terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

MEC reajusta o piso dos educadores em 22,22%. Minas Gerais, fora da lei, vai pagar apenas 5%. CNTE descobre, somente agora, que piso não é pago


Esta é uma parte da nossa tabela original, aquela do plano de carreira dos educadores de Minas, que foi destruído, já com o piso de 2012 aplicado. Sobre os valores da tabela deveriam incidir as gratificações. Um professor com curso superior (PEB III) em início de carreira (letra A) teria direito ao piso proporcional de R$ 1.295,80 mais 20% de pó de giz, totalizando R$ 1.554,96. No sistema atual, que burlou a lei do piso, este mesmo professor receberá R$ 1.320,00 de salário total. Já para os professores mais antigos, as perdas são ainda maiores. Um professor com especialização que tenha conseguido sua promoção recentemente (PEB IV A), e tendo 110% de gratificações, teria direito a um salário total de R$ 3.319,83 para um cargo completo. No atual sistema, este professor está recebendo algo entre R$ 1.500,00 e 1.700,00 para um cargo completo. Em Minas é assim: o governo faz suas leis, ao arrepio da norma federal, com a conivência do governo federal, do legislativo, do judiciário, do procurador regional da república (que república!) e a blindagem da mídia.




MEC reajusta o piso dos educadores em 22,22%. Minas Gerais, fora da lei, vai pagar apenas 5%. CNTE descobre, somente agora, que piso não é pago no país, e convoca paralisação de 3 dias. Educadores de Minas vão discutir se, e como, participarão. A não aplicação do piso é a desmoralização total dos poderes constituídos.


Com pelo menos dois meses de atraso, o MEC divulga o novo índice de reajuste do piso salarial profissional dos educadores, que em 2012 será fixado em R$ 1.451,00 para o profissional com formação em ensino médio, pela jornada de até 40 horas de trabalho. A lei do piso (11.738) foi aprovada em 2008 pelo Congresso Nacional e sancionada no mesmo ano pelo presidente da República, mas até agora não saiu do papel. O pior exemplo de descumprimento da lei, embora não seja o único, verifica-se em Minas Gerais, onde o governo burlou a lei federal, alterando o plano de carreira dos educadores para não pagar o piso como manda a norma federal - e com isso provocando enormes prejuízos aos 400 mil profissionais da Educação.

O anúncio de que o piso terá um reajuste de 22,22%, índice bem superior ao da inflação, deveria ser motivo de grande alegria para todos os educadores do país. Mas, ao contrário disso, trata-se de mais um momento de pesadelo, de tristeza, já que os governos das três esferas - federal, estadual e municipal - não cumpriram o seu papel, burlando a lei federal, e com isso sonegando aos cidadãos brasileiros o direito ao ensino público de qualidade para todos.

A lei do piso, que consta da Carta da Magna de 1988, foi criada enquanto política nacional de valorização dos educadores. A compreensão de que não haverá educação de qualidade sem a devida valorização do profissional da educação levou o legislador a formular e a aprovar uma lei federal com este intuito. A lei do piso foi criada para isso, para valorizar o educador, dando início a um processo de recuperação de muitas décadas de perdas e de baixos salários.

Mas, antes mesmo que a lei entrasse em vigor, os governantes do país passam os dias e as noites conspirando contra os educadores, contra os de baixo, e contra a correta aplicação da lei do piso. Tentaram alterar o teor da lei com a ADI 4167, que desejava mudar o conceito de piso, de vencimento básico para remuneração total. O STF rejeitou esta tese e manteve o texto da lei federal: piso é vencimento básico, e não remuneração total. Apesar disso, os governantes, como é o caso de Minas Gerais, alteraram as leis estaduais, fazendo justamente aquilo que fora proibido pelo STF. Em Minas, não existe piso salarial, mas subsídio, remuneração total, que é a soma do salário inicial com as gratificações, nesta obra de engenharia da esperteza, realizada para burlar a lei e sonegar aos educadores o direito ao piso. A mesma prática foi realizada em quase todos os estados da federação.

Em 2011, educadores de 23 estados cruzaram os braços pelo pagamento do piso. Só em Minas, os trabalhadores da Educação realizaram numa heróica e prolongada greve de 112 dias. Mas, somente agora a CNTE descobriu que o país não paga o piso salarial dos educadores. Pressionada, resolveu convocar tardiamente uma greve de 3 dias, para meados de março deste ano. O alvo da greve, de acordo com as declarações do presidente da entidade, são os governos municipais e os estaduais que não pagam o piso. O governo federal não existe nessa história. Para a CUT, CNTE e Sind-UTE a Educação básica e o piso nacional são problemas regionais, que fogem à alçada do governo federal, que assiste a tudo de camarote.

Mas o texto da Carta Magna e da Lei do Piso não deixa dúvida: a política educacional - incluindo a lei do piso - é de responsabilidade compartilhada entre os entes federados. Não se pode admitir que um estado ou município não cumpra a lei - não pagando o piso, por exemplo - e o governo federal se omita de cobrar deste ente federado o seu papel constitucional. Ou os cidadãos deste estado ou município são menos brasileiros do que os outros e podem ficar sem educação de qualidade, e sem política de valorização para os trabalhadores da Educação?

Por isso, a categoria dos educadores de Minas e do Brasil devem discutir o que fazer para conquistar o direito a uma carreira decente, a um piso salarial digno, a uma real política de valorização. Pessoalmente, acho muito difícil que uma parcela expressiva da categoria dos educadores de Minas participe da paralisação de três dias convocada pela CNTE. Primeiro, porque a nossa categoria ainda não se recuperou dos desgastes emocionais e financeiros provocados pela greve de 112 dias. E a paralisação de três dias certamente provocará mais perda salarial, sem que aponte um caminho correto para a conquista do piso na carreira. A greve não está direcionada para a cobrança do governo federal, por exemplo, para que ele federalize a folha de pagamento dos educadores. A greve está voltada para cobrar dos governos estaduais e municipais a aplicação do piso. Ora, se em 112 dias não conseguimos, em função de vários fatores já analisados aqui e em outros blogs, arrancar o piso em Minas, não serão os três dias de paralisação que conseguirão sensibilizar o governo de Minas (ou o de Santa Catarina, ou de Ceará, ou do Rio Grande do Sul, ou de Goiás, ou da Bahia, etc.) a aplicar o piso corretamente.

Talvez seja mais importante, pelo menos em Minas Gerais, realizar manifestações regionais, com panfletagem e atos de protesto, organizados nas diversas regiões do estado. Isto evitaria mais cortes na folha de pagamento dos colegas educadores, e estabeleceria um diálogo direto com a comunidade sobre a realidade da Educação no estado e no país.

Claro que não descartamos a possibilidade de uma futura greve, que é e sempre foi um dos principais instrumentos de luta dos trabalhadores. Mas, temos que aprender com a nossa prática. A próxima greve tem que ser melhor organizada, com objetivos bem definidos, estratégias de ação que consigam unir a categoria e deem ampla repercussão, sem o desgaste de uma greve prolongada. Considero que este seja um instrumento que devemos lançar mão num outro momento, e não agora, quando ainda estamos nos recuperando da greve anterior. Nosso momento atual, além dos protestos regionais e do trabalho de base nas escolas - e do essencial diálogo horizontal nas redes sociais pela Internet - deve concentrar força também numa cobrança judicial. Não se pode admitir que a Justiça, nas diversas instâncias, não seja provocada a se manifestar acerca do descumprimento da lei federal pelo governo de Minas e demais governos do país - inclusive o federal.

Seria importante que os colegas discutissem nas escolas essa realidade que estamos vivendo, do reajuste do piso que não será pago em Minas, do nosso piso burlado, da nossa carreira destruída, e sobre quais seriam as melhores formas de manifestação e luta para conquistar nossos direitos. Ouvir as bases deveria ser uma preocupação permanente das lideranças e dos dirigentes sindicais. Vamos fazer essa consulta e construir este diálogo horizontal para sabermos se vamos participar da paralisação de três dias, ou se faremos outras formas de manifestação em todas as regiões de Minas. Vou obedecer ao que a base da categoria determinar.

Ao mesmo tempo, devemos mostrar para a comunidade como o governo do estado burlou a lei do piso, com o claro exemplo do reajuste de 22% que não será pago para os educadores de Minas. Devemos também iniciar uma campanha pela Internet, de pressão sobre os parlamentares federais, os ministros do STF, o MPF, o MEC, a AGU e a presidente Dilma, dizendo-lhes que o não cumprimento da lei do piso depõe contra a democracia no Brasil; é a negação do Estado de Direito no país; é a desmoralização dos poderes constituídos. E que estes poderes, na esfera federal, precisam cobrar dos demais entes federados o cumprimento da lei. Ou então que federalizem a educação básica e retirem das mãos dos estados e municípios esta atribuição.

O que está em jogo não é somente o fato de que este ou aquele estado ou município não estejam pagando o piso e descumprindo a lei federal. Isso por si só já deveria ter mobilizado a justiça, o legislativo e o MP contra os governantes que agem ao arrepio da lei. O que está em jogo de forma mais contundente é o fato de que o não pagamento do piso corretamente na carreira dos educadores representa o sucateamento da Educação pública básica, e a sonegação, aos cidadãos brasileiros, especialmente aos de baixa renda, do direito constitucional ao ensino público e de qualidade para todos.

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Precisamos fortalecer uma política sindical autônoma, de luta, de classe e pela base


Este é o mapa da política nacional para a valorização dos profissionais da Educação básica: o piso salarial dos profissionais do magistério é reajustado nacionalmente em 22,22%, mas em Minas Gerais, um outro território, a realidade é diferente. Os educadores receberão um reajuste de apenas 5% em abril de 2012.

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Precisamos fortalecer uma política sindical autônoma, de luta, de classe e pela base

Nos últimos meses, a questão do sindicato tem estado em evidência na nossa categoria. Talvez porque a categoria tenha, de um lado, lutado bravamente por seus direitos; e de outro, apesar disso, tenha sofrido muitas perdas impostas pelos governos de Minas, atual e anterior. Fica evidenciado que há falhas na condução da luta da categoria, representada pelo Sind-UTE.

Inicialmente, quero deixar claro que, apesar de respeitar as diversas opiniões, não sou partidário da desfiliação do sind-UTE, por entender que vivemos um momento delicado, de certa forma decisivo, para recuperar a nossa unidade e conquistar os nossos direitos, especialmente o piso e a carreira.

Neste processo de luta contra o governo de Minas, que destruiu nossa carreira, e que deveria ser também contra o governo federal, que se omitiu covardemente, percebemos que há muitos elementos conjunturais envolvidos, que contribuem com a dramática realidade que vivemos. O governo de Minas, na gestão do faraó e do seu afilhado, tem apostado e investido na divisão da categoria. Fez isso logo na primeira reforma em 2003, quando retirou direitos dos novatos. E continuou com essa política deliberada de dividir para governar. Com o subsídio aconteceu a mesma coisa: o governo montou uma armadilha para impedir que muitos deixassem o subsídio, enquanto castigou aqueles que optaram pelo vencimento básico, que é o sistema original do nosso plano de carreira, agora destruído. A mais recente prática voltada para nos dividir ocorreu com o advento da Resolução 2.018, quando o governo simula uma suposta igualdade funcional entre efetivos e efetivados na escolha das turmas.

Mas, todos esses elementos teriam surtido um efeito bem menor ou quase insignificante se a categoria estivesse unida em torno de uma compreensão comum do que realmente é importante para todos. E aí entra o papel do sindicato. Teoricamente falando, o sindicato somos todos nós. Na prática, contudo, a realidade é outra. Dada à cultura disseminada ao longo dos anos de que a direção é quem faz e acontece, cabendo à base respaldar e esperar, a categoria ficou à mercê dos ataques do governo.

A direção sindical, nas mãos de uma única corrente política, ligada ao projeto de poder do governo federal, não conseguiu organizar e unir a categoria para enfrentar os ataques do governo - e não apenas do atual. Houve falhas na comunicação com a categoria e com a comunidade, bem como, subestimou-se a área jurídica, e superestimou-se a ação junto ao legislativo, através de alguns deputados. O dado mais relevante da nossa luta, que foram as duas grandes greves de 2010 e 2011, realizou-se em meio a este contexto, de uma direção com grandes dificuldades de comunicação e de defesa da categoria na área jurídica, e do apoio isolado de alguns deputados.

Outros elementos de conjuntura e até estruturais - como o papel pró-governo da justiça, da mídia, do legislativo, e do MP de Minas - não podem ser desconsiderados. Mas mesmo estes fatores poderiam ter sido atenuados se a categoria estivesse unida pela base, se houvesse uma comunicação mais ágil e eficiente, e uma assistência jurídica adequada.

Ainda que formalmente a direção sindical tenha feito a defesa do piso e da carreira dos educadores de Minas, na prática esta defesa mostrou-se fragilizada em função de algumas conveniências políticas do grupo que dirige o sindicato. Por exemplo: na questão do valor do piso, era conveniente para a direção, ligada à CNTE, defender o valor proposto por esta entidade, ao invés do valor do MEC. Estava claro que o governo exploraria esse fato, como mencionamos aqui desde o primeiro momento. Mas a direção insistiu, por teimosia, em manter a defesa da proposta do valor do piso mais elevado, que deveria ser cobrada em Brasília, do ministro do MEC, e não do governo de Minas. Pelo menos naquele momento, em 2011.

Somente mais tarde a direção sindical mudou a proposta para o piso do MEC, mas aí o governo de Minas já havia divulgado na mídia que a nossa proposta não existia oficialmente, de acordo com o piso do MEC. As negociações com o governo, após a greve de 112 dias, revelaram-se um grande fiasco. Nenhum registro formal das discussões nas muitas reuniões, facilitando o jogo de empurra do governo, e desarmando a categoria para uma reação. As reuniões acontecendo, enquanto a categoria permanecia sem salário, sofrendo grande pressão.

O resultado é aquele que conhecemos: o governo enrolou o quanto pode, até apresentar as alterações no subsídio, que nada tem a ver com o nosso piso na carreira. A categoria desgastada, sem dinheiro para sobrevivência, não teve força para impedir que cinco dezenas de picaretas na assembleia homologativa destruíssem a carreira dos profissionais da Educação de Minas, burlando a lei federal, que determinara a aplicação do piso na carreira.

Diante da derrota que sofremos, esperava-se que a direção sindical procurasse estabelecer um diálogo com a categoria, com a base, com as lideranças regionais, e de forma segura e democrática, ajudasse a construir ou a reconstruir a unidade da categoria para novos embates. Naquela altura, a categoria era castigada, mas não responsabilizava isoladamente a direção pelas derrotas sofridas. O maior culpado fora o governo de Minas, dizíamos aqui, enquanto buscávamos levantar o moral da nossa combativa turma, bastante combalida pelo desgaste do longo e prolongado embate contra o governo.

De uma certa forma, lideranças do NDG deram a deixa para este novo momento, iniciando um processo de discussão sobre os rumos da nossa luta, do sindicato, e a necessidade de se realizar um trabalho pela base, fazendo as críticas que cada um julgou necessário fazer. Mas, para a surpresa geral, a direção sindical tirou uma carta na manga, com uma suposta solução: o congresso em Araxá. Sem qualquer consulta prévia às lideranças do NDG, de BH e do Interior, e demais combatentes da categoria, o tema foi apresentado em reunião do comando de greve em dezembro - numa reunião, diga-se, bem esvaziada e na qual o grupo Articulação se preparou para fazer aprovar o seu novo plano. Até mesmo uma reunião do grupo fora realizada na sequência da reunião do comando, com a presença de dirigente da CUT, que lá aparecera para falar durante longo tempo.

Fiz esse breve histórico para mostrar o quanto as questões da nossa categoria acabam sendo conduzidas por interesses do grupo que há 30 anos monopoliza a direção do sindicato. Uma coisa é se construir uma decisão por consenso ou mesmo através de um processo reconhecidamente democrático, quando a parte vencida reconhece a opção feita pela maioria, e aceita encaminhar as decisões tomadas. Outra coisa, bem diferente, é o método burocrático de gestão, com aparência de democrático. É o que temos assistido no sindicato, em várias assembleias, nas reuniões de conselhos de delegados (não em todas, obviamente) e especialmente nos congressos. Realizados sem uma rica discussão, a força da máquina sindical pesa em favor da direção, que tem contatos com as subsedes, que negocia se libera ou não algum recurso pendente, etc. Seja com governo, com partido, ou com sindicato, a máquina de poder, quando usada de forma burocratizada, resulta sempre em práticas muito semelhantes.

Para mim está claro que o sindicato precisa passar por um processo de mudança na sua direção e na sua concepção sindical - de democracia, de liderança, de organização, etc. Mais uma gestão com o grupo Articulação à frente do Sind-UTE pode resultar na morte do sindicato, de forma definitiva. Não é o governo quem vai destruir o sindicato, mas a própria concepção sindical, de aparelho dominado por uma única corrente, que exclui lideranças do movimento, que não tem autonomia para criticar o governo federal (ou o estadual, caso o PT ganhe o governo), quando necessário, e que não consegue organizar a unidade da categoria para enfrentar o governo em todos os níveis.

Mesmo diante de todo esse quadro, o NDG da grande BH, em reunião, decidiu participar do congresso de Araxá. Confesso-lhes que fui contra, mas aceitei os argumentos da maioria, de que era importante participar. Uma parcela majoritária das lideranças do NDG presentes às reuniões (as quais relatei aqui no blog) defendia que o estatuto do sindicato fosse alterado, para que a proporcionalidade na direção fosse implantada. Significa que numa eleição sindical, havendo mais de uma chapa concorrente, os seus membros estariam representados na direção, na proporção dos votos alcançados. O grupo Articulação foi contra e conseguiu que a maioria do congresso de Araxá mantivesse a forma atual; ou seja: a chapa que tiver maioria simples dos votos indicará todos os cargos da direção, excluindo as outras correntes ou lideranças do movimento.

O argumento central trabalhado pela Articulação foi o de que o governo poderia lançar uma chapa e com isso teria algum percentual de participação na direção. Claro que este argumento tem também o efeito contrário, pois o mesmo governo poderá, teoricamente, obter a maioria simples dos votos e ficar com toda a direção. Numa proporcionalidade, teoricamnente falando, ele ficaria em minoria, se não obtivesse mais que 50% dos votos. Logo, a proposta da Articulação é boa para o governo e muito boa para a Articulação, que domina a máquina sindical e tem todas as condições de atingir a maioria dos votos. A única força capaz de concorrer com a direção sindical em termos de máquina é o governo, já que o NDG, por exemplo, não tem máquina, não tem dinheiro, não tem servidores com disponibilidade de tempo para visitar as subsedes, etc.

Apesar dessa realidade, eu concordo com o Rômulo, com a Marly, com o João Paulo e com outras lideranças do nosso movimento: não é hora, ainda, de se falar em desfiliação do sind-UTE. Temos sim que discutir as melhores propostas para unir a nossa categoria pela base, e corrigir algumas falhas elementares cometidas pela direção sindical. Uma delas, na área jurídica. Não ficou claro, ainda, para a categoria, qual é a estratégia do sindicato para cobrar na Justiça o nosso piso na carreira, entre outras demandas. Do que eu vi e ouvi no congresso, no pouco tempo dedicado a este tema, não gostei, como já relatei aqui. Na ânsia de monopolizar todas as decisões, a atual direção acaba sendo responsabilizada por tudo mesmo, pois não consegue partilhar o poder decisório. Quando o NDG falou em criar uma comissão de acompanhamento jurídico, formada por pessoas da base da categoria, a direção interpretou como se quiséssemos destituí-la. Queríamos apenas democratizar.

É preciso retomar o trabalho de base, como sugeriu o Rômulo, a Marly, a Liliane, entre outros colegas. Talvez seja o caso também de fortalecer algumas subsedes, onde haja lideranças com disposição e com o compromisso de realizar um diálogo horizontal com a base da categoria. O objetivo central é conquistar a unidade da categoria para enfrentar os governos e conquistar o piso e a carreira, entre outras demandas. A nossa categoria tem um número muito grande de lideranças, e esta realidade deve se expressar de forma coletiva, sem desprezar, obviamente, as contribuições pessoais de cada colega. Durante as reuniões do NDG da Grande BH discutimos que é preciso construir uma direção coletiva, uma liderança coletiva, procurando superar o culto à personalidade.

Espero que essa discussão, sobre os rumos do nosso movimento, aconteça em todas as escolas de Minas Gerais. E que ela seja compartilhada nas redes sociais, nos blogs, no Facebook, etc., que se tornaram os mecanismos mais ágeis e independentes de comunicação horizontal entre os de baixo. Precisamos fortalecer a nossa unidade pela base e colocar o sindicato que nos representa nos trilhos, ou seja, na defesa intransigente dos nossos interesses de classe, do nosso piso na carreira, e da autonomia em relação aos partidos e aos governos.

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Agência Brasil diz que novo valor do piso terá que ser pago retroativo a janeiro de 2012. Isso se o Brasil não fosse uma republiqueta de aluguel


Agência Brasil diz que novo valor do piso terá que ser pago retroativo a janeiro de 2012. Isso, claro, se o Brasil não fosse uma republiqueta de aluguel para o usufruto de alguns poucos


Logo pela manhã recebi um e-mail de uma colega dando conta de uma reportagem publicada no Portal Terra. A matéria, que trata sobre o piso, foi retirada da Agência Brasil, cuja notícia transcrevo a seguir, na íntegra, com os devidos comentários. Acompanhem comigo:

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Estados e municípios que não reajustaram piso do magistério terão que pagar retroativo
24/02/2012 - 5h50

Amanda Cieglinski
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Mais um ano letivo começou e permanece o impasse em torno da Lei do Piso Nacional do Magistério. Pela legislação aprovada em 2008, o valor mínimo a ser pago a um professor da rede pública com jornada de 40 horas semanais deveria ser reajustado anualmente em janeiro, mas muitos governos estaduais e prefeituras ainda não fizeram a correção.

Comentário do Blog: o certo seria dizer que o valor do piso é para uma jornada de ATÉ 40 horas, podendo ser pago de forma proporcional ou não às diferentes jornadas existentes nas redes estaduais e municipais. Outra coisa: o piso não "deveria" ser reajustado, ele TEM que ser reajustado em janeiro de cada ano. É o que diz a lei federal, que não saiu do papel, graças à cumplicidade entre os governantes das três esferas - federal, estaduais e municipais.

Apesar de o texto da lei deixar claro que o reajuste deve ser calculado com base no crescimento dos valores do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), governadores e prefeitos justificam que vão esperar o Ministério da Educação (MEC) se pronunciar oficialmente sobre o patamar definido para 2012. De acordo com o MEC, o valor será divulgado em breve e estados e municípios que ainda não reajustaram o piso deverão pagar os valores devidos aos professores retroativos a janeiro.

Comentário do Blog: Eis aí comprovação explícita da cumplicidade entre os chefes de governo dos entes federados. Os governos estaduais aguardam o governo federal; este, diz que os governos estaduais já deveriam ter feito o reajuste com base num percentual que ele próprio se recusa a anunciar, embora os dados sobre o reajuste do custo aluno sejam de conhecimento público desde de dezembro de 2011. O jogo de empurra é claro. Se tivéssemos uma entidade nacional que nos representasse seriamente, com autonomia, neste momento a presidente da república, o ministro do MEC, os governadores e os prefeitos de todo o Brasil já deveriam ter sido processados, por descumprimento de lei federal que mexe diretamente num direito constitucional da população: o ensino público de qualidade para todos.

O texto da legislação determina que a atualização do piso deverá ser calculada utilizando o mesmo percentual de crescimento do valor mínimo anual por aluno do Fundeb. As previsões para 2012 apontam que o aumento no fundo deverá ser em torno de 21% em comparação a 2011. O MEC espera a consolidação dos dados do Tesouro Nacional para fechar um número exato, mas em anos anteriores não houve grandes variações entre as estimativas e os dados consolidados.

Comentário do Blog: é claro que se trata de um jogo de enrolação. Os dados do reajuste do custo ou investimento aluno ano já estão colocados. O percentual de reajuste deve girar em torno de 22%, índice que o nosso blog, ainda em abril de 2011, já havia anunciado, sem precisar de muita pesquisa. O MEC poderia muito bem ter feito o anúncio ainda em dezembro de 2011, deixando para fazer pequenas correções a posteriori, já que a diferença, se existir, será mínima. Mas é mais fácil deixar os educadores sem o reajuste previsto em lei.

“Criou-se uma cultura pelo MEC de divulgar o valor do piso para cada ano e isso é importante. Mas os governadores não podem usar isso como argumento para não pagar. Eles estão criando um passivo porque já devem dois meses de piso e não se mexeram para acertar as contas”, reclama o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Leão. A entidade prepara uma paralisação nacional dos professores para os dias 14,15 e 16 de março. O objetivo é cobrar o cumprimento da Lei do Piso.

Comentário do Blog: eis aí o porta-voz do MEC, mais do que de uma entidade que se diz representante dos educadores. Não se trata de "cultura pelo MEC de divulgar...", mas do texto da Lei. Cabe ao governo federal anunciar o valor do piso, com base no reajuste anual do investimento aluno ano. Reparem que o presidente da CNTE cobra sempre dos governadores e prefeitos, mas poupa o MEC e o governo federal, que são parte ativa no cumprimento ou não da norma federal.

A paralisação convocada para os dias 14, 15 e 16 de março acontece quando os educadores de vários estados estão desgastados emocional e financeiramente em função das greves de 2011. Neste ano, quando 20 estados da federação estavam em greve pelo piso, a CNTE se omitiu covardemente. Agora faz esse jogo de cena, sem ouvir as bases.


Se confirmado o índice de 21%, o valor a ser pago em 2012 será em torno de R$ 1.430. Em 2011, o piso foi R$1.187 e em 2010, R$ 1.024. Em 2009, primeiro ano da vigência da lei, o piso era R$ 950. Na Câmara dos Deputados tramita um projeto de lei para alterar o parâmetro de reajuste do piso que teria como base a variação da inflação. Por esse critério, o aumento em 2012 seria em torno de 7%, abaixo dos 21% previstos. A proposta não prosperou no Senado, mas na Câmara recebeu parecer positivo da Comissão de Finanças e Tributação.

Comentário do Blog: Vamos contar direito essa história, que virou novela mexicana. Primeiro, o piso foi aprovado em 2008, após 20 anos de espera, já que consta da Carta Magna de 1988. O ex-presidente Lula, com uma canetada promulgou a Lei do Piso, mas com a outra, enviou projeto de lei para o Congresso Nacional pedindo a alteração no mecanismo de reajuste anual do piso. Ou seja, queria alterar o reajuste atual, baseado no custo aluno ano, para o INPC, cujo índice é muito inferior em relação ao outro. O argumento usado pela assessoria do ex-ministro falastrão do MEC é que o reajuste pelo custo aluno ano traria ganhos muito elevados para os educadores. E que isso prejudicaria outros investimentos na Educação. De fato, nós, professores, recebemos salários altíssimos, não sabemos nem como gastá-los. É uma pena que nenhum ministro, nenhum governador, nenhum presidente da república, nenhum juiz, desembargador ou ministro do STF, nenhum secretário de estado, ou secretário municipal, ou vereador, ou assessor de qualquer coisa deste país, queira trocar o seu salário pelo nosso. Minha campanha continua de pé: troquem o seu salário (senhores ministros, governantes, juízes, promotores, etc., etc., etc.) pelo meu. E de lambuja podem ficar com as verbas indenizatórias que engordam os vossos salários.

Mas, retomando, como na época o projeto de Lula, de rebaixar o índice de reajuste do piso, foi "esquecido", pois as eleições para presidente se aproximavam - e os desgovernadores conseguiram suspender a Lei do Piso com a ADI 4167 -, agora os governadores, inclusive o de Minas, tentam novamente detonar o nosso piso, fazendo aprovar este projeto que tramita no Congresso Nacional - cujos deputados são sempre sensíveis ao tilintar de muitas moedas que respingam no bolso deles, pelos favores prestados aos governantes e às grandes empresas que financiam suas campanhas.

A Lei do Piso determina que nenhum professor pode receber menos do valor determinado por uma jornada de 40 horas semanais. Questionada na Justiça por governadores, a legislação foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado. Entes federados argumentam que não têm recursos para pagar o valor estipulado pela lei. O dispositivo prevê que a União complemente o pagamento nesses casos, mas desde 2008 nenhum estado ou município recebeu os recursos porque, segundo o MEC, não conseguiu comprovar a falta de verbas para esse fim.

Comentário do Blog: aqui, novamente, merece um esclarecimento. A lei do Piso diz que piso é vencimento básico, e não remuneração total ou soma de básico com gratificações. Questionada no STF por cinco desgovernadores (RS, MS, SC, PR e CE), os ministros daquela alta Corte decidiram de maneira irrecorrível, que o piso é vencimento básico, e não remuneração total. Apesar do texto da lei federal aprovado em 2008 e desta decisão do STF confirmando a constitucionalidade da norma federal, os estados alteraram os planos de carreira dos educadores, posteriormente à própria decisão do STF em abril de 2011. Alteração feita para burlar o pagamento do piso, como aconteceu em Minas Gerais, onde o governo somou o vencimento básico e as gratificações e disse que a resultante dessa somatória atinge valor maior do que o piso salarial. Trata-se de um golpe descarado contra os educadores, com o respaldo de um legislativo submisso, de um procurador da república estadual que atua como assessor do governador, de uma justiça que quase sempre funciona a serviço dos de cima, e de uma mídia vendida e bem paga para blindar os governos e os ricos deste país.

A lei federal 11.738/2008 é clara: 1) piso é vencimento básico, e não remuneração total; 2) o governo estadual ou municipal que não conseguir pagar, receberá a complementação da União para fazê-lo. Mas a cumplicidade entre as partes não permite que isso aconteça. Os estados dizem que não podem pagar, ou simplesmente burlam a lei para simular o pagamento do piso e nada lhes acontece. Por usa vez, o governo federal assiste a tudo como se nenhuma responsabilidade tivesse em relação à política nacional de Educação básica, que é aquela voltada para 50 milhões de crianças, jovens e adultos, geralmente de famílias de baixa renda. Podemos chamar este país de uma república?

“Os governadores e prefeitos estão fazendo uma brincadeira de tremendo mau gosto. É uma falta de respeito às leis, aos trabalhadores e aos eleitores tendo em vista as promessas que eles fazem durante a campanha de mais investimento na educação”, cobra Leão.

Comentário do Blog: novamente o funcionário do MEC se pronuncia: somente os governadores e prefeitos estão fazendo brincadeira de mau gosto. E a presidenta Dilma, que prometeu em campanha pagar melhores salários aos professores e que nada fez até agora para cumprir este compromisso? E a omissão do MEC em anunciar o novo índice de reajuste do piso, que deveria ocorrer em janeiro de 2012? E a omissão do governo federal em exigir que os governos estaduais e municipais cumpram a norma federal, acionando a justiça, inclusive, para isso, ou o MPF e a Advocacia Geral da União? No final das contas, os governos, o MEC e a CNTE fazem parte de uma mesma brincadeira de mau gosto contra os profissionais da Educação e contra também a população de baixa renda, que se vê privada do direito ao ensino público gratuito de qualidade para todos. Chega de enrolação e de enganação contra os de baixo!

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

Fonte: Agência Brasil (http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-02-24/estados-e-municipios-que-nao-reajustaram-piso-do-magisterio-terao-que-pagar-retroativo, disponível em 24/02/2012).

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Frei Gilvander:

Fraternidade e Saúde pública: um grande desafio
Gilvander Moreira[1]

"A saúde é direito de todos e dever do Estado.” (Art. 196 da CF/1988)

Desde 1963, há 49 anos, a CNBB[2], anualmente, durante os 40 dias da quaresma, promove a Campanha da Fraternidade – CF -, que tem colocado para estudo, reflexão e ação assuntos que são grandes desafios – clamores ensurdecedores - no seio da sociedade. O Tema da CF/2012 é "Fraternidade e Saúde pública"; o Lema: "Que a saúde se difunda sobre a terra!" (Eclo 38,8). Somos convidados conhecer as entranhas da realidade do SUS[3], visitar pronto-socorros, ouvir as pessoas doentes que esperam muito para fazer exames e conseguir uma vaga para cirurgia no SUS. É hora de ouvirmos o apelo de 150 milhões de brasileiros que só tem como rara possibilidade de acessar saúde pública, via SUS.

A Organização Mundial da Saúde – OMS - definiu a saúde não como “ausência de doenças”, mas como “um estado de completo bem-estar físico, mental, social e espiritual”[4]. Levada a sério, esta definição coloca em questão a base da medicina moderna. Em nossos hospitais e clínicas, quantos médicos e enfermeiros compreendem a saúde de modo integral? Onde as pessoas são atendidas, visando a saúde não só física, mas também mental, social e espiritual? A medicina de órgãos, por si só, é incapaz de resgatar saúde integral.

A saúde depende também de paz interior, de equilíbrio entre a pessoa e o seu ambiente social e, finalmente, da relação entre o ser humano e o universo. Toda doença tem conexão com a força vital e espiritual do universo. Os gregos ensinavam que a “simpatia” entre as partes do corpo e os elementos da natureza fará com que se possa encontrar remédio para tudo. Basta colaborar com a natureza.

Povos indígenas, nas margens do lago Titicaca, no altiplano peruano, dizem que todo ser humano tem três almas: a física, a interior e uma que nos liga ao universo. A pessoa fica doente quando “perde” uma destas almas. A cura consiste em recuperar a alma perdida.

Infelizmente, o cristianismo incorporou da cultura ocidental uma visão dualista que fragmenta corpo e alma, matéria e espírito. Privilegia, assim, um racionalismo abstrato que faz da religião mais um sistema de crenças intelectuais do que um caminho de amor e integração. Os evangelhos da Bíblia relatam que Jesus enviou os seus discípulos e discípulas para anunciar o Reino de Deus, curando as doenças e expulsando o mal que tomava conta das pessoas. O galileu de Nazaré, pela ternura e solidariedade, curou paralíticos, perdoou pecados para que as pessoas doentes se sentissem integradas com seu eu mais profundo, com Deus, um mistério de amor que nos envolve, com a comunidade e com toda a biodiversidade. O universo tem a cura para toda doença. A saúde mais profunda está escondida no fundo do coração de todo ser humano. Unindo as cordas do universo e do coração reencontramos saúde e salvação.

A Constituição Federal de 1988 – CF/88 - afirma: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (Art. 196). No caso de crianças e adolescentes, o direito à saúde deve ser assegurado com "absoluta prioridade” (Art. 227).

Temos, no Brasil, dois sistemas de saúde: a) Um público: o SUS, para os pobres; b) Outro privado, o dos planos de saúde, que atende 25% do povo, cerca de 50 milhões de pessoas. Milhares de pessoas pobres se sujeitam a continuar em-pregado em grandes empresas, porque estas oferecem plano privado de saúde. Ou seja, o caos no SUS leva empresas a arrochar salários, pois seguram trabalhadores ao ofertarem planos privado de saúde.

Na luta por saúde pública, tivemos várias conquistas: a) a Criação e organização do SUS, que é um projeto bom, mas sobrevive desde seu nascimento na UTI, pública; b) a criação do PSF - Programa de Saúde da Família, com a ênfase na prevenção, inspiração vinda do sistema de saúde de Cuba; c) o combate contra a AIDS, elogiado pela OMS. Mas a CF/88 está sendo desrespeitada cotidianamente, pois os lindos artigos 196 e 227 estão sendo pisoteados, isso sem contar o princípio do respeito à dignidade humana e tantos outros prescritos na nossa Carta Maior.

Após 11 anos de morosa tramitação no Congresso Nacional, a Emenda Constitucional 29, que regulamenta os investimentos do Estado em saúde pública, foi sancionada pela Presidenta Dilma, em 16/01/2012. Em saúde pública, a União deverá investir de 6 a 7% do orçamento (PIB), mas está investindo apenas 3,5% - Cuba investe 18%; os estados deverão investir pelo menos 12% e os municípios, 15%. Mas a maioria dos estados e dos municípios não investe ainda os valores fixados na Emenda 29.

Especialista em Saúde e professora da UFRJ, Ligia Bahia, denuncia com veemência: “Aprovar a Emenda 29 sem que a União tenha que dispor de mais recursos para a Saúde é uma tragédia. Do jeito que aprovaram, a Saúde vai ter mais R$3 bilhões; se fossem os 10% da receita da União, o aporte seria de R$40 bilhões. Foi bom terem definido o que são gastos com Saúde, mas os R$3 bilhões a mais não terão grande impacto.” Para ela, o SUS padece por conta do subfinanciamento e dos problemas de gestão. “Isso caracteriza o nosso subdesenvolvimento”, diz Ligia, que vê o veto ao artigo que determinava a atualização automática dos recursos da Saúde quando houvesse revisão do PIB como "pão-durismo" do governo federal.

Grande parte das doenças que afetam a vida das pessoas tem como causa a injustiça social, o capitalismo, a falta de reforma agrária, falta de apoio à agricultura familiar que produz alimentos na linha da agroecologia, as terceirizações no mundo do trabalho – privatização na prática -, a automovelatria, a motolatria, o escasso investimento em políticas públicas, a precarização da educação pública, a falta de ética nos programas televisivos e a devastação da biodiversidade. Tudo isso feito propositalmente para que uma minoria lucre, lucre, lucre e a maioria padeça stress, depressão, câncer e obesidade, que já atinge 15% da população.

A pastoral da Criança, com mais de 140 mil mulheres voluntárias acompanhando gestantes e crianças recém-nascidas com soro caseiro e multimistura, tem reduzido muito a mortalidade infantil, mas, hoje, o tráfico de drogas – maconha, cocaína, crack ... – está causando uma verdadeira mortandade de adolescentes e jovens, mais de 30 mil por ano, mais de 300 mil nos últimos 10 anos.

No nosso artigo “VI FÓRUM SOCIAL MUNDIAL: Um mundo democrático-participativo e socialista em construção”,[5] de fevereiro de 2006, consta o seguinte: “Na Venezuela, atualmente, existem cerca de 20 mil médicos cubanos alavacando uma revolução no sistema público de saúde. São responsáveis pelo atendimento primário da população, algo parecido com o médico de família. Estão nas favelas e bairros pobres; lá vivem e atendem com competência e dedicação os pobres. Fomos ao encontro de alguns deles. Três jovens camelôs dizem com veemência: "Por mais de 50 anos os médicos venezuelanos recém formados se recusaram a ir para interior, para os bairros, para a periferia. Só queriam ficar na capital, ganhar dinheiro às custas da dor. Agora, com Hugo Chávez, eles tiveram sua chance de ajudar o povo. Não quiseram. Então foi preciso apelar para a solidariedade. Vieram os médicos de Cuba e estamos tendo acesso à saúde nos lugares mais distantes e pobres".

Em conversa com duas médicas e um médico, em favelas de Caracas, ouvimos, entre tantas coisas, o seguinte: “Não viemos aqui para a Venezuela para ganhar dinheiro, mas por amor ao próximo. Estudamos medicina para cuidar das pessoas, nunca para ganhar dinheiro. Quando terminamos o curso de medicina em Cuba, fazemos um juramento de cuidar sempre da vida ameaçada em Cuba e em qualquer país do mundo. Quando se é de esquerda, socialista, somos mais cristãos, pensamos mais no próximo. Todo o povo do mundo é meu próximo, é minha família. Somos e devemos nos comportar todos como irmãos. Vivo para servir a sociedade. Aqui na Venezuela, recebemos apenas uma ajuda de custo para pagar metrô, ônibus coletivo e comprar alimentos e alguma coisa mais necessária.” Na Venezuela, o salário recebido pelos médicos cubanos não chega a um salário mínimo da Venezuela, que em fevereiro de 2006 era cerca de R$405,00, melhor que o do Brasil. Há muitos anos, Cuba envia milhares de médicos para cuidar de saúde pública na Venezuela. Em contrapartida, a Venezuela entrega petróleo para o povo cubano.

Segundo dados do Ministério da Saúde, há, hoje, no Brasil 30 mil equipes de médicos da Família atuando no Programa de Saúde da Família – PSF -, mas só em 1.500 equipes há médicos. O plano do governo Federal é em 2012 chegar a 40 mil equipes para atender cerca de 75% da população: 150 milhões de brasileiros. Logo, estão faltando 38.500 médicos da Família. Por que faltam médicos no PSF? Por que continua valendo no Brasil um decreto do ex-presidente FHC que proibiu o reconhecimento no Brasil de cursos de medicina feitos em Cuba?

Urge denunciarmos as ações e opções dos governos e da classe dominante brasileira que implementam política econômica que apóia a produção de alimentos através do agronegócio, com uso indiscriminado de agrotóxico, envenenando, assim, a comida do povo.[6] Indignado, perguntamos: Por que a presidenta Dilma cortou 55 bilhões de reais do orçamento de 2012, entre os cortes 5,4 bilhões do Ministério da Saúde? Em plena CF sobre saúde pública, é inadmissível esse corte. Exigimos que o governo federal repense sua política econômica neoliberal e volte atrás no corte do orçamento. Ao invés de corte de 5,4 bilhões do Ministério da Saúde, exigimos que se triplique o investimento em saúde pública.

Não podemos limitar nossa ação a ser solidário com quem está doente. O cartaz da CF/2012 é bonito, mas poderia ser melhor. Numa sociedade racista e com idosos pisados na sua dignidade, não foi uma feliz escolha apresentar como cartaz da CF/2012 um jovem médico branco, de pé, como “bom samaritano” sorrindo para um idoso negro, sentado, na posição de doente. Os idosos e negros têm direito a saúde pública de qualidade e não podem ser considerados objeto da solidariedade de jovens brancos.[7] Sinto saudade dos criativos cartazes das CFs feitos por artistas populares da Caminhada, que são dignos de nossa admiração. Talvez fosse melhor um cartaz sugerindo caminhos para a saúde pública de forma integral, o que passa também por justiça social, por alimentação saudável – sem agrotóxico -, por agroecologia e pela infinidade de terapias naturais, holísticas e alternativas, além da vivência de uma espiritualidade que cura.

Um dos objetivos da CF/2012 é "despertar nas comunidades a discussão sobre a realidade da saúde pública, visando à defesa do SUS e a reivindicação de seu justo financiamento” (Texto base CF 2012). Acrescento, resistir contra a privatização da saúde que acontecem, via Planos privados de Saúde, PPPs, terceirizações, lobbies da indústria farmacêutica e de empresas que lucram com a produção de doenças.

Enfim, para que a fraternidade social seja verdadeira é preciso saúde pública de qualidade, um grande desafio que devemos abraçar.

Belo Horizonte, 23 de fevereiro de 2012.

Segue, abaixo, links de oito vídeos que podem subsidiar estudo, reflexão e ação a partir da Campanha da Fraternidade 2012.


1) Trailer: Vídeo da Campanha da Fraternidade 2012 - Saúde - Direito ao bem-viver

http://www.youtube.com/watch?v=ca2LJ36cqFc&feature=fvst

2) O Veneno Está na Mesa - (Assista na íntegra) – Filme-documentário do diretor Sílvio Tendler.

http://www.youtube.com/watch?v=8RVAgD44AGg

3) Padre João Carlos, dep./PT/MG, fala sobre Agrotóxicos e Campanha da Fraternidade 2012 -

http://www.youtube.com/watch?v=EzQUUYunhsI&list=UUwGdEdUO2-e4KgNTd4VSe7Q&index=5&feature=plcp

4) Feijão de Unaí está envenenado? - Fala de Edivânia, de Escola Municipal de Arinos - 10/01/2012

http://www.youtube.com/watch?v=uOrtJVd-A0Q&list=UUwGdEdUO2-e4KgNTd4VSe7Q&index=36&feature=plcp

5) Entrevista com Arnaldo S. Viana, de Arinos, MG. Assunto: Horta com adubo orgânico. 03/01/2012

http://www.youtube.com/watch?v=q5jOieBLG60&list=UUwGdEdUO2-e4KgNTd4VSe7Q&index=42&feature=plcp

6) Sr. Clemente faz remédio - de 13 plantas - que cura reumatismo - de Bandeira, MG - 04/12/2011

http://www.youtube.com/watch?v=gd-4-iIxuP8&list=UUwGdEdUO2-e4KgNTd4VSe7Q&index=61&feature=plcp

7) Saúde pública

http://www.youtube.com/watch?v=BOctQlHj3SA

8) Brasil Batista da Fonseca, 38 anos de combate à malária em Arinos, Noroeste de MG - 19/02/2012

http://www.youtube.com/watch?v=inwi6K1lVic


_________________
[1] Frei e padre carmelita, mestre em Exegese Bíblica, professor no curso de Teologia sobre Lc e At, assessor das CEBs, do CEBI, da CPT; gilvander@igrejadocarmo.com.br – www.gilvander.org.br – facebook: gilvander.moreira
[2] Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – www.cnbb.org.br
[3] Sistema Único de Saúde.
[4] Definição de 1946, sendo que em 2003, a OMS acrescentou a dimensão espiritual.
[5] De frei Gilvander Luís Moreira e Delze dos Santos Laureano, publicado na Revista HORIZONTE TEOLÓGICO, ano 4 n. 7 jan/jun 2006, pp. 151-161, e também disponibilizado na internet.
[6] Assista ao Filme “O veneno está na mesa”, de Sílvio Tendler, disponibilizado no youtube.
[7] Apenas 2% dos médicos formados na Faculdade de Medicina da UFMG, em Belo Horizonte, são negros.

Um abraço afetuoso. Gilvander Moreira, frei Carmelita.
e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
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www.twitter.com/gilvanderluis
Facebook: gilvander.moreira
skype: gilvander.moreira


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A fala mal dita da bela atriz


A fala mal dita da bela atriz
*

Há muito se tem discutido sobre a realidade de ficção, ou a não realidade, que se tem assistido nos dias atuais. No universo da propaganda, por exemplo, tudo é perfeito, em contraste com a realidade real. Recentemente, uma atriz "global" (global = da TV Globo, bem explicado), colocou o seu rosto e sua voz para divulgarem uma peça publicitária do governo de Minas sobre a Educação pública no estado. Tem sido uma prática recorrente dos diversos governos lançarem mão de artistas famosos para divulgarem a imagem dos seus governos.

Todos estes governos, na prática, contrariam a lei federal, com uso indevido de verbas públicas para fins de publicidade dos seus governos. Uma propaganda honesta teria tido outro teor. Teria dito, por exemplo, que Minas não paga o piso salarial nacional dos educadores, que criou um outro sistema remuneratório, o subsídio, justamente para escapar da Lei do Piso. E para isso, destruiu o plano de carreira dos educadores e tornou essa carreira sem perspectiva de presente e de futuro. Carreira destruída e congelada até 2016. Um professor com curso superior e 10 anos de estado recebe de salário bruto não mais que dois salários mínimos.

Mas, na propaganda mal dita pela fala da bela atriz, os professores recebem até 85% a mais do que o piso salarial nacional. É só fazermos as contas: o piso, em 2012, não fosse a lentidão pusilânime do governo federal em anunciar o reajuste de 22% em janeiro deste ano, teria o valor de R$ 1.450,00. Isto para um professor com formação em ensino médio. Oitenta e cinco por cento a mais resultariam em R$ 2.682,50. Mas, para o professor com curso superior, que é aquele que o governo diz que paga 85% a mais do que o piso, o valor seria de R$ 3.150,27 pela tabela do subsídio (que burlou a lei do piso), ou R$ 3.992,63 pela tabela original do nosso plano de carreira. Valor este bem diferente dos R$ 1.320,00 de remuneração total que é pago para a grande maioria dos professores de Minas Gerais.

Uma coisa é a realidade real; a outra, bem diferente, é a realidade da fantasia, da ficção, muito apropriada para os dias de carnaval, mas não para a vida real, que atinge a vida de milhões de pessoas. Por isso a fala da bela atriz, em troca de muitos 30 dinheiros, aparece em descompasso com a vida real, e toma a forma de fala maldita. Tanto assim que ganhou força nas redes sociais, especialmente no Facebook, campanhas com frases, como: "Cala a boca, Débora!", ou: "Débora, você colocaria os seus filhos nas escolas públicas de Minas?", entre outras.

Tanto no quesito qualidade de ensino, como no da valorização da educação - que estão intimamente ligados e são indissociáveis - a realidade da Educação em Minas não é aquela pintada pelo governo. São inúmeras as denúncias de formação de turmas multiseriadas no ensino regular, escolas sem quadra de esporte, sem sala de leitura, sem laboratórios de informática ou de Ciências, etc. E a própria greve dos educadores, de 112 dias - praticamente um terço de ano - em 2011, cobrando a aplicação de uma lei federal, demonstra que algo não vai bem no reino da Educação em Minas. E no Brasil também, já que o governo federal e os demais governos estaduais e municipais são cúmplices na sonegação ao povo, especialmente aos mais pobres, do direito ao ensino público de qualidade.

Sequer estes governos pagaram a Lei do Piso. E no lugar disso, detonaram as carreiras, alterando as leis estaduais para burlar a norma federal, que manda aplicar o piso no plano de carreira existente, e pagar o piso enquanto vencimento básico, e não como remuneração total. Isso é a lei, isso foi confirmado pelo STF. Mas os governos estaduais - e o federal também - não respeitam as leis e fazem o que bem entendem, quando se trata de sonegar aos de baixo os seus direitos. Negam aos de baixo o direito a um salário mínimo decente; negam aos de baixo o direito à moradia digna; negam aos de baixo o direito à saúde pública decente e à Educação pública de qualidade para todos.

Mas o fato é que agora, com o advento das redes sociais virtuais, onde o cidadão comum se torna sujeito, não sujeito às mordaças que as muitas entidades burocratizadas impõem, as máscaras vão caindo. Em pleno carnaval, e depois também. A da bela atriz, por exemplo, revelou-se portadora de uma fala maldita. Todo mundo sabe que a Educação em Minas não é aquilo que se tentou vender. E que o governo, se quiser melhorar a sua imagem, terá que gastar menos em propaganda e investir mais e melhor na Educação, a começar por pagar o piso corretamente na carreira e devolver cada centavo que tirou dos educadores em 2011.

O desmonte da fala mal dita da bela atriz trouxe ainda uma outra consequência: que todos os artistas estejam avisados. Emprestar ou alugar a imagem para governos não faz bem para a imagem do próprio artista. São muitos 30 dinheiros mal pagos, e por isso malditos, posto que usados para iludir, enganar, distorcer realidades que afetam a vida de milhões de pessoas simples, gente do povo, que contribuiu para fazer a imagem dos próprios ídolos midiáticos, que hoje se voltam contra os de baixo.

É fato que temos uma camada de artistas profissionais - sem generalizar, claro - absolutamente alienada da realidade social brasileira. A exemplo da elite política profissional, que também faz pouco caso dos de baixo, enquanto se lambuza nas fartas ceias das elites, bancadas com o suor de milhões de trabalhadores explorados.

Essa realidade, contudo, não vai durar para sempre. Os de baixo, a despeito do monopólio da grande mídia enganadora e vendida, constroem seus próprios instrumentos e formas de organização e de luta. As redes virtuais, por exemplo, tornaram-se um mecanismo ágil e horizontal de comunicação e divulgação de ideias entre os de baixo. E isso incomoda. Até mesmo os dirigentes sindicais acostumados ao comodismo do controle de máquinas burocráticas enferrujadas a serviço dos seus partidos ficam incomodados. Muitos movimentos de protestos são organizados hoje em dia através da rede virtual, que ganham vida nas ruas e enfrentam os de cima e seus aparatos repressivos e de manipulação.

Nós, os educadores de Minas, não estamos alheios a estas mudanças. E estamos fazendo uso desses importantes instrumentos para manter e fazer crescer a nossa unidade e luta pelos nossos direitos. A começar pelo piso e pela carreira, respectivamente sonegado e destruída. Que o mau exemplo da bela atriz sirva para desestimular outras práticas semelhantes, de falas que, antes de belas, tornaram-se malditas.

Um forte abraço a todos, um bom descanso e força na luta! Até a nossa vitória!

* Título alterado por sugestão da nossa colega professoramaluquinha.

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Frei Gilvander:

CEBs: nos trilhos da profecia e da justiça
Gilvander Luís Moreira[1]

No ano dos 50 anos do Concílio Vaticano II, rumo ao 13º Intereclesial das CEBs - Comunidades Eclesiais de Base - no Ceará, em Crato, atual estação central do trem das CEBs, aconteceu de 23 a 26 de janeiro de 2012 mais um Seminário Nacional das CEBs, com o tema: Justiça e Profecia a serviço da vida, e o lema: CEBs, romeiras do reino no campo e na cidade.

Foi uma beleza a convivência fraterna, a reflexão, a visita ao Caldeirão do beato Zé Lourenço e os fachos de luzes acesos para guiar a marcha do trem das CEBs rumo ao 13º Intereclesial de CEBs que acontecerá de 7 a 11 de janeiro de 2014 em Juazeiro do Norte, CE, terra do padre Cícero e do povo resistente como juazeiro e mandacaru.

Do Seminário das CEBs participaram mais de 100 assessores/ras e representantes das CEBs de todos os estados do Brasil. Durante o Seminário, vi e ouvi muitas belezas espirituais e proféticas. Abaixo, farei referências a algumas.

Em 1984, enquanto eu fazia o noviciado dos frades Carmelitas, no Pernambuco, fomos de pau-de-arara, de Camocim de São Félix, PE, ao Juazeiro do Norte, CE, para conviver com o povo devoto do Padre Cícero durante uma semana. Foi um banho de religião popular que mexe nas cordas mais profundas do humano do povo simples. Passaram-se 28 anos e, eis-me, novamente passando por Juazeiro do Norte. A primeira coisa que me chamou a atenção é o quanto a cidade cresceu e está em franco desenvolvimento, “só para uma minoria”, me alertaram. Transito já ficando caótico. Carretas lotadas de automóveis, faculdades, lojas de transnacionais, shopping etc.

Lá na região do Cariri, Dioceses de Crato e Iguatu, além de automovelatria, eu vi motolatria, ou seja, idolatria de motocicletas. Parece que há mais moto circulando do que automóveis. Jumentos e cavalos estão sendo aposentados. Até para tanger o gado no pasto se usa moto. Geralmente duas ou três pessoas em cada moto, às vezes, uma criança prensada entre dois adultos. Nas cidades menores, vi muitos motoqueiros circulando sem capacete. Muitos me disseram que as UTIs dos hospitais de Fortaleza estão ficando lotadas de motoqueiros acidentados. Um jovem me disse: “Uma mãe aposentada, pegou dinheiro emprestado no banco e comprou uma moto. Pagou 400 reais de transportadora para levar a moto até São Paulo. O filho, de 19 anos, 15 dias após receber a moto, na capital de São Paulo, bateu a moto e morreu. A mãe perdeu o filho, ficou com uma dívida de 5 mil reais que será descontada na sua aposentadoria de salário-mínimo durante uns 3 anos. E mais, ficou com sentimento de culpa por ter, segundo ela, contribuído para a morte do filho. Ela queria ajudar o filho a sobreviver na capital, mas ...” Motolatria! Eis uma questão de saúde pública que deve ser abraçada pela Campanha da Fraternidade de 2012.

Na Abertura do Seminário Nacional das CEBs foi reconfortante ver e ouvir o bispo da Diocese do Crato, dom Fernando Panico, em uma alocução de várias páginas, defender com firmeza a grandeza espiritual e profética das CEBs. “Não podemos aceitar que as CEBs sejam reduzidas a um movimento ou a uma pastoral. As CEBs são um jeito de ser igreja que testemunha a luta pela justiça e profecia no campo e na cidade”, afirmou com firmeza dom Fernando.

Na manhã do dia 24, ao refletir sobre Justiça e Profecia no campo, Roberto Malvezzi, o Gogó, com clareza de sol ao meio-dia, fez uma retrospectiva dos problemas e desafios que temos a partir do campo, hoje. “Estamos vivendo uma mudança de época. Compreendemos que o nosso planeta se comporta como um ser vivo, Gaia. A capacidade cientifica nos permite ver o planeta como nunca vimos antes. A terra é dinâmica e não estática, passou por várias etapas, por eras glaciais e atualmente tem os oceanos e atmosfera. Temos que defender os seres vivos e não a vida em abstrato. O aprisionamento da terra é o pecado original brasileiro. Nascemos com as capitanias hereditárias, impostas pelos portugeses. Fomos organizados no tripé: a grande propriedade da terra, as grandes monoculturas e o trabalho escravo. Isso pressupõe ataque aos territórios indígenas, importação de milhões de escravos da África. A CPT tem um carinho especial por padre Cícero, o cearense do século XX (nasceu em 24/03/1844 e morreu em 20/07/1934, aos 90 anos) e por padre Ibiapina (1806-1883). Este nasceu no sertão, o pai foi morto, o irmão preso, foi seminarista, advogado, deputado, delegado, juiz, se ordenou padre, tornou-se missionário, organizador dos pobres - Casas de Caridade, Beatos, Movimentos Sociais – teve as Primeiras Comunidades cristãs como referência. Assim, Ibiapina foi precussor e pioneiro do extenso Projeto de Convivência como Semiárido, em construção há décadas pelo povo pobre das CEBs, das pastorais sociais e por centenas de movimentos populares.”

Exemplo vivo de Convivência com o Semi-árido vimos no Projeto Solari que está sendo implementado pela Cáritas, CEBs e vários outros movimentos populares em cinco comunidades rurais do município de Crato: mandalas, hortas comunitárias, quintais produtivos, rádios comunitárias, energia solar, resgate da cultura camponesa, teatro popular ... Que beleza!

Na tarde do dia 24, ao refletir sobre Justiça e Profecia na cidade, Alba Carvalho, socióloga da UFCE, abordou o desafio de compreender o panorama urbano hoje: a exigência de atualização da questão urbana no Brasil do século XXI. O processo de urbanização aconteceu muito rápido e aprofundou a desigualddade e exclusão nas cidades. Há segregação socioterritorial, “duas cidades”: a) oficial – produzida a partir das imposições do capital fundiário e imobiliário: bairros nobres, shoppings e condomínios de luxo; b) real - imposta e desprotegida; ocupação inadequada. “Vivemos um novo momento de expansão sem limites do sistema do capital, de mercantilização exacerbada, de consumismo sem medidas, nos marcos da chamada “mundialização com dominância financeira, em meio ao furacão de uma crise estrutural do capital”, advertiu Alba.

Ainda no dia 24, diante da crise ética, padre Manfredo Oliveira, refletiu sobre o desafio de articulação de uma nova ética. “O ser humano perdeu a capacidade de agir por si mesmo. A modernidade é firmada por uma trindade: a Ciência, Tecnologia e o Capitalismo. Estamos vivendo uma época de apocalipse ecológico e apocalipse social. Um modelo econômico baseado no lucro é completamente antiético”, disse Manfredo conclamando todos/as para um esforço de tradução das exigências éticas na esfera da vida coletiva. Defendeu, enfim, uma ética da integração universal.

Na manhã do dia 25, padre Marins e Irmã Teolide Maria partilharam conosco um pouco dos 40 anos de trabalho pastoral na Equipe das CEBs “Missão na América Latina e Caribe”. São itinerantes, vão conhecendo as realidades convivendo com as famílias, vivendo os imprevistos, convivendo com os pobres, passando por tudo o que eles passam, compreendendo a mística de cada realidade e cada momento. “Cada pessoa é uma palavra de Deus que não se repete!”

Na parte da tarde do dia 25, Rafael Rodrigues e Irmã Mercedes refletiram conosco sobre Profecia na Bíblia: justiça e profecia a serviço da vida. O que é profecia e ser profeta/isa? O que é justiça e ser justo? Profetas e profetisas, na Bíblia, foram mulheres e homens em um lugar concreto, em um determinado contexto, foram intérpretes da situação socio-política e religiosa do seu tempo; convidam à agir; apresentam um projeto: volta ao modelo tribal, a uma vida de partilha; aparecem como porta-vozes da comunidade.

Após uma belíssima retrospectiva sobre a Profecia na Bíblia, com destaque para Raab (Js 2,1-24), Rafael e Mercedes terminaram alertando: “Vejamos o que está por trás da palavra escrita! Perder a memória é perder a identidade. Não deixemos cair a peteca da profecia.”

Na manhã do dia 26, visitamos o Caldeirão, palco de uma comunidade que resistiu de 1926 a 1936, sob a liderança do beato Zé Lourenço. Tudo em comum, portas abertas aos flagelados da seca e da cerca, orar e trabalhar, fé em Deus e amor ao próximo. Eis alguns dos valores proféticos vivenciados no Caldeirão que chegou a ter uma população de cinco mil pessoas. No Caldeirão, os famintos eram acolhidos, enquanto o governo do Ceará construía campos de concentração para prender os flagelados da seca/cerca. Mas ao despontar-se como um “Novo Canudos”, Caldeirão foi reprimido pelas forças militares, “inclusive com bombardeio aéreo”, muitos denunciam.

Sob as bênçãos de padre Cícero, padre Ibiapina, beato Zé Lourenço e do povo resistente do Cariri, encerramos o Seminário das CEBs. Voltamos para nossas bases com a tarefa de ajudar na caminhada das CEBs e na preparação para o 13º Intereclesial das CEBs, que, como eu disse no início, acontecerá de 7 a 11 de janeiro de 2014, em Juazeiro do Norte, no Ceará. Eis, assim, as CEBs nos trilhos da profecia e da justiça, no campo e na cidade.

Belo Horizonte, 21 de fevereiro de 2012.

Como complemento ao exposto, acima, segue, abaixo, 9 vídeos gravados por Gilvander Moreira e 2 vídeos-documentários assistidos durante o Seminário Nacional das CEBs, em Crato, Ceará, de 23 a 26 de janeiro de 2012.

1) Caldeirão do beato Zé Lourenço - Documentário da TV Assembleia do Ceará - 04/02/2012

http://www.youtube.com/watch?v=Z2DVrL_dEcI&list=UUwGdEdUO2-e4KgNTd4VSe7Q&index=9&feature=plcp

2) No Caldeirão, Ceará, Padre Vilecy: memória da luta e da resistência do Caldeirão - 26/01/2012

http://www.youtube.com/watch?v=U2OVWdW7jjA&list=UUwGdEdUO2-e4KgNTd4VSe7Q&index=20&feature=plcp

3) Caldeirão de Zé Lourenço: nova Canudos? Pe. Anastácio, Nininha e Júlio - 26/01/2012

http://www.youtube.com/watch?v=XLWOk6Ewugg&list=UUwGdEdUO2-e4KgNTd4VSe7Q&index=15&feature=plcp

4) Projeto Solari - Cáritas da Diocese de Crato, no Ceará - 04/02/2012

http://www.youtube.com/watch?v=G1Sczw7mX3w&list=UUwGdEdUO2-e4KgNTd4VSe7Q&index=10&feature=plcp

5) Roberto Malvezzi fala sobre Justiça a partir da terra em Seminário Nac das CEBs - 24/01/2012

http://www.youtube.com/watch?v=ig4MLxi0Nao&list=UUwGdEdUO2-e4KgNTd4VSe7Q&index=23&feature=plcp

6) Roberto Malvezzi reflete no Seminário Nac das CEBs rumo ao 13o Intereclesial - 24/01/2012

http://www.youtube.com/watch?v=XMmvxG4aahY&list=UUwGdEdUO2-e4KgNTd4VSe7Q&index=24&feature=plcp

7) Dom Fernando Panico fala sobre a Importância das CEBs - Rumo ao 13o Intereclesial - 24/01/2012

http://www.youtube.com/watch?v=6cTo4VRx6Uw&list=UUwGdEdUO2-e4KgNTd4VSe7Q&index=16&feature=plcp

8) Entrevista com Dom João Costa, bispo de Iguatu, CE - Igreja povo de Deus - 22/01/2012

http://www.youtube.com/watch?v=R9Bz869rO70&list=UUwGdEdUO2-e4KgNTd4VSe7Q&index=17&feature=plcp

9) Noite cultural no Seminário Nac das CEBs rumo ao 13o Intereclesial - Crato, CE - 25/01/2012

http://www.youtube.com/watch?v=gr1PfKE3oCE&list=UUwGdEdUO2-e4KgNTd4VSe7Q&index=21&feature=plcp

10) Roberto Malvezzi canta no Seminário Nac das CEBs rumo ao 13o Intereclesial - 24/01/2012

http://www.youtube.com/watch?v=cnC_8GpQjOo&list=UUwGdEdUO2-e4KgNTd4VSe7Q&index=22&feature=plcp

11) Rumo ao 13o Intereclesial de CEBs Crato, CE Música Romeiro de verdade vive na fraternidade 24 01

http://www.youtube.com/watch?v=iAPhCqpp-sc&list=UUwGdEdUO2-e4KgNTd4VSe7Q&index=25&feature=plcp


[1] Frei e padre carmelita; mestre em Exegese Bíblica; professor do Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos, no Instituto Santo Tomás de Aquino – ISTA -, em Belo Horizonte – e no Seminário da Arquidiocese de Mariana, MG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br – www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis - facebook: gilvander.moreira

Um abraço afetuoso. Gilvander Moreira, frei Carmelita.
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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Desgovernadores de estado querem detonar a Lei do Piso... Com a conivência do governo federal. Que Republiqueta!



Do Facebook diretamente para o Blog do Euler: queremos o piso na carreira, senhor ministro do MEC, e não tablets ou espelhinhos; na outra imagem, nosso combatente Thiago, acorrentado de primeira hora, distribui panfleto sobre a verdadeira realidade da Educação em Minas, diferente daquela realidade apresentada pela atriz global.


Desgovernadores de estado querem detonar a Lei do Piso... Com a conivência do governo federal. Que Republiqueta!


No discurso oco desses políticos demagogos a Educação é a coisa mais importante do mundo. É a porta de saída da exclusão social de milhões de pessoas e a condição para o Brasil ingressar no time do chamado primeiro mundo. No discurso é assim: eles fazem malabarismo para tentar convencer ao mundo que estão preocupados com os de baixo. Na prática, é o oposto. São todos farinha do mesmo saco, a servir caninamente aos interesses dos de cima.

A novela do piso salarial dos educadores parece não ter fim. Primeiro demoraram 20 anos para aprovar a lei federal que instituíra, em 2008, a obrigatoriedade de se pagar o piso salarial enquanto vencimento básico implantado na carreira dos profissionais da Educação. Depois de aprovado o piso, uma mixaria de dois salários mínimos para uma jornada de até 40 horas, logo começaram a sabotar a sua aplicação. Do governo do ex-presidente Lula, que no dia seguinte à aprovação do piso quis alterar a regra de reajuste salarial anual para pior, passando pelos governadores de estado, que burlaram a aplicação da lei do piso, como aconteceu em Minas Gerais, de forma descarada.

Ninguém merece esta elite política serviçal dos interesses dos de cima! Agora, depois de não pagarem o piso na carreira, desobedecendo à lei federal e à decisão do STF - para que servem estas instituições: Legislativo e Judicário, afinal? -, e de burlarem a aplicação do piso, eles querem dar o golpe fatal. Querem alterar finalmente a regra de reajuste anual do nosso piso. Atualmente, o valor do piso deveria ser corrigido no mês de janeiro de cada ano pelo mesmo índice de reajuste do custo aluno ano, que em 2012 é de 22%.

Os desgovernadores de estado, incluindo o de Minas, obviamente, realizam cerrada campanha para que os deputados federais aprovem o projeto do governo Lula, que altera essa regra para pior, ou seja, para o índice do INPC, reduzindo o reajuste deste ano de 22% para 6,5%. Mais um golpe contra os trabalhadores da Educação.

Contribuindo com os desgovernadores de estado encontra-se o MEC, cujo cargo passou das mãos do falastrão ministro Haddad, que nada fez em favor da Educação básica em 8 anos de mandato, para o atual ministro Mercadante. Este, demagogicamente, já iniciou o mandato acenando com a distribuição de tablets para os professores do ensino médio. No Facebook, nossos colegas já criaram uma imagem mais ou menos com os seguintes dizeres: "Não queremos tablets, nem espelhinhos; queremos salários dignos!"

No caso do governo de Minas, essa empreitada para a redução do índice de reajuste tem até o mesmo sentido de auto-condenação, e deve ser usado nos autos da justiça contra o governo - isso se tivéssemos um bom escritório de advogados para nos representar. E por quê? Porque o governo fez campanha pública dizendo que paga até 85% a mais do que o piso salarial para os professores de Minas. Já provamos que isso não passa de propaganda enganosa. O governo de Minas paga remuneração total, e não piso, que é vencimento básico. Mas, ao cobrar a redução do índice para 6,5%, o governo de Minas confessa implicitamente que está mentindo para o povo mineiro e brasileiro. Se estivesse pagando de fato 85% a mais do que manda a lei do piso não precisaria se preocupar com os reajustes do piso nos próximos 5 ou 6 anos, pelo menos.

E para completar o quadro, a CNTE chama a greve de três dias com as palavras de ordem: "carreira, piso e 10% do PIB na Educação". Eu devo rir ou devo chorar, pessoal? Que piso? Que carreira? Em Minas e no Brasil já não existem mais piso e nem tampouco carreira, pois foram detonados pelos desgovernadores das três esferas de poder, com o conluio dos poderes judiciário e legislativo e a blindagem de uma mídia serviçal e vendida. Lembra-me do grande poeta mineiro:

"E agora, José?

(...)

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?"

O piso e a carreira em Minas e no Brasil não há mais. E agora? Agora vamos ter que travar uma luta sem trégua contra os de cima e seus apoiadores, inclusive os que se apropriam das máquinas sindicais. Podem dizer o quanto quiserem que este blog está atacando o sindicato. Não atacamos a entidade enquanto tal, mas o rumo que eles deram ao longo dos anos ao nosso movimento. Fomos derrotados em função disso, dessa falta de autonomia da CUT, da CNTE e do próprio Sind-UTE, conduzidos, todos, pelo mesmo grupo político atrelado a interesses eleitorais, que sobrevive da distribuição de cargos, e assessorias e conselhos de estatais, para, no final, repartir com a burguesia o trabalho de gerenciamento da máquina de estado que massacra os trabalhadores.

O que fez o governo federal, nas mãos do PT nestes 10 anos à frente do Executivo em favor do ensino básico, dos profissionais da Educação? Dos tucanos e dos demos, já sabemos que eles nada fizeram e nada farão, porque são assumidamente neoliberais, querem privatizar até o ar que respiramos; querem entregar até a alma da mãe deles se puderem, para o demônio do capital. Mas, não me venham com essa estória de que com o PT é diferente, porque não é não. Pelo menos em relação ao ensino básico, que é aquele voltado para 50 milhões de estudantes, crianças, jovens e adultos, além de 3 milhões de educadores. O que eles pagam de juros de dívida interna, em benefício de poucas dezenas de famílias, daria para resolver os problemas da Educação, da Saúde pública e da moradia popular.

Por isso, temos que continuar firmes na nossa luta. Construindo uma unidade verdadeira, em cima das nossas bandeiras, dos interesses de classe, e não em cima de direções sindicais que nos envolvem no jogo sujo desta elite política que ensaia uma briga pública, mas dorme, come, e reparte entre si os saques que realiza contra os de baixo.

Vamos continuar lutando pelo piso na nossa carreira; pela devolução de tudo o que nos roubaram em 2011 com a redução salarial ilegal e imoral; pela autonomia sindical; e por uma verdadeira política de valorização dos educadores, como condição para que haja no Brasil um ensino público de qualidade. Vamos encher as caixas de e-mails desta elite que dirige o país e formar uma corrente nas redes sociais exigindo a manutenção do reajuste de 22% do piso para 2012, sem alteração da regra de reajuste anual; denunciar que Minas não paga o piso, e que a justiça e o MP Estadual estão se omitindo de cobrar a aplicação da lei federal. Exigir também do STF que ele termine logo com a novela da ADI 4167 e que exija que os governos cumpram a lei; exigir dos deputados federais que eles façam cumprir a lei federal que eles aprovaram. Ou então que assumam publicamente que estamos vivendo uma verdadeira farsa neste país. Exigir que a presidente Dilma honre o compromisso feito em campanha, de investir na valorização dos educadores. Estamos cansados de ser tratados com este descaso total, que tem como vítimas não apenas aos profissionais da Educação, mas principalmente a população de baixa renda, privada que está do direito constitucional ao ensino público universal e de qualidade.

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

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