é que eu assista e seja engolido pelas verdades, deles.

Em meio ao cochilo, alguém bate no portão de aço reforçado do bunker do Blog. Fui até a porta e perguntei quem era, pois manda o bom senso que não se abra a porta de primeira, como se fazia em outros tempos. De trás do portão, reconheço a voz do comandante Martinho, a quem não via há algum tempo.

Tratei logo de colocá-lo para dentro do bunker. Afinal, não se pode deixar um comandante à espera por muito tempo. João Martinho veio direto da assembleia e da passeata dos educadores de Minas, realizadas hoje em BH. Bons tempos aqueles em que eu tinha tempo livre para acompanhar as movimentações e trazer o relato fresquinho aqui no blog. Ofereci o que tinha na mesa do bunker para o comandante: pão de queijo, leite, café, biscoito, banana e água mineral. O comandante é sistemático. Não aceitou nada, muito provavelmente porque ainda fará sua refeição noturna na casa dele, bem mais reforçada.

Colocamos a conversa em dia. Ele me relatou sobre a realidade da escola onde trabalha e eu passei o relato dos problemas que vivemos recentemente onde eu trabalho. O encontro entre professores é sempre assim. A gente começa falando das realidades específicas, e depois passa para avaliações mais gerais. Ele me deu o informe do indicativo de greve geral para o início de junho de 2013; falou da conquista obtida pelo sindicato em relação a não obrigação do professor de assumir as aulas além das 24 horas; e por fim, fizemos uma avaliação do movimento dos educadores em Minas.

O comandante tem passagem longa pela estrada da luta dos educadores. Está no magistério há 30 anos, ou mais, e participou de todas as greves da categoria. Houve época, aqui em Vespasiano, que fora o único professor a ficar em greve, ele sozinho, e mais ninguém. Dirigente da subsede local, sempre foi oposição no Sind-Ute. 


Repassamos os últimos movimentos, especialmente as greves de 2010 e 2011. Eu lhe disse que em 2010 tínhamos tudo para ganhar a luta. Era final de governo, o faraó era candidato ao senado, o afilhado candidato a reeleição, e a adesão da categoria à greve era boa, bem forte. Tanto que no último dia de greve, após 47 dias, o pátio da ALMG estava lotado, com mais de 10 mil educadores, e a votação foi dividida ao meio, com a direção do sindicato apoiando o fim da greve. Disse ao comandante que por trás da decisão do sindicato estavam interesses políticos partidários. Não compensava mais que a greve continuasse e criasse um impasse que seguramente poderia influenciar nos resultados eleitorais. Depois veio um mês de negociação sem greve, e sem informação alguma para a categoria, até que o governo se sentiu à vontade para acabar com a carreira e impor o subsídio, que representava pequeno ganho salarial para os novatos.

Naquela época, o piso dos educadores estava suspenso pelo STF, e sem o piso, e com o vencimento básico em R$ 369,00, e sem as gratificações para os novatos, qualquer outra fórmula que representasse ganho salarial seria considerada melhor do que estava. Somente em 2011, quando o piso fora considerado constitucional pelo STF, faria retornar a luta pela antiga carreira. Infelizmente, a maioria da categoria não entendeu o que estava em jogo, e se prendeu aos ganhos momentâneos, pequenos, do subsídio, em relação à antiga remuneração já defasada e corroída pelos constantes confiscos.

Em 2011, a greve foi numericamente mais frágil do que em 2010, apesar de ter sido marcada por maior radicalidade nas ações. Foram 112 dias inesquecíveis de luta, de suor, de perdas, de sofrimento, de expectativa, de sonhos e pesadelos. Vivemos cada dia daquela luta, como protagonistas. O nosso blog, sem modéstia, foi a principal fonte de informação e discussão que a categoria adotou. E as ações de luta, dos acorrentados, dos acampados, das ocupações, das passeatas e enfrentamentos com a PM, marcaram época. O comandante Martinho estava lá, firme, sempre presente. Participei de boa parte das movimentações, e me dediquei a colocar este espaço virtual a serviço da luta real. Nem se pode dizer que em 2011 a greve tenha acabado por decisão política partidária, apenas, pois não era um ano eleitoral. Era começo de governo, e o governo, que já tinha feito concessões para a PM, estava disposto a levar às últimas consequências a destruição da carreira dos educadores, hoje sem piso, com salário congelado e com um batalhão de inspetores, diretores (salvo honrosas exceções), supervisores, pipeiros e outros tipos, na cola dos professores. A ordem é não dar tempo para que os educadores tenham tempo para refletir sobre suas próprias condições de explorados, quase escravizados.

O comandante me disse que o capitão Rômulo apresentara, na sua fala de hoje, no conselho, problema de voz. É sério. Rômulo se notabilizara como o principal orador do NDG. Trabalhando em dois cargos de ensino regular, é preocupante. Não aconselho ninguém a assumir aulas em dois cargos. O problema é que com um cargo só, ninguém consegue sobreviver dignamente. Por isso as pessoas estão adoecendo, da voz e da cabeça.

Disse para o comandante que a situação da Educação não é boa. E que somente uma grande greve poderia reverter este quadro. Mas tinha que ser um movimento construído com uma base sólida, em torno de uma proposta comum, que contemplasse uma grande maioria da categoria, envolvendo também os estudantes e pais de alunos. Mas, no final das contas, quem teria que segurar a barra mesmo seria (é) a própria categoria, e mais ninguém. Somos 400 mil educadores, 250 mil na ativa e 150 mil aposentados. Uma greve que arrastasse 150 mil trabalhadores, com atuação forte em todo o estado, poderia fazer a diferença e nem precisaria ser tão longa quanto a de 2011.

O problema todo é que boa parte da categoria não confia na direção sindical. Nesse caso, teria que se criar um comando confiável, que pudesse reunir as diversas correntes ideológicas e também lideranças não partidárias do movimento. Que conseguisse sensibilizar a sociedade acerca da realidade dos educadores e da Educação básica em Minas e no Brasil. Talvez assim o governo e seus apoiadores começassem a sentir o chão desaparecer dos seus pés. Um forte movimento social é capaz de destruir qualquer projeto político, seja local ou nacional. E ninguém pode ser poupado, nem os governantes de Minas, e tampouco os governantes da esfera federal.

Essa é a utopia que este blog apresentou para o comandante Martinho, que se mostrou disposto a travar a luta que fosse necessária. No final, falamos de amenidades. No seu pequeno latifúndio na Serra do Cipó, Martinho constrói um pequeno barraco para abrigar o encontro de amigos da luta e de gole. Combinamos de nos encontrar por lá, assim que o barraco ficar pronto, não se sabe ainda quando será. Ele se despediu de mim dizendo que se precisasse era só procurá-lo, mesmo que em sala de aula, que ele estaria pronto para o combate. Anotei. Martinho é valente. Me lembro ainda quando bem jovens, eu mais do que ele, claro, embalados nos sonhos dos Diários do Che, nas leituras do marxismo para iniciantes, e inspirados nas lutas de Zumbi dos Palmares. Sonhávamos em pegar em armas e derrubar o que sobrara da ditadura militar, que já estava em ruína, para construir um mundo novo, "de festa, trabalho e pão". Ahhh, bons tempos aqueles em que o céu não era o limite para as nossas utopias.

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

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sábado, 20 de abril de 2013

Venezuela, Brasil e Minas, além da greve de 3 dias


Venezuela, Brasil e Minas, além da greve de 3 dias

Quero falar um pouco - um  pouco, apenas - sobre três países: Venezuela, Brasil e Minas. Nesses dias, acompanhei de perto, ainda que de longe, pela telinha da Internet, o desenrolar das eleições na Venezuela. Todos viram que os resultados foram apertados, em favor do candidato chavista Nicolás Maduro. Foi bom para a América Latina que ele tenha vencido. O candidato opositor, Capriles, tem o rosto da direita neoliberal e neofascista. Tem um pouco a cara das elites de Minas, portanto. A Venezuela tem algumas coisas interessantes. Ao contrário do Brasil, onde a chamada "esquerda" (com aspas) ganhou o governo federal, mas nunca teve coragem para enfrentar grandes brigas com as elites dominantes, na Venezuela é diferente. Os chavistas (de Hugo Chávez) encaram a direita de frente. Romperam o monopólio das comunicações, construindo uma TV do Governo, a Venezuelana, e uma TV Internacional, a Telesur, com programação de notícias comentadas 24 horas por dia. E para completar, usam a rede nacional obrigatória para anunciar as obras do governo em todas as redes de comunicação privadas, que geralmente são opositoras, como é o caso da Globovision, uma espécie de Rede Globo no Brasil, ou Itatiaia aqui em Minas.

Na Venezuela, tanto as Forças Armadas, quanto o CNE - Conselho Nacional Eleitoral -, estão bem comprometidos com os ideais da chamada "revolução bolivariana" (em homenagem a Simón Bolivar). Tudo bem que o processo lá e em qualquer outro lugar foi diferente do Brasil. Por isso, as comparações devem ser vistas com prudência. Na Venezuela eles viveram uma tentativa recente - abril de 2002 - de golpe de estado. E ao contrário do Brasil de 1964, o povo venezuelano foi para as ruas exigir o retorno do presidente Chávez ao governo. E depois de retornar ao governo nos braços do povo, ao invés de fazer concessões aos neoliberais, Chávez aprofundou as mudanças visando institucionalizar a "revolução bolivariana".

Vão dizer, como gosta de fazer a imprensa brasileira, totalmente serviçal de interesses dos de cima, nacionais e estrangeiros, que na Venezuela se vive uma ditadura. Nada mais falso. Que ditadura é esta, que realiza eleições praticamente todos os anos? Que submeteu a constituição federal a um referendo popular? Que permite que a oposição golpista e neoliberal detenha poderosos meios de comunicação - jornais, rádios e TVs - que funcionam normalmente? Que permite que os opositores neoliberais participem das eleições e governem estados e municípios onde saem vencedores nessas eleições? Ora, é no mínimo uma ditadura muito democrática, aliás, bem mais democrática do que a do Brasil e a de Minas. No Brasil, a grande mídia é 100% controlada por banqueiros, grandes empresários e governantes neoliberais. Em Minas é a mesma coisa, ou seja, não existe liberdade de imprensa. Me mostrem uma rádio ou uma TV ou um grande (em quantidade de exemplares, não em qualidade) jornal que não seja controlado pelo grupo do faraó mineiro?

Na Venezuela, pelo menos são menos hipócritas. Cada um assume o seu lado. De um lado, o governo e o projeto chavista, que defendem um suposto socialismo moderno; e de outro, a oposição antichavista, que é golpista e neoliberal até a medula. Tal como a direita brasileira também. E semelhante às elites imperialistas dos EUA e países ricos da Europa, que controlam toda a mídia e toda a força militar do planeta. E que tudo fazem para manter a roda do capital girando sobre as nossas cabeças, para garantir que alguns poucos continuem acumulando lucros, fortunas, riquezas, que nem a milésima geração de sua prole terá condições de gastar. Imaginem acumular alguns bilhões de dólares como patrimônio? O que se faz com uma fortuna dessa? Aqui em Minas, ou no Brasil, quando recebemos um dinheirinho a mais de forma acumulada, tipo salário e décimo terceiro, já temos que planejar como gastar esta ninharia que recebemos. Imaginem estes poucos bilionários? Não é a toa que têm hábitos exóticos, como colecionar carros importados, ou mansões de luxo, entre outros. Enquanto isso, milhões de pessoas morrem de fome ou de doenças pela falta do básico, em matéria de alimentação, ou de assistência preventiva, incluindo saneamento, moradia e transporte.

O Brasil sob os governos federais do PT tem méritos, não se pode negar. Entre eles os programas sociais, como o Bolsa Família, que tirou milhões de pessoas da miséria e da fome; os programas Luz para todos, Prouni, com todas as limitações e críticas; os programas de cotas sociais, que eu considero importante; os aumentos no salário mínimo, acima da inflação, embora abaixo das reais necessidades de uma família de trabalhadores; além do programa Minha Casa Minha Vida, que considero, pessoalmente, fraco, e que serviu mais às empreiteiras, que lucram muito, vendem apartamentos sem qualidade a preços caríssimos, com pouca contrapartida dos governos. Apartamento de  35 ou 40 metros quadrados a R$ 100 ou 150 mil reais é quase um roubo. Na ponta do lápis, daria para fazer por um terço do preço, ou menos, se o poder público e a população tivessem o controle das planilhas e do processo de construção. Mas, não. Deixaram tudo para o setor privado, que conhece como linguagem única e absoluta o DEUS LUCRO acima de qualquer outra coisa.

Mas, o governo federal do Brasil sob o PT e aliados comete o erro da covardia em não enfrentar a elite dominante neoliberal e golpista. Fazem todas as concessões para os aliados e não têm coragem de comprar briga pela reforma agrária, pelo fim do monopólio das comunicações, por maior investimento na Educação e na Saúde, etc. É um governo que concilia em praticamente tudo. E foi muito fragilizado pela sistemática campanha que os meios de comunicações, a serviço da direita, promoveram e promovem contra o governo federal. Mas, parece que os governos de Lula e Dilma gostam de apanhar sem reagir.

Minas Gerais, país, já dissemos aqui antes, sobrevive e vive de propaganda. É o melhor do planeta em Educação básica, paga muitas vezes acima o piso dos professores, não tem dengue, é perfeito na gestão, é perfeito em tudo, aliás. Moramos aqui, dizem, mas ainda não tivemos a oportunidade de conhecer as Minas da propaganda. Os donos e comentaristas das rádios e TVs enchem os bolsos de trinta dinheiros para tentar mostrar o paraíso que é Minas; o Ministério público é uma espécie de autarquia do governo de Minas, haja vista o que aconteceu com os educadores na greve dos 112 dias de 2011, quando o procurador de Minas, ao invés de cobrar do governo o cumprimento de uma lei federal, ingressou na Justiça contra os educadores. E depois falam que a Venezuela é que é uma ditadura.

Na posse de Maduro, na Venezuela, lá estavam vários presidentes latino-americanos. Muitos deles progressistas ou da chamada esquerda ou de centro, sabe-se lá o que isso representa, como os da Bolívia, do Brasil, da Argentina, entre outros. Até mesmo esta mudança na América Latina para governos mais comprometidos com o social teve uma grande participação da Venezuela. Hugo Chávez fez grande movimentação, inclusive financiando e colocando uma TV Internacional à disposição dos projetos mais à esquerda. O Brasil também teve sua cota de participação, não se pode negar. Ainda que de forma discreta, foi solidário com a Bolívia, a Venezuela (quando sofreu o golpe de estado em 2002), entre outros, inclusive com países africanos. O que considero correto. Temos uma dívida histórica com os povos do continente africano.

Bom, e finalmente, para não falar de flores, apenas, passo rapidamente para a greve nacional de três dias dos educadores. Todos sabem da minha opinião sobre as entidades nacionais como CUT e CNTE, que convocaram a paralisação nacional. Não são confiáveis, pois se tornaram uma espécie de autarquia do governo federal. Mas, apesar disso, a paralisação está voltada, também, para a conquista de algumas reivindicações dos educadores. Entre elas, destaco o piso salarial dos educadores, que não saiu do papel, apesar de ter sido considerado constitucional pelo STF, outro órgão que seleciona aquilo que deve e aquilo que não deve ser cumprido. A Lei do Piso é um mau exemplo de como as instituições do país não respeitam as leis que elas aprovam. Portanto, em solidariedade de classe aos trabalhadores da Educação, vou participar da paralisação de três dias, entre os dias 23 e 25 de abril de 2013. Não sei se conseguirei participar da assembleia da categoria, já que no horário marcado estarei em outro serviço, fora da rede estadual. Mas, isso não fará qualquer diferença, pois seria só mais um a bater palma ou a vaiar o monopólio do microfone pela direção sindical. Mas, já avisei para meus colegas de trabalho da rede estadual que estarei de greve nos dias 23, 24 e 25. Três dias de corte salarial, linguagem usada pelo governo de Minas para intimidar os trabalhadores, não me deixarão mais pobre.

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

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quarta-feira, 10 de abril de 2013

Ah, que canseira este governo: agora colocaram o meu cargo em designação!


Ah, que canseira este governo: agora colocaram o meu cargo em designação!

Já havia dito antes aqui no blog, que não vai demorar muito para que eu me desligue da rede estadual de Minas. Mas parece que o governo quer forçar a antecipação desta minha decisão, e agora colocou o cargo que ocupo na escola em designação. Vamos entender o assunto.

Tem quase 10 anos que estou no magistério público. Neste tempo, colhi muitas decepções na rede estadual de ensino de Minas, país, pois foi justamente o período do reinado do faraó e seu afilhado. Todos os que ingressaram na Educação após 2002, meu caso, perderam as gratificações como quinquênios e biênios. Posteriormente, também os antigos servidores foram castigados e tiveram estas gratificações abolidas. Coisa que só acontece em Minas, neste processo de destruição das carreiras dos educadores. Piso, carreira, tudo, tudo foi por água abaixo.

Mas a gente, de teimoso que é, ia resistindo, sobrevivendo, aqui e ali. Por todas as escolas em que passei, quase sempre - mas não sempre - quase nunca fui bem visto pelas direções escolares. Quem questiona, quem discute as ordens que vêm de cima, quem mobiliza os colegas, quem participa de greves, nunca é bem visto por direções burocratizadas.  As que são democráticas, até nos apoiam.

Por isso, numa outra escola, era persona non grata para a direção. Na atual, não vou fazer juízo antecipado de valor, mas fiquei zangado quando fui informado que meu cargo havia sido colocado para designação. Por quê? Vamos procurar entender.

Na atual escola onde trabalho, Cesec do bairro Vila Esportiva, em Vespasiano, assumi o cargo de regente orientador de Sociologia, função que ocupo há dois anos e alguns meses. Quando fui removido para esta escola, em 2010, assumi o cargo de professor de História, que é a minha área. Posteriormente, o governo determinou que apenas um professor de cada disciplina assumisse as respectivas áreas. Como a colega professora de História era mais antiga na escola, era natural que assumisse esse conteúdo. Diante desse contexto, fiquei "excedente" na escola, juntamente com outros colegas professores de outros conteúdos. Para esta situação, as antigas resoluções, até 2012, orientavam que o professor efetivo pudesse assumir conteúdos afins, caso houvesse cargos vagos na escola. Foi isso que aconteceu. Na condição de professor efetivo, portanto, habilitado e concursado, pude assumir um conteúdo afim, que poderia ser Sociologia ou Filosofia.

Concordamos que o ideal é que os conteúdos sejam preenchidos - os cargos - por profissionais efetivos habilitados nas respectivas áreas. Mas, como, até então, não havia nenhum concursado em Sociologia e Filosofia, era natural que estes cargos pudessem ser preenchidos por profissionais habilitados em conteúdos afins lotados na escola.

A circunstância criada pelo governo na minha escola e nas outras também, de redução do número de professores ou de turmas, impôs que eu assumisse outro conteúdo, com a devida autorização expedida pela SEE, conhecida como CAT. E nessa situação permaneci até os dias de hoje, quando fui informado que meu cargo havia sido colocado em designação.

Minha primeira reação foi a de indignação, pela falta de respeito deste governo, da SEE-MG, da direção da escola, para com os profissionais da Educação. Sou um professor efetivo e não mereço ser tratado dessa forma. Merecia, pelo menos, que a inspetora, a diretora, antes de tramarem a minha saída da escola, que tivessem a hombridade de me procurar para discutir a minha situação funcional. Até mesmo para que procurássemos, em conjunto, alternativas que não representassem necessariamente o meu afastamento daquela escola. E por quê isso é importante.

Porque as pessoas, os profissionais, criam vínculos com os alunos, com os colegas profissionais, com as lideranças da comunidade; as pessoas têm uma vida organizada com base em horários, em mobilidade, e qualquer alteração de local de trabalho, sem o consentimento do profissional, pode representar um grande prejuízo para todos. É um desserviço público, o contrário, portanto, de um bom serviço prestado ao público.

Ao mesmo tempo, é muito estranho o comportamento do governo. Vejam: de um lado, ele quer me impedir de continuar lecionando matéria afim; de outro lado, ele impõe aos professores dos primeiros anos do Ensino Fundamental que assumam os conteúdos de Educação Física e Religião. Na nossa escola mesmo, em 2012, por economia porca do governo, ficamos impedidos de fazer qualquer contratação e fomos obrigados a assumir matérias afins, e às vezes nem tão afins assim. Vários colegas professores assumiram conteúdos diversos: professor de Matemática foi obrigado a lecionar conteúdo de Física; nós, de História ou Geografia, tivemos que assumir o conteúdo de Filosofia, ou Geografia, ou Sociologia; professor de Biologia teve que assumir também a disciplina de Química; e o de Português assumiu a matéria de Artes. Todos sobrecarregados, sem ganhar um vintém a mais por este trabalho extra, apenas para não deixar a escola afundar, e assistir ao abandono dos alunos daquele recinto. Passamos todo o ano fazendo este trabalho, decisão tomada coletivamente, que respeitamos.

Agora, numa trama pelas costas, a direção da escola, sem nos consultar, sem consultar o colegiado, sem conversar com a equipe da escola, resolve colocar o meu cargo e o de uma colega de Geografia (que assumiu Filosofia) em designação. Ela diz que recebeu ordens de cima, através da inspetora. A mesma inspetora que sequer apareceu na nossa escola em horário regular de funcionamento, para conversar conosco. Diz a diretora que ela esteve lá durante o dia (nossa escola funciona com alunos e professores apenas no horário noturno), olhou os papéis, a vida funcional de cada professor, e concluiu que o meu cargo e o da colega citada deveriam ser colocados em designação. Disse que era o que determinava a nova resolução baixada em janeiro deste ano pela SEE-MG

Ahhhhh, resolução! Este é um governo que governa através de resoluções, portarias e normas, quase sempre de acordo com as conveniências políticas. Até 2012, como eu disse, a regra em relação a este tema era uma. Em 2013, mudou, e o profissional que antes estava dentro das normas, agora está na ilegalidade, porque uma nova resolução, sem que nenhuma lei maior tenha sido alterada, determinou uma nova situação.

No caso concreto, um profissional habilitado e concursado terá que deixar a escola, dando lugar a um contratado. Vejam o ridículo. Se eu não existisse na escola em que trabalho, o cargo de Sociologia (ou Filosofia) seria colocado em designação normalmente. E se por lá aparecesse apenas um candidato não habilitado, apenas com ensino médio, mas portando um CAT, assumiria normalmente este conteúdo. Mas, eu, que sou habilitado e concursado, e lotado há mais de três anos na escola, vou ter que deixá-la, em função dessa trama urdida entre sabe-se lá quem.

Só não estou mais chateado, porque planejava sair do estado, pois já tenho outro cargo que também condiz com meu perfil, com minha área de atuação, e até com minhas pretensões salariais, que são modestas. O fato de trabalhar o dia inteiro está impondo que eu faça uma escolha, e neste caso, não será, obviamente, como professor-de-Minas, cuja carreira foi e continua sendo destruída dia após dia. Não dá pra ser feliz num cenário desse, de desrespeito ao profissional, ao ser humano. Todo mundo tem sido testemunha aqui no blog, dos inúmeros casos de injustiça, de que os educadores têm sido vítimas no estado, ou melhor, no país de Minas. Tanto em casos que atingem a todos - como o não pagamento do piso -, como em casos particulares, que atingem individualmente aos profissionais, de diversas formas.

O governo de Minas prima em punir, perseguir e oferecer a porta de saída como quase única opção para os profissionais da Educação. Para o governo, com suas hierarquias dominadas e coniventes (salvo poucas exceções), o ideal é ter um quadro majoritário de professores designados, e outros tantos desiludidos, que tratam a Educação como bico, pois assim fica mais fácil impor políticas de cima para baixo, sem a menor preocupação em discutir democraticamente as diversas questões que dizem respeito à vida dos profissionais da Educação.

Estou prestes a perder o meu cargo, e com isso, vou me afastar definitivamente da rede estadual. Não pense o governo que com isso vai enfraquecer a luta dos educadores. Pelo contrário. Acho que isso vai criar um ódio ainda maior por parte dos educadores conscientes, que ficarão na rede estadual, incluindo os novos concursados. E mais cedo que o governo possa imaginar, parodiando aqui o presidente e comandante chileno Salvador Allende, suicidado pelos fascistas de Pinochet a serviço de grandes empresários e banqueiros e latifundiários nacionais e estrangeiros, como dizia o saudoso presidente, portanto, no seu último discurso: "Mas saibam todos que muito mais cedo do que tarde se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor."

Um forte abraço a todos, e força na luta! Até a nossa vitória!

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Frei Gilvander:


CARTA DE BELO HORIZONTE – contra a PEC 37

Em defesa da atribuição do Ministério Público para investigar criminalmente violações de Direitos Humanos

Belo Horizonte, 2 de abril de 2013.

Está em votação no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional nº 37/2011, também conhecida como PEC 37 ou "PEC da Impunidade", que pretende subtrair o poder de investigação dos Ministérios Públicos Estaduais e Federal e confiná-lo, privativamente, à polícia federal e às polícias civis dos Estados e do Distrito Federal. Caso seja aprovada, referida PEC afetará drasticamente o sistema investigativo brasileiro, notadamente naquilo que diz respeito às investigações criminais das violações de direitos humanos praticadas por agentes públicos. Como consequência, estaremos sujeitos a índices ainda maiores de impunidade, inclusive no que diz respeito aos crimes já apurados, processados e julgados, nos casos em que a investigação tiver sido conduzida exclusivamente pelo Ministério Público. Diante do risco de tamanho retrocesso democrático e CONSIDERANDO o preconizado pelo Direito Internacional no sentido de que

os Estados devem assegurar que as suas autoridades atuem eficazmente em matéria de prevenção, detecção e repressão da corrupção de agentes públicos, inclusive conferindo-lhes independência suficiente para impedir qualquer influência indevida sobre a sua atuação ;

o Ministério Público atua em defesa dos interesses da sociedade e dispõe de garantias e prerrogativas constitucionais capazes de assegurar a necessária isenção na apuração, portanto é imprescindível que participe ativamente na persecução criminal, inclusive na fase pré-processual, em casos de autoria delitiva atribuída a agentes públicos que digam respeito a corrupção, abuso de poder e outros tipos de violações de direitos humanos , com destaque para casos de tortura e tratamento cruel, desumano ou degradante ;

o sistema estabelecido pelo Tribunal Penal Internacional, ratificado pelo Brasil, adota o poder investigatório a cargo do Ministério Público ;

CONSIDERANDO que, no direito interno, a atribuição do Ministério Público  para instaurar e presidir procedimentos investigatórios criminais encontra respaldo em nível constitucional e infraconstitucional, além de ter seus limites e diretrizes previstos em ato específico do Conselho Nacional do Ministério Público , onde são estabelecidos prazos e mecanismos de controle para a realização subsidiária de investigações criminais, em casos excepcionais e devidamente justificados;

CONSIDERANDO que grupos populacionais vulnerabilizados sob o ponto de vista social, politico, econômico e/ou cultural sofrem, historicamente, com o acesso limitado à justiça e à reparação pelos de que são vítimas e que o Ministério Público é constitucionalmente incumbido de zelar pelos interesses sociais de tais grupos;

CONSIDERANDO que, em média, a cada cinco horas uma pessoa é morta no Brasil por agentes investidos de função pública  e que, em Estados que atribuem poder investigatório ao Ministério Público, como Alemanha, França, Portugal e Espanha, a repressão a tais crimes é eficiente, o que contribui para que não haja impunidade e, consequentemente, para que os índices de criminalidade mantenham-se baixos;

CONSIDERANDO que o exercício do controle externo da atividade policial ou do poder de polícia exercido por agentes estatais é essencial para a plena garantia dos direitos humanos, e que sua eficiência depende da possibilidade de o Ministério Público produzir, coletar e utilizar as provas legais necessárias à demonstração das responsabilidades penais dos acusados;

CONSIDERANDO, por fim, que no Brasil o Ministério Público é uma instituição amplamente respeitada, com alto nível de independência, e tem desempenhado um papel-chave no combate à impunidade de agentes estatais, sendo-lhe recomendada a investidura de poder investigatório para orientar e conduzir investigações independentes sobre crimes cometidos por agentes públicos, conforme já declarado, inclusive, pela Organização das Nações Unidas  e Anistia Internacional  e que, em missiva dirigida ao Supremo Tribunal Federal, a Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República manifestou-se contrariamente à aprovação da PEC 37/2011, sob o argumento de que garantir atribuição de investigar também ao Ministério Público é uma forma de combater a impunidade e fortalecer a defesa dos direitos humanos ,

CONCLUI-SE que a PEC 37 é inconstitucional e viola obrigações internacionais assumidas pelo Brasil; que afronta o princípio da eficiência, na medida em que limita o número de órgãos competentes para promover a investigação criminal; que implica enfraquecimento do Estado Democrático de Direito, prejuízo à defesa dos direitos e garantias individuais e da cidadania; e, em última instância, aniquila importante ferramenta para a promoção da dignidade da pessoa humana.

Por todo o exposto, vimos, em eco à Carta contra a Impunidade e a Insegurança (2012), à Carta de Brasília (2013) e demais manifestações em sentido semelhante, expressar nossa grande preocupação e absoluta discordância em relação à retirada dos poderes investigativos do Ministério Público, e clamar para que os parlamentares reforcem seu compromisso com a Constituição da República, com o Estado Democrático de Direito, e com as obrigações internacionais assumidas pelo Estado brasileiro, manifestando-se contrariamente à aprovação da PEC 37/2011.

Subscrevem esta Carta:

- Ministério Público do Estado de Minas Gerais
- Center for Justice and International Law (CEJIL)
- Association for the Prevention of Torture (APT)
- Justiça Global
- Associação Mineira do Ministério Público (AMMP)
- Projeto Novos Rumos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
- Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais
- Sindicato dos Policiais Federais de Minas Gerais
- Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (CONEDH)
- Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)
- Pastoral Carcerária Nacional
- Instituto de Direitos Humanos (IDH)
- Comissão Pastoral da Terra (CPT)
- Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Material Reciclável - CNDDH
- Associação dos Amigos e Familiares das Pessoas em Privação de Liberdade
- Frei Gilvander Luís Moreira, assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e Via Campesina.


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Obs.: Solicitamos às pessoas e/ou entidades apoiadoras da luta contra a PEC 37, que quiserem assinar a CARTA DE BELO HORIZONTE, acima, que enviem e-mail para caodh@mp.mg.gov.br  formalizando a autorização da inclusão do nome de pessoa e/ou Entidade/Movimento social popular etc, dentre as signatárias do documento CARTA DE BELO HORIZONTE. Assim, os nomes que chegarem serão incluídos como signatários da Carta de Belo Horizonte.

Abraço terno. Gilvander Luís Moreira, frei carmelita.
www.gilvander.org.br
gilvanderlm@gmail.com
twitter.com/gilvanderluis
Facebook que ainda aceita AMIGOS: Gilvander Moreira.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

O mosquito municipal e o piso federal

O mosquito municipal e o piso federal

Dois figurões do país de Minas resolveram convocar uma entrevista coletiva para dar explicações sobre a realidade atual, de Minas e do Brasil. Imediatamente, um grande número de repórteres se apresentou, incluindo um representante do Blog do Euler. O serviço de imprensa dos figurões foi taxativo: só entram dois repórteres, um de Minas e outro internacional. Os demais, estão dispensados, incluindo o representante do Blog. Mas, discretamente conseguimos colocar um grampo na orelha do Repórter de Minas, e eis o resultado da entrevista:

- Figurão 1: Bom dia, repórteres, estamos à disposição!
- Figurão 2: (chamou um assessor e cochichou: pede para ser breve porque tenho um compromisso daqui a pouco num barzinho de Ipanema, à beira da praia)
- Repórter de Minas: quero iniciar a entrevista parabenizando o governo de Minas pelo empenho em resolver os problemas do nosso país. Nós, que trabalhamos diariamente cobrindo a realidade de Minas, podemos testemunhar o quanto Minas vem crescendo e se tornando modelo para os demais países...
- Repórter Internacional (já irritado): o colega é assessor do governo ou repórter? Poderia fazer a pergunta ou deixar para mim...
- Repórter de Minas: Da licença, que estou concluindo. Como ia dizendo, Minas melhorou muito, mas, gostaria de saber quais são os planos do governo para o próximo biênio.
- Figurão 1: Depois de construirmos a Cidade Inadministrável número 1, estamos com plano de construir a Cidade Inadministrável número 2. A primeira foi no vetor Norte; a segunda será no vetor Sul. Isso resolverá definitivamente o problema de mobilidade que ora atormenta uma parcela da população.
- Figurão 2: Bom, os meus planos são modestos. Quero a presidência da República do Brasil, assim dividiremos o poder: eu mando no Brasil e ele manda aqui, na minha Minas. Quero exportar para o Brasil a nossa feliz experiência do choque de indi, opa, quero dizer, choque de gestão.
- Repórter internacional: Ouvi dizer que as coisas aqui não estão tão bem quanto parece. Os professores reclamam do piso que não foi pago, os cidadãos estão atacados pela dengue, a segurança não vai muito bem...
- Repórter de Minas: o sr. poderia dizer qual a fonte dessas críticas, pois nada disso consta aqui da minha pauta.
- Figurão 1: eu posso responder, caro repórter internacional. Primeiro, Minas paga até mais do que o piso salarial aos professores... (Neste instante o figurão 2, irritado, tomou o microfone das mãos do Figurão 1).
- Figurão 2: E é bom esclarecer que o piso é federal, não é do estado de Minas. Logo, quem tinha obrigação de pagar o piso é a presidenta. O nosso governo, quando paga até mais do que o piso, tá fazendo bonito, dando bom exemplo.
- Repórter Internacional: mas, senhores, eu li no Blog do Euler que os senhores deram uma espécie de calote nos educadores, não só não pagando o piso, como destruindo a carreira deles e implantando um tal de subsídio...
- Figurão 1: o senhor está mal informado, o que é compreensível já que o senhor não é de Minas. E foi buscar logo como fonte um blog que ninguém nem conhece. Pergunte a seu colega Repórter de Minas que ele dará todas os esclarecimentos.
- Repórter de Minas: De fato, sou testemunha do empenho do governo em tudo fazer pelos professores. Infelizmente, existem limites no orçamento. Se ele pagar um salário muito alto para os professores o estado quebra.
- Repórter Internacional: Mas pagar bem a vocês, repórteres locais, não quebra o estado de Minas não, né?...
Neste instante o telefone do Figurão 2 toca: Trrrrrrrrrrrr!
- Figurão 2: Só um instantinho pessoal, estou atendendo a uma ligação internacional.
   Do outro lado da linha: "Meu presidente, as biritas já estão na mesa, estão esquentando, quando você vem?". O "presidente" respondeu: segura as pontas aí, mano, que estou no meio de uma Coletiva chatíssima. Vou mandar meu assessor preparar meu jatinho para daqui a pouco. Me aguardem que tô chegando. Não bebam tudo, não.
- Figurão 1: Sobre o piso eu queria explicar que este já é um assunto superado. Pagamos mais do que o piso e pronto. É o que está na propaganda e aqui em Minas é assim: tudo o que aparece na propaganda oficial é lei, tem que ser tratado enquanto verdade inquestionável. É assim que Minas avança.
- Repórter de Minas: sou testemunha de que em Minas as coisas funcionam bem, dessa forma. A gente se orienta pela propaganda e no final ficamos todos muito felizes.
- Repórter Internacional: Mas, como assim, está tudo bem? Corre a notícia que a dengue está se espalhando, virou epidemia no país...
- Figurão 1: É outro tema sobre o qual o senhor está mal informado. O mosquito da dengue é proveniente dos municípios, não de Minas. Não temos nada a ver com este mosquitinho chato, que fica incomodando as pessoas. Ele é municipal, e o senhor tem que fazer como o Repórter de Minas, ou seja, dirigir a cobrança para os prefeitos dos municípios atingidos. Aliás, é  oportuno explicar que Minas, nos últimos dois anos, tornou-se modelo e referência no combate à dengue. Houve uma redução de 75% nos casos de pessoas atingidas pela dengue...
- Repórter Internacional: Como assim, redução nos casos? Toda a imprensa está noticiando o crescimento recorde nos casos de dengue este ano!
- Repórter de Minas: Deixa eu explicar porque o senhor é de fora e tem dificuldade em entender o que se passa aqui. Como o Figurão 1 explicou, a dengue acontece nos municípios, por culpa dos prefeitos e dos cidadãos destes municípios. O governo de Minas nada tem a ver com isso. Todos os mosquitos apreendidos foram interrogados e revelaram procedência municipal. Querer culpar o governo de Minas por um mosquito que é municipal é o fim da picada.
- Figurão 2: só para finalizar a minha participação, porque estou atrasado para um outro compromisso seríssimo, quero dizer que, pelo que vi hoje na propaganda do governo, Minas avança sem dengue e com a melhor Educação do planeta. Por isso queremos implantar este mesmo modelo no Brasil, pois o povo não aguenta mais viver sem mim na presidência. Então, se me dão licença vou me retirar e o colega aqui continuará a entrevista. (Neste instante o Figurão 2 se retira do local, não sem antes lascar um demorado abraço no Repórter de Minas, cochichando no ouvido dele: "Êta entrevista chata, esta. Passa lá no meu gabinete depois pra gente conversar e tomá uma").
- Repórter Internacional: senhor Figurão 1, quais são os planos de governo para a Educação nos próximos anos?
- Figurão 1: como o senhor deve ter se informado, Minas é modelo em matéria de Educação básica. Somos a melhor nota do Ideb, do Simave, do Proeb e do Pro-OTAN. Nos anos anteriores, inovamos com a implantação do PIP e do PEP. Nos próximos três anos vamos implantar o POP, o PUP e o PAP, formando assim um sistema integrado de ensino, o PaPePiPoPu, tanto presencial, quanto à distância.
- Repórter Internacional: mas, senhor Figurão 1, o pessoal da Educação está reclamando que nada vai bem na Educação: não se cumpre a lei do piso, a carreira deles teria sido destruída, o terço de tempo extraclasse se tornou uma punição aos professores, os inspetores e diretores de escolas e supervisores são usados para punir, perseguir e pressionar os educadores, provocando afastamentos por doenças, sobretudo mentais; as condições de trabalho não são as melhores...
- Repórter de Minas: o senhor deve estar lendo muito o blog do Euler, ou o da Marly Gribel, ou de outros professores que só sabem criticar o governo de Minas. Mas a realidade é bem diferente. Sou testemunha do esforço que o governo tem feito para consertar a Casa...
- Figurão 1: de fato, sr. repórter internacional, o sr precisa ler mais a imprensa de Minas para se informar melhor. A propaganda é clara: Minas é exemplo para o planeta em matéria de Educação básica, e também em outras áreas, como saúde, segurança, saneamento. Minas não para de avançar. E agora, se os senhores me dão licença, vou pegar meu helicóptero, pois tenho que discutir com uma grande equipe o plano da Cidade Inadminstrável número dois. Obrigado e até outra oportunidade.

E assim terminou mais esta curiosa entrevista coletiva realizada por dois dos mais importantes figurões do país Minas. Ahhhh, lek, lek, lek...

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

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quarta-feira, 3 de abril de 2013

Ainda dengoso, e em busca do país Minas que aparece na TV


Ainda dengoso, e em busca do país Minas que aparece na TV

Terça-feira, 02, e já é quase meia-noite quando retorno de um hospital particular local (Vespá). Da primeira vez que tive dengue, o número de atingidos era menor, isto há alguns anos. Hoje, virou epidemia no país de Minas. A minha espera até o atendimento foi longa: durou cerca de 3h30 numa clínica particular, com plano de saúde privado. Devia ter ido ao SUS. Lá, imagino, a espera pode até ser longa, mas tem obedecido a uma triagem prévia, para definir prioridades. O que considero correto. O problema é que tanto a rede de saúde pública, quanto a privada, enfrentam problemas estruturais graves. No caso do SUS, faltam recursos, boa gestão, maior investimento e valorização do profissional de saúde, etc. No privado, bom, o privado é um problema de quem paga pelo plano. Não faço nenhuma crítica aqui aos profissionais de saúde - médicos, enfermeiros, entre outros - que me trataram muito bem, com total atenção. Minha crítica é a essa falta de estrutura e de organização e de política adequada. Como é que numa situação como a que estamos vivendo, os governos, e mesmo os diretores de planos de saúde, não desenvolveram uma ação voltada para ampliar emergencialmente a capacidade de atendimento em todos os postos de saúde, a todas as pessoas atingidas? Três horas e meia de espera para uma simples análise de exame laboratorial e posterior encaminhamento, eu considero um desrespeito com o cidadão, seja num hospital privado ou numa UPA. É um problema de política, de gestão, de organização e de envolvimento real de todos, principalmente governantes, juízes, parlamentares, com um dos problemas que atingem em massa a população no momento atual. É o descompasso entre a propaganda e a vida real.

A saúde pública no Brasil, e no país de Minas, a que não aparece na propaganda, é uma verdadeira vergonha nacional. Da mesma forma que a Educação pública básica, com o vergonhoso salário de fome que se paga aos professores, especialmente no país de Minas, que tem a coragem de pagar R$ 30 mil para um deputado, ou para um juiz, e não estremece de vergonha ao pagar apenas dois salários mínimos de teto salarial para os professores. Que vergonha (tem que se repetir muitas vezes: vergonha, vergonha, vergonha!) para o país de Minas que não está na TV. E também para o Brasil, que esbanja uma riqueza que não é apropriada pela maioria pobre.

A Minas da TV, todos sabem, é o paraíso. A saúde é um sucesso, a Educação é a melhor do planeta, o país-Minas cresce mais do que a China, praticamente ninguém mais fica desempregado - não se sabe porque ainda há professores brigando por vagas, quando o país-Minas tem excesso de ofertas de empregos; Minas cresce e os salários dos servidores aumentam, de acordo com a propaganda apresentada por atores e atrizes globais. Talvez eles vivam na Minas que anunciam. Nós, aqui do chão da fábrica, estamos em busca desse pedaço do céu. De preferência antes de bater as botas.

Lá na sala de espera, na longa espera, com TV ligada - não sei porquê ligam sempre naquela emissora demoníaca, que devora as mentes e as almas do povo brasileiro - a cada intervalo, mais uma propaganda de Minas, o paraíso perdido. Cerca de 30 pessoas numa sala, e outras tantas pelo corredor ou área externa, a maioria com suspeita de dengue, vivendo num chão que nada tem a ver com aquele país que é anunciado. Eles falam que eu vivo num país que é o paraíso: saúde 10, Educação 1000, desemprego zero, e mais alguns bilhões de investimentos. Onde está este lugar?

O resultado do primeiro exame de hemograma apontou uma queda no número de plaquetas: 98 mil mm3, quando o normal é entre 150 mil e 450 mil mm3. Sinal de alerta. Considerando que já tive dengue uma primeira vez, o risco de se tornar dengue hemorrágica é maior. O médico pediu que fizesse um segundo exame nesta quarta-feira, pela manhã. Se o número de plaquetas aparecer com um montante menor do que o anterior, tenho que ficar internado, sob observação. Felizmente, não estou com nenhum sintoma de hemorragia: não há nenhum sinal de sangramento. E para ser sincero, me sinto bem melhor, apesar das plaquetas acusarem outro resultado. Estou alimentando bem, tomando muito líquido, em repouso na maior parte do tempo. Até dispensei o uso dos remédios (paracetamol) nos últimos dois dias, e voltei a tomar um comprimido, hoje a noite, por conta da dor de cabeça que a longa espera provocou.

Mas, pude sentir nestes dias, em contato próximo com dezenas de pessoas atingidas pela dengue, seja nos hospitais ou nos laboratórios, que as pessoas de todas as idades estão sofrendo com mais este surto anual da dengue. Mais uma vergonha nacional, de um país que não consegue se livrar da dengue, mas quer aparecer e parecer para o mundo ser capaz de sediar copas e olimpíadas, e até mesmo entrar para o time das superpotências. Me poupem.

De acordo com os comentaristas de uma conhecida rádio, o problema da dengue é culpa da população e de alguns prefeitos. O governo de Minas não tem a menor culpa nessa história. A dengue é municipal. Há um certo pedaço de papel impresso que diz que a Saúde e a Educação são de responsabilidade compartilhada entre os entes federados. Se os termos deste papel impresso, ao qual deram o nome de Carta magna, fossem cumpridos, talvez a dengue e outras viroses já teriam desaparecido do mapa. Mas, acho que a dengue está rendendo alguma coisa para alguém, que não somos nós, os cidadãos comuns atingidos.

Se houvesse Ministério Público no país-maravilha, e no Brasil também, todos teriam sido responsabilizados solidariamente pela situação atual, de epidemia de dengue. Mas há muito inventaram uma desculpa fácil, de pronta entrega: 80% dos focos da dengue estão nas residências. Esta descoberta fantástica, ao invés de direcionar a ação de políticas públicas (não apenas de propaganda paga, como se faz), para combater e eliminar o problema, serve de desculpa para se eximir da culpa pelo contágio generalizado provocado pelo mosquitinho.

Aliás, para ficar mais fácil ainda, basta culpar somente o mosquito transmissor da dengue. Pena que não haja como prender, processar, protestar (contra) os mosquitos, porque eles são como alguns políticos, que sugam o sangue das pessoas e não dão a menor bola se a sua ação causa dor e destruição para milhares e milhões, até.

Ahhhh, onde está a Minas da propaganda? Lá não tem dengue, não tem desemprego, o ensino público é o melhor do planeta, a saúde pública é perfeita, o país das Gerais não para de crescer, os professores ganham muito bem, muito acima do piso nacional dos professores, todos estão satisfeitos. Onde, meu Deus, fica este país maravilhoso? Será que meu prêmio dá para comprar uma passagem pelo menos de ida para este país dos sonhos?

Enquanto isso, no país real - aquele, do poeta e do contracheque a que me referi há algum tempo, lembram-se? - as pessoas continuam reclamando, adoecendo, sentindo na carne as chibatadas que são dadas por ordem dos encarregados do afilhado do El Rey. ou do El Faraó. Todos reclamam do terço de tempo extraclasse, que na contabilidade criativa da gestão de choque foi transformado de um terço em um sexto do tempo extraclasse. Uma magia que faz multiplicar as horas de trabalho nas escolas, e encolher o soldo pago aos professores. As pessoas reclamam, ainda, com fundadas razões, do piso, que foi pisoteado, sonegado, e transformado em subsídio, quase uma ajuda de custo com valor total de dois mínimos, congelado até 2015. No país real, 153 mil educadores reclamam do confisco realizado em 2011, quando houve redução salarial e o governo não devolveu a estes educadores aquilo a que têm direito, caso prevalecesse a decência, a honestidade de princípios e o bom senso. Mas este mundo real, é coisa para o povão, que paga passagem para trabalhar, que economiza nas compras de supermercado, e que conta cada centavo para sobreviver até o próximo pagamento.

Eles, os de cima - os governos, os chefes dos altos cargos, dos diversos poderes, da grande mídia - estes, sim, vivem na Minas da propaganda. Para eles está tudo bem, eles não precisam fazer greve para conquistar qualquer aumento de salário, nem tampouco enfrentar fila de SUS, ou banco de espera em sala de clínica privada. Para eles, Minas não para de avançar... pra cima do nosso pescoço.

Enquanto isso, vou rezar para o número de plaquetas subir, pelo menos elas, já que o salário de professor-de-Minas...

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!
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